“Há muitos dias que acordo e quase que choro porque tenho o [jogo] para acabar, e insisto comigo mesmo que deveria ter feito algo mais simples e que me meti numa complicação enorme. Mas não vou desistir nesta fase do projecto”.
Esta é a melhor entrevista de sempre. O que acabaram de ler é um excerto da entrevista que segue abaixo.
Há cerca de cinco meses foi-me dado um jogo para antevisão chamado Minimon. Um jogo português que na altura se encontrava em Early Access. Joguei, escrevi, re-escrevi, e acabámos por não publicar nada; não havia muito a dizer. Estando em Early Access ou não, o meu respeito pelo produto era pouco. Gosto de ver bons jogos portugueses, tenho orgulho até; mas dizer que todos os jogos portugueses são bons é um desrespeito pelos bons jogos portugueses.
A antevisão de Minimon passou para outro redactor, que também não conseguiu escrever nada. “Não consigo jogar isto, desculpem”, disse, exactamente como aqui está escrito. Desde então até agora, convenci Sérgio Flores, o coordenador do projecto, a dar uma entrevista, para ajudar-nos a entender o jogo pelos olhos daqueles que o criaram.
Isaque Sanches: “Custa-me dizer coisas negativas de jogos indie. Também sou dev, e sei o inferno que é gerir e levar a cabo um projecto destes. Mas…”
Sérgio Flores: “…Não há problema. Agora já tenho uma pele bastante dura e resistente a críticas”.
Sorrio. Isaque Sanches: “O jogo está longe daquilo que vocês tinham imaginado?”.
Sérgio Flores: “Não está assim tão longe da visão que havia. Aos poucos e poucos vai-se corrigindo os problemas”.
Isaque Sanches: “Porque é que decidiram fazer este jogo? O que é que tinham na cabeça? Qual foi a motivação?”.
Minimon é um jogo “inspirado” na série Pokémon. Sérgio Flores: “O Pokémon foi um dos primeiros jogos que tive para o Game Boy. Foi uma série que se manteve como a minha favorita. Chegou a uma altura em que senti que estava capaz de fazer o meu próprio Pokémon”.
Isaque Sanches: “Na página Steam vocês têm na pergunta ‘Approximately how long will this game be in Early Access?’ a seguinte resposta: ‘I estimate a time of at least 5 months to finish all planned features and content, plus adding player suggestions’. O jogo entrou para Early Access em Março, a data de lançamento final está próxima ou podemos contar com atrasos?”.
Tensão.
Sérgio Flores: “Haverá atrasos. Penso que não faz sentido lançar o jogo se ainda estiver incompleto, e penso que os jogadores irão compreender”.
Tensão.
Sérgio Flores: “Parte do problema deve-se ao facto da equipa ter-se tornado cada vez mais pequena, em vez de crescer. Neste momento só resto eu.”
Isaque Sanches: “Houve complicações?”.
Sérgio Flores: “Alguns membros acabaram por arranjar emprego full-time. Outros ficaram desmotivados com o projecto. Outros estavam apenas como freelancers, e chegou uma altura em que já não havia dinheiro para os manter na equipa”.
A conversa ficou pesada. Isaque Sanches: “Tens estado a auto-financiar a produção do jogo?”.
Muito pesada. Sérgio Flores: “Sim. A razão pela qual o projecto continua vivo após quatro anos foi porque tem sido self-funded por mim”.
“Fui eu que o comecei e agora vou acabá-lo”.
“Já li várias noticias de indies devs que desistem dos jogos durante Early Access e não quero repetir a história deles”.
“Não consigo imaginar um dia anunciar aos jogadores que o jogo foi cancelado”.
“Mas claro, há muitos dias que acordo e quase que choro porque tenho o Minimon para acabar, e insisto comigo mesmo que deveria ter feito algo mais simples e que me meti numa complicação enorme”.
“Mas não vou desistir nesta fase do projecto”.
Quebro o meu silêncio. Isaque Sanches: “Como?”.
Sérgio Flores: “Arranjei um emprego a full-time enquanto a equipa continuava a trabalhar no jogo, para garantir que o projecto não morria por falta de fundos”.
Para além de ser “inspirado” em Pokémon, Minimon é também um MMO, segundo consta. Isaque Sanches: “Mas tinhas noção do risco que estavas a correr?”.
Sérgio Flores: “Pelo que tenho falado com vários devs, ninguém iria arriscar fazer um MMO destes sem ter pelo menos duzentos mil dólares no bolso. Tentámos com um valor bem mais baixo recorrendo a muitos ‘truques’”.
Isaque Sanches: “Em retrospectiva, o que é que achas que correu mal?”.
Sérgio Flores: “Além de ter tentado fazer um jogo de larga escala com uma equipa minúscula, há duas outras coisas que considero terem sido falhas enormes”.
“A primeira foi não dar atenção devida ao testing”.
“A segunda foi apenas fazer testing com jogadores remotos. Só me apercebi disto após começar a ir a eventos e ver as pessoas a jogarem o jogo ao vivo, e notar problemas que de outra forma seriam impossíveis de perceber”.
Isaque Sanches: “Aprende-se com os nossos próprios erros ou a sermos ensinados pelos erros dos outros. Espero que o que estás aqui a partilhar possa ajudar alguém um dia”.
Sérgio Flores: “Também espero que sim”.
E assim acaba a melhor entrevista de sempre.