A história que hoje vou contar tem início em 2009, quando por um amigo tomei conhecimento de um novo serviço na web chamado Gaikai. Prometeram um novo conceito, algo que nunca me tinha ocorrido na altura mas perfeitamente possível, apesar de ambicioso. Streaming de jogos consistia em correr software no computador pessoal, preparado para receber input de comandos, enviar esse input para um servidor onde corre o jogo e receber no software a imagem do jogo a correr.

Algo novo e portanto, alvo de pouca reflexão da minha parte. A verdade é que anos passaram sem a oportunidade de experimentar essa tecnologia até mais tarde, quando há um ou dois anos criei uma conta no extinto On Live, outro serviço criado para o mesmo efeito e mais popular que Gaikai na sua utilidade. Entre estes dois acontecimentos Gaikai foi comprado pela Sony, como forma de resolver o “problema” de retrocompatibilidade nos seus sistemas e abrir portas a um novo mundo de possibilidades. Bullsh%t if you ask me.

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A retrocompatibilidade foi vista pelas empresas (e durante muito tempo) como uma possibilidade de expandir o catálogo de uma nova consola que chega ao mercado. A Nintendo manteve uma boa política ao longo destes anos com as suas consolas portáteis e mais tarde com as consolas de casa. Na altura em que Gameboy Advance saiu, todo o catálogo do Game Boy e do Game Boy Color se encontrava disponível e funcional para o mesmo e certamente foi um selling point. Na mesma altura a Playstation 2 saiu com retrocompatibilidade para a sua colega sem número, no entanto, quando saiu a Playstation 3 com a sua arquitectura ímpar face aos seus antecessores, retrocompatibilidade foi apenas possível por emulação e foi “estranhamente” retirada completamente anos mais tarde.

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O problema com a retrocompatibilidade é que apesar de visto como uma vantagem para o utilizador, obriga as empresas a manter uma arquitectura de hardware semelhante ao longo do tempo, uma política não inviável de um ponto de vista monetário mas não proporcionada nos últimos tempos (principalmente para a Sony), ou então desenvolver software de emulação. Ou seja, o facto de hoje as consolas de nova geração terem um perfil tão idêntico aos nossos computadores de casa faz com que a emulação de sistemas dedicados a gaming como a Playstation 3 (que apesar do Processador Cell, exige uma manutenção bem mais cuidada da RAM) e a Playstation 2 (que ainda hoje PCs poderosos têm alguma dificuldade em emular o Emotion Engine) mereça software dedicado e por conseguinte, algum dinheiro às empresas. Visto essas mesmas empresas não conseguirem monetariezar sobre jogos que já foram outrora adquiridos em gerações anteriores (e apenas agitar o mercado de segunda mão), outras soluções tiveram de ser encontradas.

Retirar retrocompatibilidade da Playstation 3 e lançar inúmeras versões Remastered de jogos de gerações anteriores foi e ainda é uma forma de obter lucro com pequeno investimento, ou seja, o extremo oposto de gastar dinheiro em emuladores para um mau haábito educado com consolas de gerações anteriores. No entanto, com o adquirir do Gaikai da parte da Sony o investimento em emuladores encontra-se longe de terminado, visto estes agora serem desenvolvidos para os servidores em vez de para as consolas. Isto justifica os preços de subscrição e aluger absurdos do serviço Playstation Now. Tomando o exemplo de Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots: custa 3.99US$ alugar por quatro horas nos Estados Unidos, quando comprar uma versão física do jogo para a Playstation 3 na Feira da Ladra de Lisboa custará entre 5 a 10 euros.

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“Mas Bernardo, repara que o mercado de segunda mão não reverte a favor dos criadores do jogo!” – Diz um ignorante qualquer defensor dos direitos de autor. A questão aqui não é essa, também adquiri Metal Gear Solid: Rising por 3€ na PSN. A questão é que suportar este tipo de ‘aluguer’ de jogos significa também suportar um serviço que talvez não queiramos ver em prática no futuro. Com o aumentar das velocidades de ligação e com a redução dos custos de computadores mais potentes podemos estar perante a última geração de consolas. Talvez a Playstation 4 e a Xbox One sejam as consolas definitivas para utilizar serviços como o Playstation Now para fazer streaming dos novos jogos, dos jogos que queremos jogar amanhã. E isto é preocupante.

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Não falo de PC Gaming, que já tem um sistema de distribuição digital bem implementado, falo de consolas de jogos. A Sony, Nintendo ou a Microsoft teriam todo o interesse em implementar um sistema destes. Quando damos 70€ por um jogo, mesmo que seja no Steam, estamos efectivamente a dar dinheiro por conteúdo, por ficheiros armazenados num disco óptico ou por download de ficheiros para o nosso disco rígido. Dar 70€ por streaming de jogo é algo substancialmente diferente. Para as empresas resolvem-se problemas como pirataria, updates de software facilitados (uma motivação aos releases de jogos incompletos), investimento em hardware ser uma responsabilidade menor e todos os outros problemas que a distribuição digital veio facilitar. O utilizador não adquire qualquer propriedade! Adquire algo volátil! É como nos tivessem a dizer, “Se nos atirares dinheiro, nós deixamos-te jogar este jogo!”. Isto torna impossível qualquer género de mods e deixa nas mãos das empresas quanto tempo está o jogo disponível para nós jogarmos.

Isto acontecer não é algo certo, nem está perto de uma possibilidade. É só uma ideia. Para ser uma possibilidade seria necessário fazer contas a se é sequer uma opção viável face aos custos que o utilizador está disposto a suportar. Mas certamente tanto a Sony, a Microsoft e a Nintendo têm grandes vantagens em adoptar este modelo. E todo este alarido (ou não alarido) com o Playstation Now me faz temer o futuro.