Eu sei que já estão todos um pouco saturados de ouvir falar sobre refugiados.
Somos bombardeados dia após dia com imagens e comentários sobre uma situação humanitária que a Europa já demonstrou não estar preparada para resolver rapidamente e com eficácia, mas não que se espere que seja de rápida resolução. Nesta que é uma das mais graves e preocupantes situações da actualidade que acendeu outra luz vermelha na Europa, os governos falham no consentimento para encontrar soluções convincentes, adiam reuniões fracassadas e espaçadas por várias semanas, falham na informação para explicar o que realmente se está a passar nas fronteiras deste continente, e do outro, dois continentes de um único Mundo em que nós, Humanos, habitamos. A Europa fala com palavras bem intencionadas, mas falha na aplicação dessas palavras, transformando-se num espelho fragmentado que divide o ângulo de visão para quem olha esta entidade com a palavra “União” agregada ao seu nome.
Tenho visto todo o tipo de observações e argumentações nas redes sociais sobre refugiados. Desde comentários para recebê-los e apoiá-los, comentários neutros como “é complicado” a comentários “primeiro os nossos, depois os outros”. Há poucos dias atrás, passava numa rua bem no centro de Lisboa, e entrei num café onde estavam dois senhores no balcão, provavelmente a usufruir do seu tempo da merecida reforma. Quando entrei estavam a falar sobre futebol, acompanhados de transmissão na TV com equipas de uma divisão qualquer, mas com grande rapidez ganhou contornos na questão dos refugiados, “os Muçulmanos”, como assim os qualificavam. “Primeiro os nossos, depois os outros”, ouvi novamente como que se fosse um cânone alastrado, como um loop de um compositor que bloqueou no quarto compasso.
We all want to help one another. Human beings are like that. We want to live by each other’s happiness – not by each other’s misery. We don’t want to hate and despise one another. In this world there is room for everyone. And the good earth is rich and can provide for everyone. The way of life can be free and beautiful, but we have lost the way.
Num outro quadrante, há comentários que roçam a xenofobia, o racismo, de ameaças em pegar nas armas de grande calibre, à demonstração saudosista de Hitler, pessoas que devem ter lido Mein Kampf de fio a pavio mas nunca uma única página de Śmierć miasta, memoir que resultou no filme O Pianista de Roman Polanski. Nem sequer viram o filme. Ou são apenas pessoas que acham graça aos campers com um Kill-Death ratio de 6 milhões contra 1. Não sei. Há quem deixe deslizar o seu lado islamofóbico com o acidente da grua em Meca, acidente que por vulgar coincidência das forças da natureza aconteceu numa fase muito questionável, precisamente no 11 de Setembro:
“Que grua fraca” (Já lhe dizia a namorada);
“allahu akbar” (Por cá é mais “Por amor de Deus”);
”Só foi pena não terem morrido todos” (WTF?);
“Sempre acreditei em castigo divino” (Demasiado Fifty Shades of Gray);
“Um efeito borboleta?” (Faz fap fap);
“Triste notícia… Houve muitos que escaparam!” (fico sem resposta);
“Menos uns quantos fanáticos no mundo” (Será que os Peregrinos de Fátima e Lourdes são fanáticos?);
Estes comentários não são inventados, não são traduzidos, são de Pessoas que moram em Portugal. São pessoas que passam por nós na rua, conhecidos, Amigos de Amigos, ricos, pobres, doutorados, pobres doutorados, funcionários públicos, do privado, taxistas, do PNR, da direita à esquerda, Cristãos, Ateus. Pessoas endrominadas pelos media e opiniões sem fundamento, levadas pela ondulação do diz-que-disse com imagens fabricadas por sabe-se lá quem e quando. É uma desinformação generalizada gotejada de medo e absorvida num consumo rápido sem perder tempo a reflectir sobre o que se vê e o que se debate. E este é o grande perigo da desinformação: pode minar a confiança de qualquer um. É como aquele amigo que nos mente, sabemos que nos mente, dizemos-lhe que sabemos e como sabemos porque nos mente, mas continua a mentir para tentar fazer acreditar na mentira original. Com jeitinho, ainda nos deixa na corda lassa da incerteza.
We think too much and feel too little. More than machinery we need humanity. More than cleverness we need kindness and gentleness. Without these qualities, life will be violent and all will be lost….
Para quem ainda tenha dúvidas: Muçulmanos não são Terroristas, há terroristas que são Muçulmanos. Muçulmanos não são Extremistas, há extremistas que são Muçulmanos. Há extremistas cristãos e que já se sentaram nos sofás da sala oval da Casa Branca. Como há também Homofóbicos nos quatro cantos do Mundo, Aletrorofóbicos, Amaxofóbicos, Antropofóbicos, Aracnofóbicos, Agorafóbicos, Bacteriofóbicos, Coitofóbicos, Cleptofóbicos, Cometofóbicos, Eisoptrofóbicos, Eleuterofóbicos, Epistemofóbicos, Estupofóbicos, Eurofóbicos, Gnosiofóbicos, Ptesiofóbicos, Teofóbicos e Xenofóbicos, que inclui o medo dos Aliens, e é por isso que eles não falam connosco. Imagino como será acolher Aliens:
– We Came in Peace.
– No!
– We bring Knowledge…
– Shoot!
– We have great boobs.
– Oh… Welcome, WELCOME!
Há pessoas que pensam que os Muçulmanos querem transformar os países da Europa. Partilham da ideia que querem entrar na Europa para fazer dos Países Europeus infelizes porque eles também são infelizes, são ciumentos da nossa felicidade. Não tem sentido, é um absurdo, é pateta. Idiota. E pensar que o querem fazer neste nosso pequeno território, também não tem muito sentido se os “nossos” malfeitores já se adiantaram a fazê-lo. E só quando os refugiados são e vão ser acolhidos em Portugal é que se lembram dos pobres a viver na rua? Lembraram-se de repente que houve gente que ficou sem casa? Não sei como é que o não acolhimento de refugiados mudaria essa situação. Quem é que, em primeiro lugar, levou gente a ficar sem tecto? Parece-me que a fúria das pessoas está a ser mal direccionada. Talvez seja intencionada, talvez não. Não sei.
Respiro fundo. A minha intenção era só deixar uma imagem com um parágrafo de texto. Uma imagem de uma criança que, com a sua simplicidade, nos pode ensinar imenso. Sei que esta criança se sentiria feliz por ter uma nova companhia para jogar Minecraft, partilharia histórias do mundo que construiu. Poderia aproveitar convidar um refugiado para a sua casa apenas com o intuito de usá-lo para farmar, mas não vejo esta criança a ter um pensamento double-crossing típico de adultos. É apenas uma criança, onde na sua escola partilha da mesma sala com a menina da Índia, o rapaz do Nepal, do Senegal, do Brasil, da Ucrânia e da menina da Turquia. E não interessa na amizade de uma criança se é Cristã, Testemunha de Jeová, Wicca ou Muçulmana. O que eles querem é partilhar as suas histórias. Porque não fazemos o mesmo?