Fronteiras abertas, moeda única, sol, boa comida, vinho melhor, talentos altamente qualificados, paixão… e uma mentalidade do século passado.

Sejam bem-vindos ao Portugal dos videojogos!

Em vez de antevisões, revisões ou outras coisas acabadas em “-ões” hoje apeteceu-me fazer uma expectoração introspectiva da experiência aquando da minha primeira visita à maior feira de videojogos da Europa, talvez do Mundo, mas isso é aberto a debate. Da Europa é de certeza.

Eu costumo dizer que sou Português por acaso geográfico. Nasci aqui, podia ter nascido noutro local qualquer. E por mais pretensioso que soe, eu nunca me senti, ou sinto “Português”. Sou-o e cumpro os meus deveres de cidadão deste país. Voto, pago impostos, trabalho, não cometo crimes. Mas o sentir, aquela coisa do fado e da saudade, do sentimento de orgulho do que é “nosso”… nunca tive. Eu adoro Portugal, é um país lindíssimo, só tem um problema, está cheio de e é governado (não só no Governo mas no geral) por Tugas!

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O SuperTuga!

E esse é o problema deste país: Tuguice aguda, crónica, talvez a anos de se encontrar uma cura.

No mundo dos videojogos a Tuguice aguda nota-se com alguns sintomas graves como as palas nos olhos e o velhismo de restelo. Outro sintoma, não só neste campo mas em todas as áreas de negócio em Portugal é a alergia intensa a parcerias. Que vem associada a uma deficiência no factor matemático. O Tuga empresário prefere fazer 50% lucro com uma venda, a aliar-se a outro multiplicar as vendas por 4, fazendo lucro de 40% em cada uma e dividindo a meio com o parceiro. Não entende que 40+40 é maior que 50…

Mas vamos ao que me trouxe aqui hoje, e me levou à Gamescom no início de Agosto. Quem nunca foi a uma Gamescom não consegue imaginar o que aquilo é, o tamanho, as multidões. Em 4 dias, 345 mil pessoas de 96 nacionalidades estiveram ali, naquelas arenas.

Em Portugal, a primeira jornada da primeira divisão de futebol teve aproximadamente, 144 mil espectadores nos estádios, o NOS Alive 2015 teve cerca de 156 mil. Eram preciso duas jornadas,  dois NOS Alive, ou juntar os dois para chegar perto do número de pessoas que esteve na Gamescom. Apenas o Rock in Rio Lisboa 2012 se aproximou com cerca de 350 mil visitantes.

Só que em Portugal não se liga à indústria nem ao mercado dos videojogos. É apenas um mercado que só move quase 100 mil milhões de euros anualmente, o que é isso? “Peaners” como diria ao outro. Continuando numa perspectiva futebolística (que é o que verdadeiramente move as fúrias do povo) e para que todos entendam a escala disto: se a transferência de Cristiano Ronaldo para o Real Madrid custou 100 Milhões de Euros à empresa espanhola (aquilo não é um clube, é uma entidade financeira), a indústria de videojogos gera o mesmo que mil CR7s transferidos. Por ano! Não é de 5 em 5, é todos os anos!

Mercado de video jogos mundial (2012-2015 estimativa) em Milhões de Euros

Segmento 2012 2013 2014 2015
Consolas 32,912 38,973 43,450 48,443
Consolas Portáteis 15,625 15,896 13,270 10,911
Jogos Mobile 8,166 11,623 15,088 19,368
Jogos PC 12,705 15,595 17,613 19,009
Total do Mercado de Videojogos 69,407 82,088 89,421 97,730

Fonte: http://www.gartner.com/resId=2606315 (original em dólares e convertido para euros à taxa de 0.88)

Eu corri (literalmente) as arenas da Koelnmesse durante três dias, fui para lá, pagando do meu próprio bolso. (Nenhuma distribuidora ou produtora pagou para que eu ou qualquer dos membros do Rubber Chicken lá estivéssemos). Paguei, porque os videojogos são algo que eu gosto, que fazem parte de mim. E lá, vi coisas que não me agradaram como as repetições infinitas das grandes produtoras e distribuidoras que vão relançando cópias dos mesmos jogos todos os anos com uma camada de tinta nova, ou uma “inovação” qualquer. Mas também vi uma ou duas excepções nestes. E vi coisas que adorei, pequenas pérolas feitas por produtoras indie, muitas vezes geradas por duas a três pessoas no máximo, mas com paixão, com originalidade, e dedicação por aquilo que fazem. Vi estúdios de vários países, aliados sob uma banca, paga pelos governos deles em conjunto, para que pudessem ir mostrar os seus jogos. Vi delegados de Espanha, França, Itália, Coreia, China, Suécia, Holanda, Alemanha (dividida em regiões). Vi empresas grandes e pequenas, das mundiais Ubisoft, EA, e Activision, à Alemã Daedalic, Polaca Jujubee, ou as Inglesas Robo Pixel Games e FatPebble. Vi uma arena do tamanho da FIL só com merchandising, em que as bancas vendiam roupas, bonecos, acessórios e outros artigos como se fossem pães quentes, vi pessoas à espera horas para testar um jogo durante alguns minutos, vi grupos de várias centenas a gritar e aplaudir enquanto olhavam para ecrãs gigantes no qual se disputavam jogos de multiplayer. Vi isto tudo e mais…

Mas sabem o que não vi? Portugueses. Tirando os outros membros do Rubber Chicken e um Lobo Mau, não vi nada Português. Vi brasileiros, ouvi falar a “nossa” língua, mas com sotaque tropical, tanto em empresas com bancas de exposição, como visitantes. Só que não vi mais equipas de reportagem daqui, não vi produtoras daqui (mas essas devem ser como as bruxas, não as vemos mas que as há, há!) não vi distribuidoras, não vi nada alusivo a Portugal. O que é estranho num país onde alguém no estrangeiro que é bisneto de um Português que ganha um prémio ou faz qualquer coisa de relativa importância tem logo direito a notícias de telejornal com o orgulho das “cores da Pátria” serem enaltecidas por um “luso-descendente” que possivelmente nunca meteu os pés em Portugal ou nem sabe duas palavras da língua portuguesa. Mas produtoras portuguesas, representação nacional na maior feira do mundo? Isso nem ver, “são modernices, essas coisas dos jogos de computador e consolas.”

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O HiperTuga

O verdadeiro problema é que em Portugal quem manda e governa tem palas nos olhos e não vê nada à sua frente, quanto mais de lado. As distribuidoras não querem saber que o mercado hoje em dia está a expandir cada vez mais, e que é quase todo digital. Quantas Blockbusters, clubes de vídeo e afins fecharam nos últimos 5 a 10 anos? Julgam que os retalhistas vão continuar a vender jogos? Quem compra jogos numa loja hoje em dia? Eu admito que em alguns casos, até gosto de ter a cópia física, mas encomendo online, é mais barato e trazem-me à porta de casa. Pode ser que alguns retalhistas com lojas físicas e online, aprendam que eu quando encomendo algo de Inglaterra ou França ou às vezes Japão, é porque ou eles não têm disponível, ou porque é mais barato mandar vir desses países, pagando taxas e correios e tudo mais do que andar os 300 metros que separam o meu emprego da vossa loja mais próxima, e o vosso site muitas vezes tem as coisas mais caras que na vossa loja… só que eu nem vou entrar por aí. Figurativa e literalmente.

Quando vão os governantes e catedráticos, empresários e investidores perceberem que Portugal tem uma montanha de talentos altamente qualificados para produção de videojogos e outros produtos informáticos. Que vão para fora, trabalhar naquilo que gostam e sabem fazer. Que em Portugal devido a uma péssima gestão do sistema de ensino há falta de técnicos qualificados para trabalhar em coisas que envolvem trabalho manual como mecânica, canalização, electrotecnia, mas há centenas, senão milhares de artistas, designers, argumentistas programadores, e tudo que adoram a indústria de videojogos. Que davam o literal c* e dois tostões para trabalhar neles e não podem, porque não existem apoios, não existe nada. Que os que o fazem, fazem com dedicação e amor. E a maior parte das vezes com sacrifícios, a par de outros empregos, no turismo e serviços, pois é isso que se cria em Portugal, uma estância de férias e de callcenters baixo custo para os líderes do velho continente novo. Que oportunidades perdidas não voltam, os barcos não vão estar eternamente à espera que se embarque, e os benefícios da Europa, ou vão acabar mal para os periféricos, ou vão simplesmente acabar…

Portugal, um dia, vai-se adaptar ao mundo actual, não tem outra hipótese, os monopólios e a mentalidade tacanha de alguns vão acabar por ceder e chegar ao século XXI. Se é a minha geração que o vai fazer? Duvido. Mas espero que as posteriores à minha, que são jovens adultos agora ou estão às portas da vida adulta o façam, e não seja tarde demais. Um dia, vai ter que haver uma mudança de mentalidade. Tudo muda, é uma constante da natureza. Podemos tentar lutar contra o rio. Podemos fazer uma barragem para o parar ou desviar mas mais cedo ou mais tarde aquela água vai rebentar as comportas e as paredes e seguir o seu rumo.

Não, eu não quero ver Portugal na CEE, mas quero ver Portugal florescer e valorizar aquilo que tem de bom. Que não é só o sol, a praia, a comida e o vinho. São as pessoas e os talentos.