Emigrámos. Menos o Bernardo.
Caros leitores,
São capazes de ter reparado que não publicámos quase nada na semana passada. Andámos ocupados com as mudanças. Emigrámos todos. Menos o Bernardo Lopo.
Não arriscaríamos escrever algo deste género noutro cenário político, a seguir a outras legislativas; estamos confiantes que ninguém se ofende, visto que conhecemos poucos portugueses que se sintam confiantes em relação à coligação Portugal à Frente (quem diz “poucos” diz “nenhuns”), tenham votado ou não neste; a esmagadora maioria dos portugueses que votaram no PaF fizeram-nos porque desgostavam mais das restantes alternativas. Acreditamos que Portugual está a passar por um episódio muito lamentável da sua História e, porque não aguentamos nem assistir de perto à autodestruição do país onde crescemos, nem as limitações financeiras e sociais que isso impõe, decidimos colocar os escritórios do Rubber Chicken à venda, e emigrar (exceto o Bernardo).
É um risco. Não foi uma decisão fácil. Há coisas em Portugal que não existem em mais lado nenhum, e viver num país no qual não se fala a sua língua materna não é fácil para ninguém.
Alguns de nós não vão ver a família tão frequentemente. Não é o caso do Bernardo.
Mas chega de política portuguesa por uns parágrafos, que afinal de contas somos uma revista digital de videojogos. Mudemos brevemente de tema.
Intervalo: Uma Frase Para Meditar
Uma frase para meditar. Parece estranho, esta mudança de tom, não? E mesmo de estrutura. Parece que começámos em 1974 e que agora estamos em 2015. Respirem fundo, relaxem, não tentem racionalizar o que estão a ler, ou buscar justificação. Vamos meter aqui uma frase sobre videojogos, para se aclamarem, para ficarem zen.
Fechem os olhos. Voltem a abrir. Fizeram batota, que eu sei, mas não interessa. Vamos falar de jogos.
A frase para meditar é a seguinte:
“O guião do GTA – San Andreas foi todo escrito só por pessoas brancas”.
Pensem nisso.
Deixo aqui esta música para ajudar-vos a meditar.
Fim do Intervalo
De regresso à política em Portugal, e ao facto de termos todos emigrado, menos o Bernardo.
Encontro-me neste momento na Holanda. Tinha algum dinheiro de parte para uma eventualidade destas, que se tornava cada vez mais certa, e estou solteiro, portanto até foi fácil. Apanhei um avião, e estou a viver em casa do meu tio, que me arranjou um trabalho full-time para uns meses. O futuro é incerto, mas não tão incerto como para os que ficaram.
Como o Bernardo.
A Alexa foi para Inglaterra. Não sabemos nada dela, ninguém consegue contactá-la. Tentámos mandar-lhe mensagem no WhatsApp, e mandou-nos uma foto, sem resposta, que não sabemos se temos autorização para publicar. Achamos que está a viver em Londres, mas não temos a certeza.
O Leonel foi o primeiro a ir. Conseguiu transferência para a sede do seu emprego na Noruega. “Passo os meus dias a cortar madeira e a ouvir black metal”, brincou, no nosso grupo de Facebook.
Mas a brincadeira é uma máscara. A verdade é que o Leonel sofre de depressão. A namorada dele contou-nos que ele está muito em baixo, que nunca o viu assim, que mal saiu de casa nestes últimos dias. Que passa os dias a jogar Lord of The Rings Online, de estores fechados.
Amigo, se estiveres a ler isto, estamos todos contigo. Quase todos. O Bernardo não.
Mandei um email ao Miguel a perguntar-lhe por onde andava. Respondeu-me isto: “Passei a ser o habitante número 52 do Edna Bay”. Assumi que estava a brincar, perguntei de novo, e recebi isto:
“Quando vi que abria uma vaga para a polícia neste local remoto sem redes de telemóvel, nem Internet, a escolha foi óbvia”. O Miguel está no Alasca. “Não conto regressar”. Levou a sua família consigo, vive num pequeno chalet amarelo, e agora é agente da lei.
“Trouxe as consolas mais famosas desde a Atari 2600, assim como PCs de várias gerações, que tinha na cave. Em termos de jogos vieram comigo 4700 desde os anos 70 até à semana passada, assim como emuladores de arcades com os melhores 532 jogos de sempre. Na bagagem trouxe ainda 1312 livros físicos, acompanhados de 756 clássicos gratuitos no Kindle, e ainda outros 3256 livros pirateados duma compilação Mobi gigante que estava num proxy do Pirate Bay. Todas as edições em arquivo digital desse sempre da New Yorker. 965 DVDs originais com filmes + 146 Blu-ray. Ainda 15 discos perfazendo um total de 30 TB com centenas de séries completas desde os anos 40, assim como milhares de filmes com tudo o que é relevante na história do cinema”. O Miguel sofre de Síndrome de Asperger. Acrescenta: “Sim, estou a ficar velho e ultrapassado, mas daqui para a frente estarei acompanhado por tudo o que foi bom. Tenho medo do que se tornará a juventude de um país que se habituou a resignar, e a juventude de um mundo cujo conceito de divertimento são youtubers a gritar”.
O Ricardo também me falou do Youtube. “Dezoito horas depois, três comboios apanhados, e a França pareceu-me um destino melhor do que a opressão Passos-Portas-youtubers”, disse-me por Skype. Chegou ontem a Paris. Percebo perfeitamente o que quis dizer. Contei-lhe que comprei o meu bilhete no próprio dia em que vi os mupis do Fer0m0nas. Ele começou a chorar.
Assim que desliguei a chamada, as lágrimas também me escorreram pela cara abaixo. Aguentei o choro violento do Ricardo, sem me desmanchar, mas porquê? Para quê? Estamos todos mal, não vale a pena esconder, até mesmo o Bernardo. Acho que a maioria de nós, tanto os que foram como os que ficaram, deve ter chorado nos últimos dias. Aqueles mupis estão espalhados de Norte a Sul.
Não sei se perceberam, mas o Bernardo ficou aí.
Intervalo: o Trailer do Far Cry
Enganei-vos, admitam lá. Pensavam que era o trailer do jogo, mas afinal não era. Onde é que o Uwe Boll arranja dinheiro para continuar a fazer estes filmes?
Fim do Intervalo
E chegámos aqui.
Foi isto. Não tinha mais nada planeado. Espero que tenham todos gostado. “Todos” não inclui, obviamente, o Bernardo. Continuará na segunda parte, se houver uma segunda parte. Esperemos que sim.
