Quando era pequeno havia uma cassete que eu ouvia com especial atenção: o single Robot dos Salada de Frutas a subvalorizada banda da Lena D’Água e do Zé da Ponte e que tinha como lado B o genial Armagedon (que sou de há uns quinze anos para cá dei o devido valor). A Lena bem dizia que o “Robot era para o menino e para a menina”, e nesta Caçada Semanal trazemos RPGs clássicos a transpirar aos primórdios do género para todos os gostos, para o menino e para a menina. E sem mais demoras, e ainda com Salada de Frutas a tocar vamos ceder ao classicismo de
The Age of Decadence
Como já devem ter lido numa das duzentas vezes que já o referi em artigos, eu sou uma espécie de RPG Master Race, no sentido em que no meu grupo de amigos de longa data o termo é usado para falar do jogo/actividade social que partilhamos há anos, mas que denominamos Pen & Paper RPG para que os demais camponeses compreendam. E agora desligo o sarcasmo e a petulância e prossigo com o artigo como deve de ser.
Ainda em Early Access, mas apenas porque apenas 75% do jogo está completo, The Age of Decadence não é o nosso RPG de PC habitual e decerto que muitos jogadores sentir-se-ão ligeiramente defraudados a comprá-lo. Mas TAoD é um RPG indicado para jogadores do outro tipo de RPG, e/ou daqueles em que a experiência narrativa é grande razão de jogar um jogo. À semelhança com os RPGs “de mesa” e contrastando com algumas séries conhecidas de videojogos em que os nossos personagens conseguem fazer tudo e conseguem ser exímios em todas as áreas (sim, estou a olhar para ti Elder Scrolls), em TAoD jogamos com um “mero” humano, com todas as vantagens e fragilidades que isso tem.
As ferramentas de criação de personagem relembram-nos a complexidade de criar um personagem como nos “velhos tempos”: o nosso passado importa, e escolher em que habilidades ou traços somos mais fortes é meio caminho para termos relativo sucesso num jogo onde o insucesso espreita a cada esquina. Na primeira vez que joguei tentei criar um personagem mais balanceado para a agilidade, pensando a médio prazo em torná-lo numa espécie de ladrão. Erro fatal: não mudei o meu próprio mindset para o habitual dos RPGs em videojogo. Em The Age of Decadence a interacção com todos os restantes personagens é primordial, e é com e através deles que todo o jogo se desenrola. Não digo com isto que o combate não tenha um papel importante, mas não é, de todo, o sumo do jogo. Longos muros de texto e consequentes árvores de diálogo que dependem das características que escolhemos para o nosso personagem, e que vão pautando a progressão num jogo onde a acção é preterida pelo conhecimento e desenvolvimento extensivo do mundo envolvente.
A ser desenvolvido pelo estúdio The Iron Tower Studio desde o longínquo ano de 2004, e com data de lançamento para o próximo dia 14 de Outubro, The Age of Decadence é obrigatório para amantes de RPGs mais clássicos e que estão fartos da vaga que encheu os escaparates na última década, em que o combate e o grind é o espírito dominante. Quests e masmorras (não no sentido clássico) são alvo de mestria e de habilidade. Se formos demasiado fracos não as conseguiremos fazer e teremos de seguir outro caminho. O da pesca por exemplo (não literalmente). Como na vida real não podemos ser bons em tudo. TAoD obriga-nos a fazer uma série de escolhas num mundo baseado na queda do Império Romano, onde tudo e todos parecem que se uniram para nos tramar. Já dizia o Rui Veloso.
Evoland 2
A criatividade conceptual do primeiro Evoland deixou-me totalmente boquiaberto. A forma humorística como demonstraram a evolução dos RPGs através do desbloqueio de mecânicas e de componentes visuais que o transformaram numa espécie de viagem pela estrada da memória de mais de vinte e cinco anos de jogos do género. Cada mudança em Evoland fez-me rir, e transportou-me automaticamente para o jogo/série/momento histórico que estavam a homenagear. Evoland 2, como esperava, não podia repetir esse gimmick, sob pena de ser apenas uma repetição do primeiro jogo.
E a realidade, é que não foi. Evoland 2 é em muitos pontos distinto do primeiro a começar pelo facto de que mantém um fio condutor, uma espinha dorsal estrutural ao longo de todo o jogo, que reside na sua verosimilhança com The Legend of Zelda – a Link to the Past. O jogo comporta-se de base como o clássico da Nintendo, ao qual vão sendo associadas viagens por outro géneros, que vão desde o jogo de plataformas, o rhytm game até ao RPG táctico. Nem todas as experiências funcionam, mas a longevidade, o risco e a criatividade impressas ao jogo compensam na totalidade estas experiências.
Narrativamente o jogo é uma espécie de Chrono Trigger, onde temos de percorrer várias linhas temporais para recolher pedaços de um item que nos permitirá salvar o universo. E são essas viagens temporais o mote para as experiências/alterações de mecânicas/gráficas que pautam a série e que a distinguem criativamente de outros jogos.
Evoland 2 é uma proposta bastante criativa (e algo humorística na fórmula) que todos os fãs de RPGs deveriam experimentar, e que tem um aumento de longevidade considerável em relação ao primeiro jogo. Há aqui muitas e longas horas de conteúdo por 19,99€.
KeeperRL
O impacto que Peter Molyneux teve no mercado é indiscutível, e o seu Dungeon Keeper é apenas mais um dos casos de jogos que têm servido como inspiração para esta nova vaga (ou torrente) de indie game development que tem chegado, a bem ou a mal, ao mercado de videojogos. KeepeRL de Michael Brzozowski, é possivelmente uma das melhores adaptações da fórmula criada por Molyneux, utilizando-a como base e levando-a para outro campo da experimentação.
Em KeeperRL somos uma estranha e maligna entidade que tem como objectivo construir uma masmorra tão infernal que seja o desaire fatal de qualquer esperançado aventureiro que por lá vagueie. Construir salas, colocar armadilhas, treinar monstros, colocá-los a recolher recursos e a defender a masmorra, são apenas algumas das nossas obrigações enquanto proto-senhor do Mal. Mas a nossa tarefa não se fica por aqui, e a possibilidade de explorarmos o resto do mapa com as nossas criaturas, e invadirmos outras masmorras our fortalezas pelo seu espólio são uma possibilidade. É é aqui que uma das componentes de roguelike entram.
Uma das grandes diferenças deste KeeperRL para outros congéneres é mesmo a dualidade genérica que apresenta: entre um dungeon simulator e um roguelike. É que temos também um segundo modo, mais clássico, num mundo processualmente gerado onde jogamos na pele do “outro lado”: um aventureiro que tenta desbravar e sobreviver num mundo hostil, onde podemos inclusivamente incluir masmorras criadas por nós em outro modo e testarmos simultaneamente as nossas qualidades de dungeon master e de aventureiro.
Apesar de estar ainda em Early Access, KeeperRL é de longe um dos meus jogos favoritos do género, e um obrigatório para quem Dungeon Keeper, Dwarf Fortress ou mesmo Dungeons são obras de referência. Um one-man-game pelas mãos de Michael Brzozowski que nos traz uma das mais criativas experiências no género. Ou nos dois géneros se preferirmos.