Uma reflexão sobre Corpse of Discovery
Numa altura em que os jogos narrativos de exploração têm surgido com maior e menor sucesso, Corpse of Discovery apresenta-se como uma hipótese não muito clara à primeira vista. Utilizando um dos maiores clichés da ficção-científica (solidão numa terra inóspita), onde somos um astronauta perdido num planeta desconhecido, a anos-luz de casa, e onde vamos sendo acompanhados por um globo de IA que nos segue a cada passo. A exploração deste mundo, com tudo o que de mais inédito, a sua fauna e flora alienígenas, e até a atmosfera potencialmente fatal, são apenas o invólucro que cobre um conto inteligente, perspicaz e muito emocionalmente dirigido a uma faixa etária.
A história de Corpse of Discovery é simples: aceitámos uma missão perigosíssima de explorar um planeta da parte de um conglomerado privado, e teremos de colocar na superfície desse planeta uma série de sondas que recolherão informações para a Terra. Finda a missão só teremos de regressar a casa, percorrer a distância que nos separa do planeta azul e da nossa família e usufruir de uma reforma imediata, uma vida de luxo, milionária, como recompensa pelo nosso risco. Mas infelizmente, como é de esperar, o risco é justificado e após alguns problemas de comunicação acabamos por ter a certeza que não voltaremos a casa. A esfera conforta-nos lembrando-nos que apesar da nossa morte iminente, a nossa família viverá até ao fim dos dias uma vida opulenta, e que portanto, tudo compensou.
À medida que caminhamos pelo árido cenário do planeta onde nos encontramos, com a radiação solar em níveis fatais, vamos cruzando-nos com memórias da nossa família, como pequenos universos de bolso que nos deixam revisitá-los, rever a nossa casa, a face dos nossos filhos e mulher, ouvir as suas vozes, ainda que a milhares de Kms de distância. Quem é pai (ou mãe) percebe perfeitamente este dilema, e facilmente, no caso Português, poderíamos extrapolar esta situação de sci-fi para a infeliz realidade de muita gente que se vê obrigada a trabalhar arduamente noutros países, a distâncias dolorosas das suas famílias, apenas na esperança de lhes dar uma vida normal, não olhando nem medindo o risco. Sou uma fortunado, e bem o sei. Todos os dias posso olhar e beijar a minha mulher e o meu filho, e sei bem a dor que sinto por estar mais do que um dia sem os ver. É fácil perceber os sacrifícios que alguém pode fazer pela sua família. Daí ser tão fácil identificarmo-nos com os riscos de vida que os refugiados têm a fugir do flagelo dos seus Países.
Corpse of Discovery vale completamente pelo subtexto, pela camada de história paralela com os quais a minha geração consegue identificar-se. Conseguimos facilmente relacionar-nos com a provação que o protagonista está a passar na esperança de uma recompensda que garanta o futuro desafogado da sua família. Digo que o jogo vale por esta dimensão metafórica porque como jogo de exploração não tenta recriar nem reinventar nada. Mas quer-nos apenas fazer sentir, pensar sobre aquela situação de isolamento e afastamento e levar-nos até lá. E nesse aspecto tem um tremendo sucesso, em troca de nos agitar emocionalmente. À semelhança de Euclidean, acredito que esta imersão emocional possa também ser exponenciada com a utilização de dispositivos de VR, ainda que de base o jogo não o suporte. E aí, encarnar a pele do protagonista seria quase total, e a experiência, ainda mais arrebatadora.