Há umas semanas atrás eu escrevi acerca da evolução dos videojogos ter sido propulsionada pela Nintendo. A minha ideia original era uma série de artigos focando os vários aspectos nos quais a empresa foi essencial para a indústria dos videojogos e de onde saíram particularidades que hoje damos como garantidas (especialmente por parte das gerações mais jovens) mas não lhes é dado o devido valor.
Os jogos de hoje são o resultado de um crescente evolucionário, pequenas alterações, que quando foram criadas estavam muitos passos à frente das outras (algumas até nem foram bem aceites) mas estas alterações conseguiram, mais tarde, ser tão comuns que nem conseguimos pensar nos jogos sem elas. É algo natural na indústria.
No meu outro artigo eu falei das evoluções da Nintendo no que diz respeito ao interface jogador-jogo, focando-me mais nos comandos do que em capacidade de processamento e outros aspectos técnicos. Contudo existiram outros avanços, outros aspectos que associados aos periféricos e não só revolucionaram a espécie videogamus comunus.
Há partes que ainda vou deixar para um terceiro artigo, e talvez para um quarto, mas a questão de hoje é: Vou começar por onde?
Talvez por algo aparentemente básico…
Até a Nintendo agarrar pelos cornos os videojogos em casa, eles funcionavam do mesmo modo os jogos de arcada. Jogávamos até perder (ou ficar sem moedas) e seguíamos para o começo outra vez (quando tínhamos mais moedas). Não existiam saves. Foi a Nintendo que na sua genialidade concebeu a ideia de colocar uma bateria, no cartucho dos jogos, que permitiu isso. E sim… a Atari já tinha andado a florear a ideia e os seus cartuchos guardavam as pontuações, mas foi com o The Legend of Zelda original que um cartucho permitiu pela primeira vez gravar o progresso do jogo.
Hoje em dia nos tempos de Steam e Clouds pode nem parecer concebível, até porque alguns computadores e os seus jogos nos anos 80 permitiam gravação de progresso, mas numa consola?
Nop! Não! Nein! Ni! Non! C’est pas possible!
Esta mudança permitiu algo mais crucial do que o jogo poder ser gravado, isso é secundário, o importante é que precisamente porque podíamos gravar o jogo ele podia ser maior, mais extenso, e The Legend of Zelda é o melhor exemplo disso. A extensão do mapa superior do jogo, e as masmorras eram algo que nunca poderia ter sido concebido antes. Metroid e o seu clone Kid Icarus são outros dois exemplos do que foi permitido com esse feito. E se não quisermos sair dos campos de Hyrule, e pensarmos bem, chegamos à conclusão que todos os Adventure RPG modernos ainda vêm beber algo a este jogo.
Passamos então para o maior marco da história da NES e talvez dos videojogos. Super Mario Bros. o jogo que criou o conceito de plataformas moderno, que ainda hoje é utilizado. Até à sua criação e inclusive no seu aparecimento original como Jumpman, os jogos de plataformas eram jogados no ecrã, toda a extensão do jogo estava automaticamente visível. Apesar de não ter sido o primeiro jogo dentro deste estilo a ser criado, foi ele que marcou o formato e conceito até hoje. Seja quem for que alguma vez pensou num jogo de plataformas tem uma imagem que salta logo para a sua mente, e essa imagem é a daquele pequeno boneco vestido de vermelho e azul, com o seu bigode e boné a saltar para cima de uns bichos castanhos e tartarugas e dar socos em caixas.
Como eu quero falar de outros jogos cronologicamente, incluindo mais um com o grande canalizador, apenas vou referir que por exemplo, o conceito de overworld num jogo de plataformas foi outro dos legados da Nintendo, desta vez em Super Mario Bros. 3. Eu podia estar aqui, horas a escrever acerca do Mario apenas, mas não iria fazer melhor que o Ricardo já fez, portanto se estão curiosos podem dar aqui um salto.
Alguns anos mais tarde a Big N lançou a Super Nintendo, e mais uma vez deu passos gigantescos em relação ao gatinhar dos outros. O facto da Super Nintendo ser mais potente e o seu comando ter mais botões permitiu que os jogos fossem controlados de uma maneira diferente. Mais cores, mais velocidade e acima de tudo um interface mais responsivo, criou três das maiores jóias desta época. F-Zero, Super Mario Kart e Star Fox. Nesta altura também foi criado A Link to the Past, possivelmente o melhor Zelda de todos os tempos a par de outro que irei discutir mais à frente, contudo em termos de inovação técnica estes três batem-no aos pontos.
Tanto F-Zero como Super Mario Kart fizeram-se valer da capacidade da Super Nintendo e do seu motor gráfico intitulado Mode 7. Este modelo é basicamente criado num sistema em que o sprite do jogador está estacionário num ponto do ecrã e o jogador controla o cenário à sua volta. (Se gostam desta parte mais técnica dos videojogos deviam investigar o Mode 7 e particularmente a ilusão criada pelo nosso personagem estar a mover-se para a esquerda quando realmente estamos a mover todo o cenário para a direita.)
Isto foi absolutamente impressionante, e é uma técnica que deixou que jogos como os já mencionados F-Zero e Super Mario Kart fossem criados mas também outros títulos pouco conhecidos como Super Castlevania IV, Secret of Mana, Pilotwings, Super Star Wars ou Chrono Trigger…
Ainda para a Super Nintendo foi criado o Super FX, o primeiro chip acelerador 3D disponível num produto ao consumidor. Com este acessório a Nintendo pode criar o Star Fox original. E mais uma vez abriu o poço e nascente onde mais tarde outros títulos vieram beber a sua inspiração. Devido aos seus custos de produção não existiam muitos jogos que utilizassem este chip. Mas sem ele nunca teríamos tido Yoshi’s Island! Ou todos os jogos de naves 3D que foram inspirados por este…
Já que mencionei Chrono Trigger vamos saltar 3 anos para a frente para o ano de 1996 e seguintes, onde a Nintendo rebentou a escala da inovação com a saudosa N64.
Mario, Link, Star Fox, James Bond. Estes 4 personagens acabam por estar no centro de 4 inovações dos videojogos e nunca mais vão ser esquecidos por isso mesmo, mesmo que não se saiba, é por eles que podemos ter isso hoje.
Mais uma vez, são coisas que os jogadores mais jovens dão como garantidas, acham que os jogos sempre tiveram isso, assim como aqueles miúdos de cidade para quem a carne vem do talho e o leite do supermercado, nunca conheceram outra realidade, e por isso acham estranho pensar numa altura em que as coisas eram mais limitadas.
Mas como diria o falecido historiador:
“Foi aqui meus amigos, mesmo aqui, neste preciso momento que um verdadeiro cataclismo de proporções bíblicas aconteceu. Uma força da natureza vinda da terra do sol nascente que veio mudar para sempre a face dos videojogos.”
Aquele comando, criticado por muitos pelo seu design invulgar, que vinha com a N64 foi também o primeiro comando analógico a ser comercializado. Até aí tínhamos cursores de 4 a 8 direcções, mas não existia nada com precisão e possibilidades daquele. Na minha opinião continua a não existir, mas isso também é o meu sentimento nostálgico a falar.
Super Mario 64 era um sonho para qualquer jogador, mesmo que não gostassem de jogos do Mario ou de plataformas. Era algo que parecia estranho e ao mesmo tempo intuitivo, a maneira como o personagem se movimentava a velocidades diferentes dependendo da inclinação, a fluidez na mudança de direcção, a integração destes movimentos no mundo 3D era superior e anos-luz à frente dos seu pares. Se é que se podem chamar pares… mas adiante. Olhemos, por exemplo para o Tomb Raider original do mesmo ano. Lara Croft movia-se com a graça de um VW Carocha sem rodas. Rodava em movimentos bruscos de 90 graus (com sorte de 45). Comparando-a a Mario, este movia-se com a mestria de um Mikhail Baryshnikov.
Depois, e entre várias outras obras máximas de jogabilidade, apareceu Star Fox 64, ou como foi chamado na Europa Lylat Wars. Não só a sua qualidade gráfica era suprema, a sua jogabilidade e capacidade de movimentação da nave eram de uma precisão milimétrica. Mas, talvez o mais importante deste jogo era que na sua enorme caixa (em comparação com as outras) vinha um acessório chamado Rumble Pack. Este acessório permitia ao comando vibrar tendo em conta certos acontecimentos de jogo. Mais uma vez, algo que nunca tinha sido feito e que hoje é tão comum que qualquer comando de €10 de uma marca branca tem essa particularidade incorporada. E como é algo tão comum, não lhe damos valor. Aquela pequena vibração que sentimos nas mãos e dá aquele toque mais “realista” ao nosso jogo, não existiria se não fosse esta pequena caixa.
Eu não sei quantas vezes eu joguei GoldenEye na minha N64, mas se contabilizar todos os minutos que lá passei dava no mínimo uma semana non-stop. GoldenEye foi revolucionário mais uma vez devido aos avanços do comando, que permitiram alterações ao modelo clássico FPS. Podem não parecer como importantes porque são comuns hoje mas até este jogo sair, não existia a possibilidade de mover a arma isolada da câmara nem sequer o zoom na sniper rifle! A sério, o zoom progressivo numa sniper rifle FPS foi criado para aqui, é quase risível pensar nisso, mas é mesmo assim, os CoD e respectivos pares não teriam a jogabilidade que têm sem 007! E jogos multiplayer em parte também não. Só que isso fica para outro artigo.
https://youtu.be/Bj1z7F5BkyM
Para finalizar o tsunami N64, deixei o que para mim é o melhor jogo de todos os tempos: o absolutamente fantástico Ocarina of Time. Entre ser um jogo estupidamente impressionante na escala, argumento e imagem e ser totalmente marcante na história dos jogos TLoZ e nos videojogos em geral, há duas inovações fantásticas aqui que passaram para praticamente todos os jogos que saíram depois dele. O Z-Targeting e o context-sensitive button. Vocês estão a ver quando usam um botão para por exemplo saltar durante quase todo o jogo, mas quando estão em frente a uma porta, ou um objecto aparece um pequeno icon que vos diz que o botão faz outra acção? Algo que vemos 481 vezes por dia num jogo comum? Vem daqui. Estão a ver aqueles jogos de acção em que podemos fazer um lock de mira no nosso adversário e rodar usando-o como pivot dos nossos movimentos? Aquilo que podemos fazer em… ah… todos os jogos? Também vem daqui. E o próprio 3D, que nas palavras de Dan Houser, o vice presidente da Rockstar Games em 2012 “Qualquer pessoa que faça jogos 3D e diga que não foi buscar algo a Super Mario 64 ou Ocarina of Time está a mentir.”
Este jogo merece um artigo só sobre ele, de tão marcante que foi na indústria.
A última inovação de que vou falar hoje é trazida pelo Wii Sports.
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Só estou a dar-vos tempo para expelirem a vossa raiva…
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Já está?
Eu sei que muitos vão dizer que a Wii, e especialmente o Wii Sports, não é para jogadores a sério e outras coisas que eu nem me vou dar ao trabalho de discutir porque não considero o argumento de casual gamer vs hardcore gamer digno de eu estar aqui a gastar mais palavras e tempo que é o meu bem mais precioso.
A Wii e o seu Sports foram das mais vanguardistas momentos da Big N. Não só porque o que foi considerado inicialmente um gimmick (mas depois foi copiado por todos os concorrentes) permitiu criar jogos com um interface completamente diferentes que permitiram que chegassem a todas as gerações, para além dos 8 aos 88, e até ser usada como uma ferramenta terapêutica. O uso de movimentos torna os jogos intuitivos e muitas vezes mais divertidos. Essa tecnologia ainda está em desenvolvimento e é aproveitada em tudo desde os nossos smartphones até aparelhos VR.
Portanto, isto foi mais uma antologia de inovações Nintendistas, o resto fica para outras núpcias!
Até à próxima!