Há uns dias atrás, publicámos um texto (“definir ‘um jogo’ é um jogo”) que resultou de uma espécie de epifania. Estava num café a pensar numa conversa que tinha tido nesse mesmo dia. A frase “um tabuleiro de xadrez não é xadrez” ecoava na minha mente. Resumia de forma quase perfeita um conceito que nunca consegui verbalizar perfeitamente. Andei a ler Wittgenstein nessa semana, e talvez por influência estilística, lembrei-me de uma formulação simples. Tirei um caderno e uma caneta da minha mala e comecei a escrever.

O resultado não é perfeito. Nunca será, mas gostava que estivesse mais próximo da perfeição, ou pelo da quase-perfeição de “um tabuleiro de xadrez não é xadrez”. Sinto que parte do sentido do que escrevi pode ter-se perdido pela abrangência dos termos que usei.

Um conhecido meu, ao ler o seguinte:

um jogo tem regras.

é impossível jogar a menos que o jogador aceite as regras.

respondeu-me: “mas Dear Esther não tem regras”.

Se eu estava à procura de uma nova definição de “jogo” que incluísse tudo o que é remotamente rotulado como tal, não podia excluir Dear Esther, e teria, assim, falhado. Não compreendeu o que quis comunicar. Para rectificar esse problema quero, por exemplo, aprofundar o seguinte:

Super Mario é um ambiente virtual. é um objecto de jogo.
Super Mario não é um jogo. jogar Super Mario é um jogo.

Porque é que Super Mario não é, segundo esta definição, um jogo?

Peguemos no exemplo de SOMA, que foi recentemente lançado e que tem dividido bastante o público e a imprensa. Segundo esta definição, SOMA, o programa, o código informático, o ambiente virtual, não é um jogo. Jogar SOMA é um jogo, ou um conjunto de jogos. O que é que isso significa?

Video A:

Video B:

Quero destacar os seguintes momentos:

Video A: 5’10”, Video B: 0’30”.

Video A: 3’10”, Video B: 5’22”.

Video A: 8’00”, Video B: 2’40”.

Estes dois vídeos mostram pessoas a jogar o mesmo jogo de duas formas diferentes? Ou mostram pessoas a jogar dois jogos diferentes, no mesmo espaço virtual (ambiente)?

Segundo esta definição, a primeira hipótese não faz sentido.

No vídeo A, os jogador identifica obstáculos para ultrapassar; o jogo é lutar contra o ambiente: tenta ou controlá-lo, ou não ser controlados pelo mesmo; quanto mais difícil essa luta parecer ao jogador, mais valor tem a vitória.

No vídeo B, o jogador tenta entrar na pele da personagem que controla; tenta explorar a sua mente, sentir os dilemas e os medos que sentiria naquela situação; o jogo é interpretar a personagem (ambiente), e deixar-se guiar por esta interpretação pessoal; quanto mais real a personagem parecer ao jogador, mais valor tem.

As regras são diferentes. Não se trata de um jogo, mas de dois.