Pouso o comando às 2h da manhã. Tenho as palmas suadas. Olho para as minhas estatísticas que indicam 99% de completion rate em quase 63 horas de jogo. Loucura e défice de atenção são combinações terríveis. Não estou disposto a terminar o 1% que me resta – que se resume a encontrar alguns restos de sucata e o bandido esporádico aqui e ali. Para mim já chega.

Há uns meses atrás já havia falado na experiência que tinha sido jogar este jogo na Gamescom 2015 e do quão impressionado tinha ficado com o setting, a condução e o combate. Após jogar o jogo completo a minha opinião não mudou nesses pontos. O setting é excelente e transmite bem a sensação de estarmos no mundo pós-apocalíptico de Mad Max, onde não há nada mais à nossa volta a não ser deserto, destruição e desespero. A condução e o combate, as duas coisas que passamos mais tempo a fazer neste jogo, estão bem afinadas e são bastante divertidas. Mas será que podemos falar igualmente do resto?

No início do jogo, o carro e as posses de Max são roubados por um grupo de bandidos liderados por Scabrous Scrotus (um homem enorme que tem um dos nomes mais espectaculares de sempre – sim, o nome do vilão desta história é mesmo Escroto Escabroso, e vou passar a usá-lo em português). Max não se deixa roubar sem dar luta e perfura o crânio de Escroto com uma motosserra. Contudo, o que seria uma ferida letal para um ser humano normal, teve apenas o efeito de uma comichão incómoda no Escroto e este, surpreendentemente, sobrevive e foge para a sua fortaleza em Gastown. O resto do jogo consiste em levarmos Max numa viagem pelo deserto e pela sua mente, para tentar reaver aquilo que lhe foi roubado de volta. Pelo caminho ele envolve-se com o corcunda Chumbucket – um mecânico genial e obsessivo ao ponto da idolatração religiosa, referindo-se ao seu carro como o seu “anjo” e a Max como o seu “santo” – e que o vai acompanhar quase sempre, o cão de Escroto, um vagabundo vadio que tem a mania que é psiquiatra, uma mãe solteira e a sua pequena filha, e uma série de outros gangues ou facções que oferecem favores de volta a Max se ele os ajudar a erradicar ameaças (leia-se “competição”) nas suas regiões – efectivamente descer o número de ameaças numa região particular “destranca” novos upgrades para o carro.

Quando começamos o jogo Max está mal equipado e sem um carro – carro esse que depressa lhe é providenciado por Chumbucket. Para se conseguir fortalecer e chegar até Gastown para obter a sua vingança, Max não só precisa de sucata para melhorar o seu equipamento e o seu carro, como precisa de tratamento psiquiátrico para todas as suas cicatrizes mentais para a sua família e todas as pessoas que morreram por sua causa e que ele falhou em proteger. Para tal existe um vagabundo chamado Griffa, que vagueia pelo deserto de mochila às costas e oferece terapia a troco de Griffa tokens (cada vez que Max sobe o seu Legend Rank – cumprindo objectivos, superando adversidades e destrancando “achievements” – ele recebe um Griffa token) e permitem a Max melhorar alguns atributos, como aumentar o tamanho da barra de vida, aumentar a quantidade de sucata que Max apanha ou dar mais dano com armas em corpo-a-corpo. Em cada “sessão” Griffa cinge-se a falar de forma críptica e abstrata sobre o passado de Max e a soprar-lhe pó de giz na cara (todos podemos adivinhar o que será, mas chamemos-lhe “pó de giz”). Griffa é claramente um personagem que não existe a não ser na mente de Max. Quase dei em doido a procurar descobrir se Griffa era um anagrama de algo mais profundo, mas não dei com nada a não ser as palavras Fag Fir ou Far Fig – não perguntem, eu precisei de fazer isto.

Tendo em consideração que isto é, afinal, um jogo de Mad Max, vamos passar a maior parte do tempo a conduzir. Conseguimos ver que a Avalanche Studios foi buscar alguma inspiração a Rage, outro jogo pós-apocalíptico com forte ênfase na condução e cujos developers confessaram ter ido buscar a sua inspiração aos filmes de George Miller (tornando isto num movimento cíclico de inspiração). A condução em Mad Max não procura ser realista, mas sim divertida e o mais over the top possível. O nosso carro está equipado com algumas ferramentas úteis, como nitro boosts ou um arpão multiuso que pode ser disparado por Chumbucket para agarrar e arrancar um pouco de tudo, desde portas, rodas, pedaços de metal ou pessoas. Não há quase nada que não consigamos fazer com o carro e o jogo tenta explorar isso através de algumas missões que nos dá – a minha preferida é uma em que entramos num antigo metro para retirar de lá uma carruagem e a única forma que temos de fazer isso é encostar-lhe o carro e empurrá-la pelos carris até ao fim da linha, sem deixar de ter uns precalços pelo caminho. Se o carro alguma fez ficar demasiado danificado para funcionar, temos de sair do carro antes que ele exploda (muito ao estilo de GTA), mas ele nunca chega realmente a ir literalmente para a sucata. Quando saimos do carro, Chumbucket assume a responsabilidade de o reparar no momento e consegue fazê-lo numa questão de segundos sem gastar qualquer tipo de peças ou ferramentas (já tinha mencionado que o jogo não procura ser realista, certo?).

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Quando saimos do carro ou estamos a pé é preciso combater corpo-a-corpo ou de caçadeira em punho, mas como as balas são pouco comuns e não crescem nas árvores (principalmente porque não as há), somos quase sempre forçados a usar os punhos, pés, cabeça, dentes e tudo o resto que conseguirmos apanhar para combater. O combate em Mad Max funciona através de um sistema de combos e counters, de forma muito semelhante ao combate de jogos como Batman: Arkham Asylum – mas enquanto o combate de Batman consiste numa “dança” fluída entre os seus oponentes e que se preocupa em derrotar e não matar, o combate de Max é bruto e cru, com o objectivo único de destruir os adversários que tem à sua frente o mais depressa possível com tudo o que tem e sem consideração pela vida humana. Max é tratado da mesma maneira pelos oponentes, por isso não pode mostrar misericórdia. Mesmo quando está a pé e os adversários de carro, são poucos os que oferecem a “cordialidade” de parar e sair do seu veículo para andar à porrada – a maioria tenta atropelá-lo. Se tal acontecer e ele não se conseguir desviar, podem contar com Max a perder uma boa porção da sua barra de vida. Para a recuperar, Max precisa de comer ou beber água. Ele tem consigo um cantil que deve ir sempre enchendo quando encontra água – beber enquanto se está em combate pode é revelar-se como algo bastante difícil de conseguir.

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O mapa de jogo é vasto. Há muito por onde conduzir e explorar, se bem que grande parte da geografia do jogo seja bastante semelhante considerando que só existe deserto e desolação à nossa volta. Parte do mapa era oceano, o que justifica a falta de edifícios e a presença de várias carcaças de barcos. Existem alguns edifícios, mas todos estão praticamente todos povoados por membros do gangue do Escroto. Estes edifícios podem ser “recuperados” dos seus ocupantes e ocupados pelos membros de uma facção que estejamos a apoiar – uma boa parte do jogo consiste mesmo em libertar estes edifícios dos seus ocupantes a favor de uma facção que esteja do nosso lado e em troca recebemos um tributo periódico de sucata, que é o recurso que mais vamos precisar ao longo do jogo. A atmosfera do deserto em si é irregular e imprevisível, podendo a qualquer momento surgir um pequeno remoinho que pode levantar-nos e a outros no ar ou começar uma tempestade de uma intensidade brutal que nos obriga a procurar abrigo, porque estar simplesmente ao relento durante uma dessas tempestades é-nos prejudicial para a saúde e arriscamo-nos a levar com um relâmpago ou um detrito voador (imaginem tempestades ao nível da que acontece em Mad Max: Fury Road). Ao longo do mapa encontramos também alguns postos onde grupos competem em corridas para o entretenimento e apostas dos seus espectadores – corridas que podem ir do simples “chegar em primeiro de ponto A a ponto B” até ao “metemos uma bomba no teu carro e se não chegares de ponto A a ponto B em 3 minutos KABOOM!”. Nestas corridas vale tudo, até abateres o condutor adversário à caçadeira ou empurrá-lo de uma ribanceira abaixo, tudo serve como entretenimento. Tal como podemos ser a qualquer momento atacados por um grupo de bandidos quando estamos a passear no meio do deserto, também podemos inclusivamente ser atacados durante uma corrida (não existe segurança e a estrada não é fechada só para nós).

 

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O jogo dá-nos também um mini mapa que nos ajuda a chegar a objectivos e indica pontos de interesse por perto – o que (não) é próprio para quem tem défice de atenção. Para chegarmos até aquele ponto que nos permite avançar a história temos dezenas de pontos pelo caminho que nos querem distrair desse objectivo, levando a pessoas que têm défice de atenção (como eu) a fazer a viagem em ziguezague, ou em espiral, ou em qualquer outra forma que não em linha recta até ao próximo objectivo que permite a história avançar. E ainda bem que essas distracções existem, porque infelizmente o ponto fraco do jogo reside na sua história – particularmente na narrativa e na forma como é contada. O problema não está nos personagens: Max Rockatansky continua a ser o anti-herói filho da mãe que nós conhecemos e que não faz favores a ninguém sem exigir algo em troca; o Chumbucket é um personagem caricato e divertido de se ter por perto, sempre com algo para comentar sobre a situação; o Griffa é interessante como uma manifestação da psique de Max; e alguns lideres de facções como Gutgash são fascinantes pela forma como encontram esperança no meio do caos. Para dizer isto da forma mais inócua que consigo e sem dar “spoilers” a ninguém, parece que completaram a história a correr e que quiseram puxar pelo nosso lado emotivo sem nos dar tempo de estabelecer uma ligação afectiva com certas personagens, resultando num final que não é só anti-climático, como também é decepcionante. Ainda assim, continua a ser melhor que a história de Além da Cúpula do Trovão (desculpa, Tina). Depois de terminarmos o jogo ainda destrancamos um modo de Free Roaming, em que podemos adquirir upgrades extra e explorar o deserto à vontade para fazer aquilo que não tínhamos conseguido fazer até então. O louco com défice de atenção dentro de nós agradece.

O Max: A condução e o combate são bastante divertidos e dão vontade de jogar por si sós, o setting no mundo de Mad Max está bem conseguido, demasiadas distracções

O Mad: A história é incongruente na sua narrativa (algumas coisas não são bem explicadas) e parece apressada da parte final, algumas partes do roaming tornam-se repetitivas, demasiadas distracções

A história fraca não anula o facto de que Mad Max é um jogo extremamente divertido para quem gosta de conduzir e combater por prazer, assente num universo já bem estabelecido. As constantes distracções a que somos sujeitos quando percorremos o mapa podem ser boas ou más, dependendo da perspectiva do jogador que está a interagir com elas – no meu caso, sentia-me sempre compelido a explorar mais, mas algumas coisas como apanhar sucata a dada altura começavam a tornar-se repetitivas e mais aborrecidas do que divertidas. Recomendaria este jogo a qualquer fã da série Mad Max sem dúvida. Para outros recomendá-lo-ia se não tiverem problemas em jogar um jogo com uma história menos interessante e que tenham a sua vacinação contra o tétano em dia.

Mad Max está disponível para PC, PS4 e Xbox One.