Foram mais de onze anos. Onze longos anos que me separaram da sequela de um dos meus jogos favoritos de sempre, e cuja campanha rejoguei quase anualmente, como uma celebração de um ponto da indústria, ou um feriado civil só meu, e que só a mim pertencia.

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No final de Julho de 2010 – demasiados anos depois da minha espera –  lá é lançado StarCraft 2: Wings of Liberty, a sequela que eu tanto esperei. Joguei-a com sofreguidão logo em 0-day e tive uma tremenda desilusão. Uma desilusão sustentada pela percepção de que o mercado tinha mudado muito desde o lançamento de StarCraft doze anos antes. O enredo extremamente cuidado e perfeitamente interligado com as diversas missões de cada uma das raças, o desafio que a campanha demonstrava e o foco no modo single player eram coisas do passado.

Entre os anos que separaram os dois jogos, a série tinha ascendido ao patamar de um dos e-sports mais lucrativos de sempre. E tudo isso traduziu-se, da pior forma, em Wings of Liberty. A campanha era um tutorial glorificado, pouco desafiante, que servia meramente para explicar as unidades disponíveis para que colocássemos em prática em multiplayer. E com isso a Blizzard estava a desrespeitar tremendamente os jogadores de outra geração, aqueles que há mais de vinte e cinco anos (como eu) acompanham e apoiam o género da estratégia em tempo real. E pareceu-me até um passo de pouca dignidade e qualidade do estúdio: dedicarem o jogo a uma presença multiplayer não invalida poderem criar uma campanha single player de qualidade que agrade a jogadores cujo interesse na série é esse. Infelizmente, não foi esse o caso, e eu, enquanto apaixonado pela vertente single player e o enredo da série, senti-me traído, e olhei com tristeza para a mais de uma década que esperei para o jogar.

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A segunda desilusão prende-se então com outra decisão do estúdio: a de lançar em estilo episódico, deixando cada lançamento com a campanha de apenas uma raça. Esta decisão foi a que me deixou mais irritado, especialmente porque os Protoss (a minha raça favorita) não eram os primeiros a serem publicados. Achei a separação em três expansões/stand-alones um verdadeiro d*** move da Blizzard, mas depois lembrei-me que outra coisa que mudou desde o lançamento do primeiro jogo é o facto da empresa ter sido adquirida pela Activision, essa célebre companhia-gigante que facilmente venderia a sua mãe em pequenos e múltiplos DLCs pagos se uma empresa tivesse uma mãe para vender.

Saltamos cinco anos até ao encerramento da saga de StarCraft 2, com o lançamento há poucos dias de Legacy of the Void, o capítulo dedicado aos Protoss. Neste capítulo vemos a tentativa de Artanis de recuperar o seu planeta-natal unificando as diversas facções Protoss perante um inimigo comum. Sem entrar em grandes spoilers, parece-me que a campanha deste Legacy of the Void está a meio caminho entre o jogo original e Wings of Liberty. A qualidade da escrita e da ligação entre narrativa e missões não está tão aprimorada como no primeiro StarCraft, mas também não está no ponto quase preguiçoso de mero tutorial em formato de história como no jogo dedicado aos Terran.

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Há uma complexificação da gestão que fazemos das nossas unidades que está muito bem conseguida e interligada com a história. Na nossa nave-mãe, a Lança de Adun, podemos escolher unidades distintas das facções de Protoss que fomos juntando à nossa batalha. Por exemplo, ao invés dos habituais Dragoons, as unidades básicas de longo-alcance dos Protoss, podemos optar por escolher ter à nossa disposição Stalkers, a unidade equivalente dos Dark Templars mas que tem características ligeiramente diferentes. E podemos fazer esta escolha para cada unidade à nossa disposição tornando o jogo extremamente dinâmico nas decisões das unidades que temos e aumentando de forma gigantesca o número de unidades diferentes à nossa disposição.

A nave-arca Lança de Adun permite-nos também ir investindo pontos (Solarite) numa série de habilidades activas e passivas que podem mudar a forma como abordamos a nossa estratégia. Entre passivas que aumentam a velocidade de ataque e movimento das nossas unidades e outras que permitem a captação passiva de gás Vespene, passando por activas mais ligadas com a ofensiva, em que invocamos super-armas (ao estilo Command and Conquer) ou Pylons com teleporte imediato de unidades, há uma série de decisões prévias que podemos tomar que tornam este Legacy of the Void uma das melhores e mais complexas abordagens à série.

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Para além da vertente multiplayer (a que tenho de me render por ser o grande peso deste jogo), temos a inclusão de um Archon Mode, um modo cooperativo em que dois jogadores partilham a mesma base, unidades e recursos e jogam a quatro mãos a mesma facção.

O melhor: a complexidade, a diversidade de escolhas, a qualidade visual e sonora habituais, modo cooperativo é uma boa adição à série.

O pior: ainda que tenha melhorado, o enredo e a campanha estão a anos-luz do jogo original.

StarCraft é possivelmente um dos grandes marcos dos RTS, e um dos últimos exemplos de um tempo em que o género reinava no mercado dos videojogos. StarCraft 2: Legacy of the Void é um brilhante capítulo que encerra em alta uma saga muito aguardada, que apesar de ter começado com um pé esquerdo, conseguiu redimir-se com este lançamento. Legacy of the Void não é só um excelente RTS para fãs do género, mas também um bom exemplo de uma boa porta-de-entrada a novos jogadores. Lamento, porém, que o single player comece a ficar muito esquecido para a empresa perante o apelo do multiplayer. Especialmente porque acredito que é possível para uma empresa como a Blizzard fazer algo de qualidade nas duas frentes. E espero, sinceramente, que não seja esperar mais uma década para mais uma sequela da série.

StarCraft 2: Legacy of the Void é um exclusivo PC.