Uma análise abaunilhada a Mario & Luigi: Paper Jam Bros.

Era 1994, e a FIMA e a Jerónimo Martins presenteavam-nos com o belo gelado Super Mario da Olá. Não me lembro do sabor, mas pelas fotos diria que devia ser uma mistura de morango artificial e nata do Epá. Viramos rapidamente para 2015 e a Nintendo dá-nos um Mario RPG com sabor a baunilha. Não perceberam a piada? Já vão perceber.

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Sou um fã inveterado dos RPGs do Mario, desde que joguei no final da década de 1990 ao genial Super Mario RPG. E digo genial porque havia algo à partida impossível – conceptualmente falando – de mesclar o ambiente dos JRPGs com Super Mario, o conhecido protagonista de jogos de plataforma da Nintendo. Mas a Square abriu magistralmente este precedente, demonstrando que não só é possível como é criativamente recompensador o exercício de game design que tiveram com Super Mario RPG.

Alguns anos depois o estúdio afecto à Grande-N Inteligent Systems desenvolveu uma espécie de sequela ao magistral jogo da Square iniciando uma série com muitos momentos altos e alguns baixos, do qual a última iteração é de longe o seu momento mais fundo, e do qual falámos aqui. Seguiu-se a vez do estúdio AlphaDream de fazerem por sua vez uma série ainda mais sólida com dois dos ex-libris da Nintendo, Mario e Luigi, criando aí sim a sub-franquia de RPG de maior qualidade com o canalizador. Que teve o seu momento mais baixo, justamente, neste jogo do qual falamos agora. E por momento mais baixo não queremos indiciar que o jogo seja mau. É apenas menos excelente do que todos os que lhe precederam.

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Matando já a vaca fria na sala, ou aliás, o Goomba nervoso, este Mario & Luigi: Paper Jam Bros. tem o enredo mais fraco de ambas as séries de RPG do Mario que se unem neste crossover. Se no anterior Paper Mario a história já dava alguns solavancos, ao mesmo que tempo que era lançado o excelente Dream Team com uma história complexa e bem-escrita, parece-me que a união das duas causou alguma contaminação à regular qualidade de escrita da série Mario & Luigi. A história e os personagens são hiper-bidimensionais (e não apenas por metade deles realmente o serem, por terem a sua proveniência no mundo de Paper Mario). A narração começa com mais um desastre de Luigi que derruba o livro do Mundo de Paper Mario de onde saem todos os seus personagens, o próprio Paper Mario, Peach e Bowser incluídos obviamente. Daí a termos dois Bowsers a raptarem duas Princesas Peach é um ápice. E já está. Temos o enredo, misturando dois litros de água e alguma celulose q.b., e também um objectivo simplista: salvar as Princesas. O enredo é tão simples (na pior acepção da palavra) que notamos o quão vanilla na sua motivação ficou uma série que vivia da união perfeita entre um bom JRPG, um bom enredo e boas mecânicas. (Perceberam agora a piada da baunilha no título?)

Se ultrapassarmos a total inexistência de uma história a acompanhar, M&L:PJB. é um jogo extremamente divertido e com óptimas experimentações ao nível das muitas mecânicas de plataformas, puzzles e combate que dispõe. Os mais veteranos da série de Mario & Luigi instantaneamente vão reconhecer as mecânicas de combate, seja de ataque e contra-ataque. Como é hábito na série, todas os ataques – seja com o salto ou o martelo – assim como todas as habilidades são feitas ao bom estilo dos jogos de plataformas (e de alguns JRPGs dos anos 1990), e o timing é tudo: carregar no botão no momento certo dá um bónus de dano aos adversários.

Como RPG este M&L:PJB. vive ainda mais dos diversos mini-jogos do que qualquer outro jogo anterior. E não me refiro apenas a perceber os padrões e os ataques de cada inimigo, de um anónimo Shyguy até ao mais temido Boss (O Bowser é claro). À falta de história para servir de espinha dorsal, os game designers decidiram encher as mais de vinte horas de jogabilidade com dezenas de minijogos, que revolvem quase todos em torno de encontrar e salvar centenas de Toads de papel que se espalharam pelo Reino Cogumelo. De uma certa forma a grande diversidade de mini-jogos (e a qualidade e experimentação de muitos deles) quase (e dou um grande foco ao quase) que compensam a narrativa insípida que acompanha este crossover entre as série de Mario & Luigi e a de Paper Mario.

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Ao nível de combate houve algumas inovações curiosas, sendo que a mais óbvia em comparação ao anterior Dream Team é a inclusão de um terceiro membro da party: Paper Mario. O silencioso e bidimensional personagem tem a capacidade de se multiplicar (utilizando os seus múltiplos em cada ataque) e a de permitir ataques especial Trio (com toda a party), que quase sempre envolvem transformar os inimigos em papel e atacá-los de diversas formas. Isso e uma mecânica de cartas com power-ups e ataques (e algumas que utilizam os amiibo) que ajudam a dar outro flavour ao combate e são uma excelente adição ao jogo.

Em muitos os aspectos o combate melhorou, em especial pelo número de ataques distintos que os 3 protagonistas têm, assim como os múltiplos ataques iniciados pelos inimigos e os nossos respectivos contra-ataques. Mas ao contrário de outros jogos da série em que os muitos encontros com inimigos tinham o grind disfarçado, neste Paper Jam Bros. algo correu mal: e a repetição torna-se mais flagrante. Esta repetição é possível que seja fruto do reduzido número de inimigos (em comparação com o ratio com número de horas de jogo), e os momentos de alguma diversão por todo o dinamismo que os combates trazem na série são substituídos por um grind obrigatório. Especialmente para quem conhece os RPGs do Mario e conhece a décalage imensa que vai entre quase todo o jogo e a dificuldade gigantesca que o combate final com o Bowser representa, e o grind que necessitamos para ter nível suficiente para enfrentar o nosso arqui-inimigo.

Os diversos puzzles pelo mapa são resolvidos com ataques trio, seja a capacidade dos três heróis em atacarem juntos com as suas marretas, passando pela capacidade que o Paper Mario tem em transformar-se num avião de papel e flutuar os dois outros personagens através de precipícios. Percebe-se aqui uma tentativa da Nintendo de ganhar um público ainda mais jovem, já que os segmentos de puzzle são relativamente simples, e acessíveis a jogadores de todas as idades.

A contrastar com o Luigi Gigante do jogo anterior, temos aqui os chamados Gigapapelões, uns andores gigantes construídos pela Toadette e que constituem algumas das excelentes (e diferentes) boss battles do jogo. Cada nova boss battle com Gigapapelões (os nossos e os inimigos que são construídos pelos dois Kameks) traz-nos um novo personagem em papelão para usarmos, criando uma grande diversidade de batalha para batalha, e um piscar de olhos-de-olhos às batalhas estilo tokusatsu do jogo anterior.

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O melhor: a diversidade de mecânicas, a união bem conseguida das duas séries, diversidade de mini-jogos e experiências de game design.

O pior: o enredo insípido e excessivamente simplista.

Mario & Luigi: Paper Jam Bros. tinha todas as condições para manter a fasquia elevada da série, mas acabou por incorrer num erro gigantesco: renegar o seu enredo para algo tão simples e redutor quanto a fórmula “A Princesa foi raptada – Vamos salvar a Princesa”. Fórmula essa que funciona na perfeição na série de plataformas principal de Mario, mas que está longe da qualidade de escrita a que o estúdio AlphaDream nos habituou. E digo isto com imensa pena do argumento estar demasiados patamares abaixo de todo o jogo, assim como da brilhante inclusão mecânica do mundo de Paper Mario e de um sistema de combate que continua (quase) sem falhas.

Mario & Luigi: Paper Jam Bros. é um jogo bom, mas não é excelente. E para uma série que nos habituou a nada mais do que a excelência, qualquer coisa abaixo disso parece-me uma derrota para todos nós, que queremos, e merecemos o máximo que possa ser criado nos universos RPG de Super Mario.

Mario & Luigi: Paper Jam Bros. é um exclusivo 3DS