“Todas as ideias, principalmente as de negócio, são boas ideias, até certo ponto em que não são sustentáveis.”
Esta é umas das melhores lições que o meu patrão e mentor me ensinou. Pode ser mais cedo, pode ser mais tarde, mas qualquer ideia mostra-se insustentável a certo ponto, seja numa fase teórica ou prática. E portanto quando a Ana propôs que eu fizesse uma rúbrica de moda no Rubber Chicken achei piada, seria algo original. Contudo quando peguei nessa proposta e comecei a escrever o Chicken Fashion, não foi porque gosto de moda, gosto de vestir bem, mas não é essencial para mim. Por exemplo hoje vim com o meu visual “mudei de casa este fim-de-semana e ainda não sei onde está mais de metade da minha roupa portanto vim assim e cala-te”. Foi porque o Rubber, como foge um bocado ao mainstream das publicações de videojogos e achei que aqui podia escrever sobre algo que não se vê em mais lado nenhum. E também especialmente porque aqueles que consideram jogos uma arte, se esquecem que são os pormenores que permitem que assim seja. Framerates, modos de jogo, enredo, gráficos ultra-realistas, tudo isso é importante num jogo, não vou negar isso, mas por trás há uma equipa de artistas em vários campos que são sempre negligenciados, e sem eles tudo o resto seria pior. O que importa se os gráficos são ultra-realistas mas o aspecto do nosso personagem não se enquadra no jogo? Se a roupa dele é simplesmente um bloco de uma cor? Quando estamos a construir um personagem num RPG ou jogo de acção e permite escolher o vestuário, não passamos tanto tempo a “vestir” o personagem como a desenhar a cara? Ou quando apanhamos uma armadura nova, gostamos que além dos stats, o aspecto seja diferente, não é?
Para isso tudo, teve que estar uma ou mais pessoas a desenhar todos esses aspectos. A arte da “moda” nos videojogos é muito como o “foley”. Não sabem o que é? É a vertente de sonoplastia que reproduz os sons do dia-a-dia em cinema, TV, ou neste caso, videojogos. Estão a ver quando o vosso personagem anda, e ouvem os passos? Ou raspar da espada a sair da bainha, o vento nas árvores, a água a correr? Tudo isso é proporcionado por “foley”, nós não lhe damos valor, mas imaginem um jogo sem isso? Nem conseguem, pois não?
Vamos pegar num exemplo concreto de um jogo recente e como o vestuário dos personagens é tão crucial como a história ou os gráficos. Assassin’s Creed Syndicate tem dos guarda-roupas mais bem feitos que já vi num videojogo, não só é bonito, como todo o aspecto do jogo (algo comum na série) mas também é funcional e perfeitamente enquadrado na época.
Para primeiro exemplo, Jacob Frye, um dos personagens principais do jogo.
Todo o visual de Jacob é perfeito para um líder de gang na Londres Vitoriana. Sim, porque o Assassino neste jogo é a Evie, e já tratamos dela a seguir. Uma das coisas que muita gente criticou neste jogo foi a ausência do capuz “algo característico num membro dos Assassins”. Era! Um assassino no meio da metrópole com um capuz não ia passar despercebido, ia dar nas vistas, daí o uso do chapéu. As cores escuras na roupa devido ao facto que nesta época o decoro e sobriedade eram sinais de classe e estatuto, mas também porque a cidade era tão poluída que era preferível usar roupa escura para não se notar a sujidade. Até o casaco de Jacob é funcional como protecção de facadas e agressões. Assim como a bengala que esconde uma espada. Numa sociedade civilizada, líder de um gang ou não, não se podia andar com armas na rua. Sim, eu sei, que no jogo matamos pessoas em pleno dia no meio do mercado, mas isso agora não para aqui chamado, o importante é que todo o visual foi feito para se enquadrar na época. Garanto que se conseguíssemos reproduzir as roupas que Jacob tem, entrar numa TARDIS, Delorian ou máquina do tempo à vossa escolha e fossemos a Londres em 1868, ninguém olhava para nós de maneira estranha.
Mas eu não sou adepto de festas da mangueira, portanto teria que levar companhia feminina nesta viagem, e o visual da Evie seria perfeito também.
Este é um dos muitos visuais dela, mas para exemplo é dos melhores. Tudo aqui é construído ao pormenor. Sendo ela a Assassina a sério o seu vestuário tem que ser mais funcional, esguio, e insuspeito. Na época vitoriana, apesar de não ser bem visto, as mulheres já usavam calças o que para Evie é melhor para trepar prédios, contudo, saias usavam-se um pouco abaixo do joelho e acima das botas, fechando o casaco ninguém conseguiria perceber se ela estava de calças ou não. Mais uma vez o capuz, está despercebido, agarrado ao casaco, e ela pode simplesmente puxá-lo para cima quando tiver necessidade disso, facas, pistolas e outros acessórios seriam facilmente escondidos, e ela poderia passar despercebida nas ruas.
Mas nem é só nos personagens principais que esta arte se nota, até nos personagens que eventualmente servem só para cenário e levar porrada, o visual foi cuidado.
Aqui temos dois personagens que mostram isso, tanto um como outro passariam despercebidos nas ruas da cidade, contudo para construir algo assim, foi preciso, tempo, investigação trabalho. E é por isso que eu escrevo os Chicken Fashion, porque ningúem dá valor a este trabalho.
Mas, também é por isso que vou deixar de escrever os Chicken Fashion, e este foi o último. Eu quando escrevo, não escrevo para mim, escrevo para quem lê, para vocês (se fosse para mim, escrevia num diário), e assim como disse no inicio, há ideias que não são viáveis a partir de um ponto, e num site, quando uma rubrica não tem leitores, acaba-se com ela.
Não tenho pena, há muito que aprendi a largar coisas, ou pessoas, e é por isso que não tenho problemas em ter novas experiências. Vou continuar a dar valor aos estilistas de jogos, e aos técnicos de som, aos escritores de diálogos, e todos os outros negligenciados, mas não aqui.
Foi um prazer fazer esta rubrica, vou continuar a escrever no Rubber, só não vai ser sobre isto. Para aqueles poucos que leram este e os outros artigos, espero que tenham gostado.
Um abraço estiloso!