Confesso que como muitos de vocês comecei a jogar consolas com o Final Fantasy VII, que foi também o meu primeiro JRPG. Até então, os meus jogos resumiam-se a Age of Mythology e The Sims e foi arrebatador ter um jogo com uma escala tão grande nas minhas mãos.

Na altura o meu inglês era escasso, mas a experiência de FFVII por si só foi algo muito diferente do que estava habituada. Era grandioso, havia história, personagens e a música era algo completamente novo. Durante muito tempo achei que era a melhor coisa do mundo e hoje apercebo-me que muito desse sentimento se deve ao facto de não ter jogado nada assim até então. A verdade é que também não havia nada de igual nos videojogos até então. Não lhe tiro isso, Final Fantasy VII foi revolucionário, mas não o considero a melhor coisa de sempre desde há muito tempo. Devo isso ao meu percurso atípico em videojogos.

Um certo Natal alguém resolveu que era boa ideia dar-me a escolher um jogo para a Playstation 2 como presente de Natal. A resposta foi simples e escolhi um jogo que tinha um dragão na capa a cuspir fogo – quando era mais nova adorava dragões mais do que qualquer outra criatura mitológica. Encontrar um jogo numa loja e que eu soubesse que dava para jogar com um dragão era como dizerem-me que o jantar ia ser panquecas com Nutella.

Uma representação legitima da mini Ana.

O jogo chamava-se Drakengard e definiu, mais que qualquer outro, o meu gosto por videojogos: quanto mais surreal e estranho melhor. Eu até aguento a má jogabilidade desde que a experiência seja verdadeiramente única. Tal como o Final Fantasy VII, Drakengard é um JRPG, mas os seus elementos de acção são mais evidentes dos que os de RPG.

Foi a coisa mais próxima de Ace Combat de joguei.

O jogo foi censurado no Ocidente devido aos seus temas adultos e tabu. Na versão original, um dos personagens masculinos é um pedófilo que anda sempre com um garoto atrás e o tema do incesto foi escondido por detrás de um inglês pomposo e formal.

A jogabilidade é absolutamente terrível. O jogo nunca foi planeado para ser um jogo de acção, mas sim uma espécie de Panzer Dragoon Saga da PS2, mas com a popularidade dos Dystany Warrior acabamos com híbrido que não sabe bem o que quer ser. Não sei se é JRPG, se é acção, se é um dragon similuator feito por pessoas que trabalharam nos Ace Combat. Mas mais que tudo, o jogo é uma critica aos tropes que os JRPGs e a ficção japonesa utilizam.

Arte do protagonista, Caim, para o jogo Lord of Vermillion.

O protagonista é um príncipe que viu os pais serem comidos com um dragão quando fez 18 anos e depois disso se tornou uma silenciosa máquina de matar. O director criativo do jogo, Taro Yoko, confessou que o protagonista do jogo é uma desconstrução do herói tradicional e que nenhuma história onde o herói mate indiscriminadamente e sem questionar deve ter um final feliz. Pessoalmente, considero esta critica tão válida hoje como era em 2003, quando o jogo saiu.

Os JRPGs não mudaram muito. Ficaram estupidamente bonitos, mas as histórias continuam a ser sobre um grupo de pessoas que normalmente tem menos de 20 anos e vai salvar o mundo de um mal qualquer que acaba só por ser incompreendido enquanto cometemos o genocídio da fauna e flora do mundo à nossa volta do nome de grinding. Recentemente o titulo que me fez aperceber disto e da falta de verdadeira interpretação de papéis nos JRPGs foi o Tales of Xillia 2.

Depois de muita conversa lá peguei no jogo e agora que estou quase no fim do jogo e já sei o seu grande plot twist (que já andava a mostrar a cauda há uns bons capítulos), confesso que perdi muito do interesse inicial que tinha no jogo. Tinha esperança em Tales of Xilia 2 e na forma como questiona o facto do protagonista ter a capacidade de aniquilar mundos inteiros, mas tudo o que jogo faz é dar-lhe uma expressão de arrependimento e pouco mais.

O jogo tem os seus bons momentos e é um dos poucos JRPGs que joguei que verdadeiramente permite a experiência de role play. Mais do que um actor a seguir o seu papel, o jogador pode projectar-se um pouco no protagonista, Ludger. Durante Xillia 2, há a possibilidade de escolher entre duas respostas que mudam a reacção dos outros personagens a Ludger e como é a relação entre eles. Quando mais positiva a resposta, mais próxima é relação e isso desbloqueia fatos e novas habilidades. No entanto está longe de ser um jogo do qual eu goste. Além da critica do Taro Yoko se manter (Ludger aniquila mundos inteiros porque isso supostamente salvará o seu, e toda a gente aceita isso depois de lhes dizerem que não há outra maneira), a maioria dos personagens são iguais a tantos outros personagens de tantos outros JRPGs. Há uma tsundere (uma personagem que alterna entre a agressividade e a amabilidade), uma menina bonita, um membro da realeza, um personagem que é demasiado bom, uma personagem que mais parece que tem pilhas Duracell, alguém que sabe mais que o resto do cast e um gajo “todo bom”.

Honestamente, eu percebo o porquê da falta de role playing em Drakengard: aquilo já muito pouco tinha de RPG, mas em títulos que afirmam ser JRPGs como Final Fantasy essa ausência é algo que me ultrapassa. Mesmo em títulos com histórias definidas como é o caso da saga The Witcher, há um nível de escolha que faz como que o jogador tenha que pensar como o protagonista ou, pelo menos, meter-se no pés deles e pensar “o que é que eu vou escolher”.

Geralt e Ciri

No The Witcher 3: Wild Hunt as escolhas do jogador podem alterar o final do jogo por completo. Lembrem-se que têm o futuro de uma cria de lobo nas mãos e têm de cuidar dela, e o que fazem afecta a visão que ela tem de vocês, porque vocês são o Geralt e são os pais dela. A diferença disto para os JRPGs é que estes esperam que o jogador aceite tudo e apenas cumpra o seu papel, como um pau-mandado sem escolha própria. Somos actores em qualquer jogo, mas nos JRPGs não estamos mais do que a ler o guião.

Por pior que o Skyrim tenha sido, havia uma experiência de role play. Não só devido à criação de uma personagem única para ser o protagonista, mas porque cada um pode jogá-lo à sua maneira. Pode explorar, fazer as main quests ou a side quests tudo com o seu tempo e ao seu ritmo. Não há pressa e o jogador pode simplesmente explorar o mundo para tirar screenshots bonitas.

É particularmente triste quando me apercebo que posso ter melhor experiências de role play em jogos que não estão relacionados de qualquer maneira com o género. Role play passa muito por existir uma ligação com o personagem com quem jogamos e podermos sentir o que ele sente, pensar o que ele pensa e, de alguma maneira, decidir o que ele vai fazer ou a ordem como os faz. Gostaria de lembrar o Metro 2033 onde a acções do jogador determinam o destino de alguns personagens. Isso faz parte de uma verdadeira experiência de role play. Lembro também que estamos a falar de um FPS, não de um WRPG ou um JRPG.

É claro que a experiência de role play pode vir de qualquer jogo com o qual tenhamos alguma identificação pessoal, mas algo que me ultrapassa é ver que há RPGs que não oferecem qualquer experiência nesse sentido. Podem dizer-me para ir jogar Dugeons & Dragons se quero verdadeiro role play, mas se o quisesse fazer estaria a jogá-lo e não aqui a escrever. Contudo, eu penso que os jogos podem ser excelentes experiências de role play, seja qual for o género, mas acho que há algo de errado quando há jogos que dizem que são RPGs e não tem qualquer verdadeira experiência de interpretação de papéis. Clichés de lado, qualquer jogo pode servir para role play, mas há poucos JPRGs que são verdadeiramente uma experiência de RPG.

É como uma mentira que nos é alimentada há tantos anos que já não somos capazes de nos ver livres dela.