Uma análise a Anno 2205
Há géneros menos polivilhados de lançamentos anuais do que outros. Os city buildings são um desses exemplos. O que não significa que não haja anos que contrariem por completo algumas tendências, como por exemplo este estranho ano de 2015, em que Anno 2205 é o quarto city building que avalio, ainda que um deles seja de 2014.
Não fosse o facto deste ano ter visto a ser publicado o sublime Cities: Skylines da Paradox Interactive – que é quase oito meses depois o grande concorrente ao meu Jogo do Ano – e o mais recente jogo da série Anno seria de certeza o melhor jogo do género deste ano.
Substituir Barrowman!!!! Por Cities: Skylines!!!!!
Contrapondo muitos dos city building que têm a nossa vida citadina e contemporânea como setting, Anno 2205, da Ubisoft é uma obra de ficção-científica. Quer dizer semi-ficção-científica. É que no futuro que apregoam no jogo, a Humanidade sente a necessidade de colonizar a Lua, e coloca o seu próprio futuro e a sua gestão nas mãos gananciosas das mega-corporações. O que é na prática a estrada que estamos a percorrer com a diferença que eu tenho algumas dúvidas que a Lua seja colonizável. Mas adiante.
Neste futuro próximo nós temos sob o nosso controlo uma das mega-corporações que têm o destino do Homem na sua agenda. Lucro, desenvolvimento, expansão corporativa e escalada na hierarquia empresarial, são todos aperitivos no prato da balança comercial. Tudo isto tentando equilibrar o crescimento sustentável das nossas colónias com o contacto agridoce com outras mega-corporações. Especialmente porque os Governos foram lentamente dando lugar às mega-corporações, e as tensões inter-nacionais deram lugar a fricções inter-empresariais.
Como dizia no início, Anno 2205 é um excelente jogo e um brilhante city buildings, que só não vai merecer maior atenção pela infelicidade de ser lançado no mesmo ano de Skylines, mas por outro lado também coabita no mesmo ano com um dos piores do género. E não falo de SimCity, que esse não é deste ano. Falo é claro de Cities XXL.
Anno 2205 não tem o mesmo nível de complexidade e de planeamento de Skylines, mas usa esse facto como selling point para novos jogadores. O habitual dos developers de city buildings que leram a cartilha de Will Wright é que o planeamento a médio-prazo é tudo. Não antevermos o desenvolvimento da nossa cidade para além da curva da expansão urbana é meio caminho para a nossa derrota, visto que as alterações à cidade têm custos, penalizações e consequências. Em Anno 2205 somos encorajados a fazer pequenas ou grandes alterações a nosso bel-prazer, visto que não existe qualquer entrave associado. O que acaba por facilitar a nossa tarefa quando comparado com outros jogos do género, mas que acaba por servir, na prática, como forma de equilibrar o jogo com outros pontos onde é substancialmente mais difícil.
A falta de gestão de trânsito é logo um peso gigantesco ausente deste Anno 2205, e os veteranos do género bem reconhecem as dores de cabeça que este factor aparentemente tão simples tem noutros city buildings. E é por isso, e por uma abordagem mais relaxada que 2205 tem que o torna um verdadeiro sifão de tempo. Eu que o diga, que nas duas primeira noites de jogo dei por mim a estar mais de seis horas seguidas a jogar, sem pausas, e sem noção da passagem do tempo. O que é um grande ponto a favor de Anno 2205 e da sua diversão e imersão, mas um grande ponto negativo para mim que fui trabalhar nas manhãs seguintes como um figurante da série The Walking Dead.
Este novo jogo da Ubisoft soube apresentar os tutoriais e as ajudas como a noz-moscada na culinária: q.b. E achei curioso ao segundo dia de jogo (e quase a virar as dez horas de campanha) de perceber que era economicamente mais viável construir módulos de upgrade às fábricas do que ter duas da mesma indústria. O pior? É que esses upgrades requerem recursos especiais apenas captáveis nas side missions.
E aqui entramos no calcanhar de Aquiles de Anno 2205: as side missions que estão divididas em dois tipos. O primeiro tipo são pseudo-fetch quests: pegar no nosso navio-almirante (o mundo teve o nível médio das águas elevado) e percorrer o mar circundante da nossa cidade para responder a quests simples. E estas quests são mais um passatempo do que uma verdadeira adição ao jogo. O segundo tipo de side missions vêm ao estilo batalha em RTS: temos um mapa paralelo, controlamos uma pequena frota e temos de destruir os edifícios/navios de corporações inimigas. Ainda que este modo seja curioso de jogar, acaba por fartar pela repetição e pela simplicidade. E não fosse a necessidade de terminar estas missões pelos recursos que oferecem e raramente lá iria, preferindo incomensuravelmente mais passar as horas de jogo na vertente puramente city building do jogo, ao invés destes fait divers RTS algo martelados que por lá coabitam.
A componente de city building, essa, não poderia ser mais variada, e perfeitamente intrincada com o conceito do jogo. À nossa disposição temos três tipos de mapas diferentes que correspondem a colónias/cidades que temos, tanto na Terra como na Lua, e que têm todas produções e edifícios diferentes, e cuja gestão simultânea e trocas intra-corporativas permitem o crescimento da nossa mega-corporação.
O melhor: as mecânicas mais “leves” de city building, a diversidade de ambientes, a solidez do setting.
O pior: as side missions.
Anno 2205 não é o melhor city building do ano mas é um grande jogo da Ubisoft, que parece algo menosprezada pela editora e pelos media. É verdade que a série Anno não tem o mesmo peso comercial de outras séries de maior envergadura da gigante francesa. Mas apresenta-nos um dos jogos mais sólidos do género, a ser lançado num ano que aparenta uma renovada atenção a um submercado que sofreu um duro golpe com o infeliz lançamento de SimCity. Sólido, divertido, desafiante, e extremamente coeso. E estes são os ingredientes de um grande jogo que nunca deveria ser lançado no mesmo ano de Cities: Skylines. É que o jogo da Paradox acabará sempre, com mérito, por roubar todos os holofotes.
Anno 2205 é um exclusivo PC.