Ou como Lost Dimension quis quebrar as barreiras de género
Muita gente (a própria Sony inclusive) decretou a morte prematura da PS Vita. Mas um pouco de atenção e conhecimento da realidade extra-Ocidental, e percebemos que existe um mercado que mantém vivo, e de boa saúde (ainda que regionalmente) a consola. Falamos obviamente do mercado japonês.
Ser-me-ia perfeitamente impossível perceber quantos jogos saem semanalmente exclusivamente no Japão, e quantos deles parecem cumprir com todos os estereótipos e preconceitos que muita gente tem sobre este mercado específico. Jogos aparentemente fac-similados entre si, com personagens genéricos que poderíamos ver em qualquer anime de qualquer temporada de animação japonesa. Jogos que se movimentam nas áreas das Visual novels, JRPGs, Tactical RPGs, eroges, dating simulators, 2D fighting games, e destes apenas um número reduzido de títulos tem a possibilidade de serem trazidos pelo Ocidente por empresas como a NISA. Felizmente para todos nós, Lost Dimension é um deles.
Num futuro próximo o fim-do-mundo foi decretado por uma entidade maligna denominada simplesmente de The End. Se o nome não tiver sido uma denúncia suficiente para todos, sim, este é o grande vilão do jogo, que por alguma razão que não percebemos de imediato está a procurar alcançar o apocalipse em apenas treze dias. O que são menos dez dias que o curto segundo Governo de Passos Coelho. E como não podia deixar de ser, apenas um grupo de corajosos jovens adultos tem o poder e a capacidade de por um ponto final nas intenções pecaminosas do mais do que óbvio inimigo.
Para isso vão (vamos) ter de escalar uma torre com diversos pisos até ao confronto final de The End. O argumento é um cliché gigantesco, e parece, à partida, perfeitamente desinteressante. Já vimos, lemos, jogámos estas história tantas vezes que quase somos impelidos à primeira vista a considerar este Lost Dimension um temendo déja vu e passarmos ao lado dele. O que seria uma péssima decisão da nossa parte. É que no meio deste argumento mais do que familiar, o sádico The End avisa-nos de algo: no seio do nosso grupo encontram-se traidores, e nós apenas sabemos que o protagonista não é. E aí começa a desconfiança sobre todos os restantes personagens.
Há muito de Danganronpa neste Lost Dimension à medida que vamos percebendo algumas considerações que temos de fazer. A primeira é que no final de cada piso da torre temos de fazer uma eleição para decretar quem é o traidor, e após escolhido, esse personagem será executado. Até aqui tudo bem, não fosse o facto de que a definição dos traidores é aleatória no início da playthrough, o que deixa sempre uma grande incógnita sobre as suas identidades. E é claro, executar um membro inocente significa que mais tarde haverá um traidor preparado para nos vender por trinta dinheiros, e que teremos menos um membro na nossa party do nosso lado.
A particularidade dos diversos personagens, e a explicação para o facto de só eles conseguirem entrar na torre de The End (onde as forças militares não conseguem penetrar) é o simples facto de que cada um deles possui poderes psíquicos distintos, que são, obviamente, todos usáveis em combate. Sendo que o nosso protagonista tem o poder mais útil de todos fora de combate: a possibilidade de entrar na mente dos seus colegas para tentar descortinar quem é o traidor. É claro que para alcançar um equilíbrio mecânico do jogo, só podemos usar três vezes esse poder por piso, o que significa que temos de investir muito tempo a conversar com os restantes personagens para eliminar alguns dos suspeitos.
Paralelamente a esta faceta interessante, este investimento social nos restantes personagens da party traz-nos dois benefícios distintos: o primeiro, já referido, de eliminar suspeitas sobre eles, e o segundo o de criar afinidade e o que isso significa em combate. Lost Dimension, para além desta componente intra-social muito forte é um Tactical RPG, e é-nos possível receber alguns bónus de suporte entre personagens com uma forte afinidade, traduzindo-se num auxílio importantíssimo no combate.
Lost Dimension faz um tremendo esforço em destacar-se no meio de uma multidão quase infindável de Tactical (e) JRPGs que enchem o mercado, e fá-lo com alguma eficácia. Misturando géneros e obrigando-nos a dar igual importância aos tempos (usualmente) mortos de relacionamento casual e social entre os diversos personagens e um combate por turnos que mistura eficazmente poderes especiais psíquicos e a marcialidade usual dos jogos “de acção” japoneses. Um óptimo título, em especial para quem se queixa que nada sai de interessante para a Vita. Valha-lhe o mercado japonês. Pelo menos isso.