Se tivéssemos recebido The Crew há exactamente um ano quando foi lançado, de certeza que a nossa rubrica A Hora do Meh já tinha sido criada. Publicado num dos piores anos para a Ubisoft (a nível crítico e não económico), naquele que eu apelido d’”O Ano Entomológico da Ubisoft”. E porquê? Porque os jogos estavam todos cheios de bugs.

(podem respirar fundo da tremenda piada e retomamos daqui)

Um ano depois e a gigante francesa ainda está a tentar obter alguma redenção de uma das apostas mais logradas que tiveram no passado recente. A Ubisoft e o estúdio Ivory Tower (nome irónico, tendo em conta a recepção do seu único jogo publicado) criaram uma série de promessas e expectativas em torno daquele que afirmavam ser a derradeira experiência MMO de condução, e os resultados vieram contradizer tudo isso. E aparentemente essa Torre de Marfim, desconexa do mundo à sua volta, acabou por desabar perante as suas próprias pretensões.

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Em conversa com as Galinhas que tiveram acesso ao jogo desde o seu lançamento, percebi que ao longo destes onze meses o estúdio francês tentou remendar sucessivamente o jogo com uma série de updates, e que, segundo dizem, permitiram-no subir a sua própria fasquia perante o que tinha apresentado originalmente. Esforço esse de remendar o jogo que culminou agora com o lançamento de Wild Run, a primeira (e última?) expansão para The Crew. Mas como a versão actual –  já diversas vezes alterada e agora expandida –  é a primeira que jogo, aqui ficam as minhas impressões de como está The Crew um ano depois de ver a luz do dia e sentir o cheiro do asfalto.

À primeira vista, senti que o jogo estava bastante bem optimizado e estranhamente suave (pelo menos na versão de PC, que foi a que tivemos acesso), sem necessitar de requisitos ultra-surpreendentes na sua execução. É também verdade que ele está a anos-luz da maravilha gráfica do outro jogo do género que joguei este ano: Need for Speed. E por comparação com o jogo da Electronic Arts, não é apenas na parte visual que o jogo de street racing da Ubisoft fica a perder. Todo o feel de condução está muito melhor desenvolvido em NFS do que neste The Crew, que muitas vezes parece ficar a meio caminho entre uma pseudo-simulação e um toque mais arcada. E em que os controlos parecem necessitar ainda de muitos meses de desenvolvimento e afinação de bastidores, falhando terrivelmente em situações que necessitam de grande perícia da nossa parte, tal como o drifting.

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É curioso também que consegui sentir uma melhor abordagem a uma espécie de MMO com os jogadores que se cruzavam comigo nas estradas de NFS (que não vivia sob essa intenção) do que aqui em The Crew. Os jogos são incomparáveis em dimensão, mas aqui tudo parece funcionar num modo aleatório ou extra-jogador. Entre janelas de pop-up constantes a avisarem-me de (aparentes) bónus, achievements ou pontos de interesse que passei sem ter qualquer tipo de percepção do que raio eu tinha feito para receber essas “condecorações”.

Com a introdução de alguns veículos, Wild Run tenta redimir o seu jogo base perante o público. Monster trucks, drag racing e motas são as novidades que a expansão traz e consigo impõe algum dinamismo e diversidade a um jogo que foi justamente massacrado por todos pelo péssimo estado de desenvolvimento com que se apresentou aquando do lançamento. Em comunhão com estas novas vertentes e desafios de condução (já que podemos trazer qualquer um destes veículos para o mundo aberto das estradas simuladas dos EUA que se estendem digitalmente em The Crew), Wild Run traz também um evento unicamente MMO: The Summit, onde temos de competir com jogadores de todo o mundo para obter veículos exclusivos.

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Como referi noutro artigo, Need for Speed, ainda que não seja um jogo soberbo, conseguiu criar as condições atmosféricas e ambiência e controlo perfeitos para fazer com que alguém que não gosta assim tanto de conduzir (como eu) se sentisse compelido a visitar o seu mundo com frequência. The Crew: Wild Run, ainda que tenha premissas curiosas, tais como um aumento do espectro de condução com os novos veículos, a liberdade de percorrer uma versão simulada dos EUA na íntegra e de um verdadeiro espírito competitivo global com The Summit, falha em plantar-me a semente da imersão, e da vontade e prazer de mergulhar nos seus largos milhares de quilómetros digitais.

É-me habitual criticar a postura da Ubisoft que teve no ano transacto a sua maior demonstração público de muitos dos erros que singram nos seus meios de produção. Mas em relação a The Crew tenho de dar a mão à palmatória pela tentativa de remediar os erros que a Ubisoft criou. Já referi o tremendo update que o jogo levou aquando do lançamento da expansão, e que alterou de forma vertiginosa o grafismo do jogo, a física e o controlo dos carros, colocando-o a milhas do jogo que era/foi. E isso é consensual. Mas há algo que está a passar subtilmente por debaixo desta acção e que me apanhou na total surpresa: os jogadores que já tinham o jogo base não necessitam de adquirir Wild Run para usufruir de todas as alterações que foram feitas. Eu bem sei que o facto da Ubisoft disponibilizar este update sem cobrar deveria ser a forma digna e usual de o fazer, e aquela que ideologicamente defendemos aqui no Rubber Chicken, mas também sabemos que os gigantes da indústria tudo fazem para obter uns dólares adicionais. E conseguimos pensar numa série de casos em que estas melhorias poderiam ser incluídas exclusivamente com a expansão, obrigando os jogadores a terem de pagar para remediar um jogo terrível que foi lançado em péssimas condições. Poderia acontecer, já aconteceu diversas vezes, mas desta vez não aconteceu. E sinto-me dividido entre ficar feliz por ver um gigante a dar um passo atrás nas políticas mais lesivas aos jogadores e a assumir um tremendo erro e a remediá-lo sem imputar mais custos aos jogadores, ou crer que isto poderá ser sinónimo que a pressão de uma franja da comunidade mais atenta e mais exigente poderá estar a surtir efeitos até no maior colosso empresarial. Um utópico David contra Golias diria até.