Não, não vou começar com a discussão dos desportos electrónicos. Não é uma discussão. Não quero saber. Prometi a mim mesmo não discutir com quem se contradiz em 10 palavras. E quando a frase “não é um desporto, é um desporto (electrónico)” surge, eu tapo os ouvidos e canto uma música das Bananarama. A sério, não me interessa, por muito ao rubro que esteja a discussão. Alguma imprensa de videojogos decidiu tentar acalmar os ânimos e tratar os eSports de outra forma: “spectator sports” ou “spectator videogames”. Funciona. E acaba por enquadrá-los bastante bem naquilo que são: videojogos muito orientados para uma vertente competitiva e que proporcionam uma boa experiência para quem quer assistir a uma partida.

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A azul, a malta que quer ouvir Tony Carreira, a vermelho, malta que prefere o Toy

Pois bem, para os eSports, grupo em que se enquadram jogos como  Hearthstone,  League of Legends, Dota 2, Counter-Strike. Global Offensive ou Smite, 2015 foi um ano absolutamente explosivo. Foi um ano em que o valor dos torneios praticamente duplicou os valores atingidos no ano anterior, ultrapassando a barreira dos 60 milhões de dólares, com quase 4000 eventos em registo. Isso permite ver um pouco do icebergue que é o gigantesco negócio em torno dos eSports – os 60 milhões distribuídos pelos jogadores são apenas a cobertura de um bolo com um tamanho ainda desconhecido, com fatias grossas, com cerejas e cobertura de chocolate, para patrocinadores, organizadores e sabe-se lá mais quem.

60 milhões. É muita fruta para se descartar como “joguinhos”, como por cá muitos têm o hábito de fazer. Os mais perspicazes andam a ver as coisas por outro prisma: uma gigantesca oportunidade de negócio! Claro que muitos torcerão o nariz. Não entendem o conceito, talvez por não lhes agradar. Mas a própria ESPN, uma das estações de televisão que se converteu aos interesses do público e começou a transmitir eventos de eSports com alguma regularidade, admite que o público de eSports tem vindo a crescer e que ultrapassa o de eventos como a final da NBA ou dos World Series de Baseball.

A Riot anunciou recentemente que as transmissões dos seus World Championships de League of Legends tiveram um total de 334 milhões de espectadores, ao longo das 4 semanas do evento. O site Trackdota, um agregador de informação de streams de eventos de Dota 2, reporta 265 milhões de espectadores no The International 5, de Dota 2, e isto sem contabilizar os que optaram por assistir aos jogos dentro do game client.

Ora este crescente número de espectadores tem dado força à bubble de serviços de streaming de quem toda a gente quer uma fatia (a Twitch e Youtube juntam-se Hitbox, Douyutv e outros)… E, claro, as estações de televisão só têm duas hipóteses, ou tentam abocanhar uma fatia do mercado ou perdem de vez a corrida a esse público. Por alturas da transmissão em directo das finais do The International na ESPN, muita gente se revoltou acerca da transmissão de videojogos numa cadeia de televisão orientada para os desportos. A ESPN foi respondendo à contestação por diversas alturas e mantém a sua aposta, inclusivamente brincando com a situação.

Compreende-se porquê. Se o valor da Twitch, nascida em 2011, ascende a 1 bilião de dólares, deve-o sobretudo à crescente massa de espectadores de eSports. E espectadores são sinónimo de receitas publicitárias. E aqui, convenhamos, as estações de televisão têm vantagem em relação aos serviços de streaming online. A relutância que algumas agências publicitárias têm em anunciar em streams dissolve-se quando perante um meio de transmissão mais tradicional e abrangente. Talvez porque o público seja, também ele, mais tradicional e abrangente, por oposição ao público-padrão presente nas streams.

No entanto, este público-padrão não deixa de ser apelativo. Antes pelo contrário. É um público que está, em geral, disposto a gastar dinheiro naquilo que gosta. E parte do sucesso e do crescimento dos eSports passa precisamente por aí. Se espreitarmos o prize pool do The International 5, a maior até à data com uns assombrosos 18,5 milhões de dólares, vemos que a maior fatia do prémio é, precisamente, crowdfunded. Ou seja, um maralhal de gente entendeu gastar rios de dinheiro com um jogo gratuito para adquirir itens virtuais e financiar um torneio com um já considerável prémio de 1,6 milhões de dólares fazendo-o atingir o valor recorde de 18,5 milhões de dólares. É mais ou menos isto, certo? Já é bastante dinheiro, certo? Admirados? Boquiabertos? E se vos disser que apenas 25% do valor gasto pelo público engrossava o prize pool? Pois é… 17 milhões de incremento colocam a fasquia do valor gasto pelo público nuns agradáveis 68 milhões de dólares. Mas… porquê?! Se o jogo é gratuito, se é gratuito para assistir, quer no jogo, quer nos serviços de streaming, o que raios faz com que milhões de pessoas paguem 68 milhões de dólares para apoiar e financiar um torneio?! Poderia estar aqui a extrapolar… mas na verdade, não interessa. Interessa é que estão dispostos a pagar. E isso, para os anunciantes, para os organizadores, para as televisões, para todos os que possam ter algo a ganhar com os eSports, é tudo o que interessa. Muito público, muito dinheiro.

E isso já ajuda a explicar o crescimento global do mercado de eSports. O Dota 2, de que acabei de falar, apresenta um crescimento de 14 milhões face a 2014. Do mercado de 60 milhões, é ele quem arrecada a fatia de leão, com cerca de 30 milhões a serem distribuídos por jogadores e equipas em 2015. Segue-se League of Legends, com uma fatia de 7,3 milhões de dólares, embora este tenha decrescido em relação a 2014, ano em que tinha atingido os 8 milhões. Counter Strike: Global Offensive ocupa a terceira posição, com 6 milhões de dólares, com um crescimento significativo de 4 milhões de dólares face a 2014 – triplicando os valores de um ano para o outro. Smite segue-se na lista, com 3,6 milhões de dólares, e a lista continua… e é preciso olhar lá para baixo para a nona posição para encontrarmos o primeiro jogo com menos de 1 milhão de dólares em eventos em 2015. E é um jogo com 5 anos, Heroes of Newerth, ainda assim com 750 mil dólares envolvidos.

 

Mais, o crescente volume de negócios em torno dos eSports tem despertado as atenções de muitos investidores, entre os quais o famoso “tubarão” Mark Cuban. Cuban investiu 7 milhões de dólares na Unikrn, uma empresa dedicada ao crescente negócio das apostas em torno dos eSports. Julho também ficou na história com o negócio que envolveu a gigante MTG na aquisição de 74% da Turtle Entertainment GmbH, detentora da marca ESL e organizadora de alguns dos eventos de eSports mais cotados no mercado.  Os lucros da Turtle Entertainment, GmbH, a crescer em mais de 50% ao ano por um período considerável, despertaram o interesse do investidor e o negócio no valor de 78 milhões de euros foi visto como um investimento sólido por parte da MTG, interessada em manter a aposta nos eSports e potenciar o crescimento da marca ESL que, já no seguimento deste negócio, faz este ano a sua estreia no enorme mercado do Sudeste Asiático, com a recentemente anunciada ESL One Manila 2016. De notar que o evento em questão movimenta muito mais além da venda de bilhetes e itens online, ou das verbas de publicidade. Há bilhetes à venda para quem quer marcar presença in loco, e, dentro destes, diversos pacotes que vão desde as meras dezenas de euros por um lugar no evento a várias centenas ou milhares e que incluem refeições, estadias em hotel e meet-n-greet com os principais jogadores. Isto é sinal de alguma maturidade no negócio da organização de eventos de eSports e algo que, decididamente, tem contribuído para o seu crescimento. Crescimento e, como vimos, ramificação. Pois, além da competição propriamente dita, que coloca quase uma dúzia de jogadores na categoria de milionários, nesta abordagem que por aqui fazemos e sem ir muito além de uma raspadela na superfície, já falámos do turismo, da restauração, das apostas, da publicidade, das transmissões online e televisivas…

O que é engraçado é que a coisa não parece estar para parar ou abrandar. Ainda parece haver lugar para crescer, ou não fosse o crescimento assombroso. É natural que um ou outro jogo vá dando por terminado o seu ciclo de vida e vá perdendo público e apoios, mas é expectável e previsível que outros venham a tomar o seu lugar e a juntar à sua audiência de raiz, audiências de outros jogos que entretanto se vão aproximando do seu ocaso. Mas por ora, estádios e pavilhões parecem ser pequenos para o número de espectadores efectivamente interessados em acompanhar os eventos.

Talvez por isso pareça haver agora uma nova aposta na descentralização dos eventos, tal como mencionado relativo à ESL. Oh, o sistema ainda tem muitas falhas e há, por vezes, problemas com os vistos e passaportes dos jogadores. Mas há esse interesse. Ou, se preferirmos, há essa necessidade. É que os números apontam para 17 mil milhões de minutos mensais gastos a assistir a videojogos em streams. E o público manda. Muito. Veremos que surpresas nos trará 2016.