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As 30 horas de Xenoblade Chonicles X

Fazendo desde já o devido preâmbulo: o título não pode, de forma alguma, ser levado para o campo político-social. Como assumido socialista que sou, e educado sob a compreensão da fulcral importância que a liberdade tem e deverá ter para toda a Humanidade, nunca o permitiria. O que vou explanar aqui neste artigo é o quão simultaneamente negativas podem ser as noções de liberdade total num videojogo. E o quanto isso me impediu de colocar o soberbo Xenoblade Chronicles X como o meu jogo do ano.

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A queda inicial em Mira

Não há jogo que eu mais tenha ansiado do que Xenoblade Chronicles X. Desde o seu anúncio que contava os dias até à data de lançamento, e quando o jogo ficou finalmente disponível para análise (no mesmo dia que o Mario & Luigi: Paper Bros.) decidi despachar o RPG da Nintendo primeiro para poder estar totalmente livre para aquela que eu queria que fosse a magnum opus da Monolith Soft. Mas não é.

O impacto inicial com XCX é surpreendente, mas não é cativante ao ponto de nos manter automaticamente submersos em Mira. A narrativa é simples, diria até simplista, trazendo uma série de clichés de sci-fi misturados sem qualquer vergonha em fazê-lo. E nessa primeira hora de jogo percebemos: XCX é um jogo mecânico, visual, e não é de todo um jogo narrativo. E logo aí logram-se algumas das expectativas em relação ao patamar criativo onde Xenoblade Chronicles colocou a série.

Ainda não estava a jogar XCX há vinte minutos e tive de recorrer ao manual de instruções do jogo. Acção que tenho repetido diversas vezes nestas trinta horas de jogo. Este despojamento de tutoriais contemporâneos é, ao contrário do que se espera, uma lufada de ar fresco. Os developers de XCX querem, à semelhança da nave-mãe White Whale que se despenha em Mira, atirar-nos para o jogo quase sem preparação, fazendo-nos aprender a sobreviver a progredir através dos nossos próprios falhanços. Falhanços esses que ocorrem, muitas, muitas vezes.

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Quando o infinito equivale ao vazio

Xenoblade Chronicles X possui muitas missões principais, secundárias e de afinidade para compelirmos. As primeiras horas de jogo demarcaram a vontade do jogo ser um MMORPG single player, se é que esta definição faz sentido. Há uma abertura e uma liberdade em todo o jogo que são rapidamente perceptíveis quando começamos a observar a imensidão do mundo que penso nunca ter visto em jogo algum. É aquela montanha longínqua que nos fará percorrer quilómetros para alcançar, é aquele lago que parece demasiado distante para alcançar, ou as grutas que nos parecem transportar para outro mundo. E é no fundo, a nossa pequenez perante um mundo gigantesco, onde alguma da fauna é tão colossal que pouco mais somos do que o tamanho de um dedo de uma pata posterior.

E é nesta abertura total de XCX que recai a dicotomia de sentimentos que nutro pelo jogo e os problemas algo incoerentes que sinto para com ele. A par do que recuso em pen and paper RPGs, faz-me uma tremenda espécie sentir as paredes invisíveis que um Dungeon Master menos apto demonstra perante os seus jogadores, assim como rejeito a percepção dessas mesmas paredes ou esses enfileiramentos narrativos em videojogos. O equilíbrio entre condução de experiência e sensação de liberdade é feita com um balanceamento complicado entre livre-arbítrio e sugestão, e a resposta entre estes dois factores resulta no usufruto da experiência.

No ponto oposto à falsa liberdade de alguns jogos existe algo diferente, noutro espectro, a que normalmente apelidamos de “medo do branco”. É o escritor, que sem quaisquer linhas condutoras petrifica perante o ficheiro branco do Word ou o artista visual que congela perante a imensidão quase infinita do suporte branco, vazio, aterrorizador. Falando com experiência própria em ambos os casos, sempre senti que a liberdade criativa total era inimiga da produção, no sentido em que toda ou quase toda a imaginação/criação necessitam (quase) sempre de uma fagulha comburente à ignição de uma ideia ou conceito. Nada surge no vácuo, e é por isso que a ideia de conceber e idealizar sobre o vazio, a definição de liberdade total, é enganadora.

Transponhamos esta definição para um videojogo e conseguimos perceber o gigantesco vazio que causa o excesso de liberdade que os developers de Xenoblade Chronicles X lhe imputaram. Desde o primeiro segundo que nos é possível correr os diversos hexágonos subsequentes que constituem os diversos continentes. E só não o fazemos com maior facilidade devido à décalage de nível dos diversos hexágonos e a grande probabilidade de nos cruzarmos com uma criatura que nos matará a party inteira com um só ataque. O que significa que podemos fazer tudo, mas simultaneamente não o podemos fazer.

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A estranha sensação de estar perdido

Em Xenoblade Chronicles X podemos fazer o que quisermos, quando quisermos e da forma que melhor nos aprouver. Podemos ignorar as missões e ir explorar o mapa até onde nos é permitido. O que foi exactamente o que fiz, especialmente porque numa das primeiras missões da história principal um pré-requisito para a completar é possuir 15% de exploração na região inicial. O problema é que a definição de exploração vai para além do que estamos habituados de ser a simples visita de um mapa novo. Aqui necessitamos de completar objectivos em cada objectivo, desde instalar sondas, descobrir tesouros ou matar criaturas especiais de seu nome Tyrants. O pior disto são dois factores simples: percorrer o mapa para completar alguns dos objectivos dos diversos hexágonos obrigou-me a calcorrear a região toda por mais de doze horas, sendo que em muitas destas porções tinha de correr sem olhar para trás sob risco de morrer instantaneamente.

Xenoblade Chronicles X carece de um sentimento de recompensa e progressão mais presentes para o jogador. Ao longo das trinta horas que já joguei e em que tenho dedicado muito tempo a fazer missões secundárias e explorar o máximo possível, sei que o combustível para tudo o que estou a fazer é algo elementar: progredir o suficiente na história para poder ter acesso aos Skells, os fantásticos mechs que são sem sombra de dúvidas um dos grandes elementos de venda do jogo. Mas apenas isso.

A sensação de progressão em single player RPGs e MMORPGs de sentirmos a evolução do nosso avanço nos mapas pela dificuldade dos inimigos aqui cai por terra. Ao lado do hexágono inicial podemos cruzar-nos com um onde coabitam animais com 20 ou 30 níveis acima do nosso. E assim sucessivamente numa trama que ainda que seja conceptualmente coesa, acaba por dificultar-nos a verdadeiramente livre exploração imediata do mundo.

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Um estranho numa terra estranha, mas por pouco tempo

Xenoblade Chronicles X é um dos mundos mais surpreendentes que já vi. É plausível, coeso, brilhantemente concebido como se de um ecossistema alienígena real se tratasse. Diversas são as situações em que paramos simplesmente para ver o que nos rodeia, desde os acidentados geográficos que parecem rasgar o céu, até aos titânicos quadrúpedes que caminham lentamente pelas planícies.

Mas e qual é a motivação para lá permanecermos muito tempo? O excesso de abertura e de possibilidades de execução acabam por contribuir para um certo desnorte aos jogadores, para uma sensação quase de rejeição e de falta de pertença. Mesmo o exímio e complexo combate, o excelente nível visual do jogo em todos os seus aspectos e a promessa de pilotagem dos Skells não foram suficientes para me fazer progredir para além das trinta horas, numa fase em que larguei XCX há duas semanas e ainda não me senti impelido em tocar-lhe outra vez.

Será que para mim Xenoblade Chronicles X é uma espécie de vinho do Porto branco, ao qual apenas consumo em pequenas doses, saboreio, desfruto de cada prova, mas que não poderia, nem sentiria a necessidade de consumir de um trago? Será que a verdadeira e total abertura que os developers imputaram ao jogo sob sacrifício do enredo e imersão terão sido um dos meus desmotivadores progressivos (de notar a vontade expressa da equipa em focar-se na história no próximo jogo)? Será que este período de afastamento do jogo e o final acesso aos Skells far-me-á usufrui-lo de outra forma, e encontrar a ligação inequívoca que tarda em falhar?

E será que, a desilusão e o desnorte quase hipócritas que sinto com um dos melhores jogos que joguei no ano passado não serão mais do que reflexo de um auto-estabelecimento de expectativas para o que eu queria que fosse  o jogo? Ou será que o próprio Tetsuya Takahashi tem a percepção que o excesso de liberdade é, neste caso, liberdade a mais? E que perante (quase) todas as possibilidades o enfado sobrepõe-se ao usufruto?

Quero ter vontade de voltar a Mira, mas com toda a honestidade ainda não a possuo. Quero lá voltar quando esse desejo for honesto, arrebatador e que complete as expectativas que tenho para com o jogo. Até lá deixo-o em pausa, a marinar, com a esperança que a vontade de um trago de vinho do Porto branco me desperte uma emoção transcendente que tanto procuro, e que encontre o entusiasmo na abertura total de um mundo que deixou de me despertar a curiosidade.