Tive alguma dificuldade em jogar Saint Seiya Soldier’s Soul para analisar. É extremamente complicado tentar olhar para algo baseado no faz parte de nós, da nossa infância ou adolescência, que neste caso está literalmente debaixo da minha pele, com um olhar totalmente isento. É impossível nesta e em qualquer situação porque vamos ser sempre parciais em algum ponto. Eu não gosto de certos tipos de jogo, portanto se tiver que analisar algo nesse estilo, vou logo fazer com um pé atrás, começam com pontos negativos. E não faço isso por mal, todos nós o fazemos, diariamente em todas as situações. É um bocado como na música. Dúvido que alguém veja qualidade no “Hit me baby, one more time” da Britney Spears, é mau, é pop de baixa qualidade, mas se ouvirmos a mesma música pelos Travis em acústico até parece agradável. A mesma coisa com “Trift Shop” de Macklemore e a versão de PMJ. Há certas coisas que nos são inerentemente desagradáveis num formato, há outras que independente do formato são nos sempre agradáveis, este veio num jogo de luta, assim como Transformers: Devastation num beat’em up, só que por mim podiam vir num jogo de The Sims ou num clone do Candy Crush, eu muito provavelmente ia gostar à mesma.
Era suposto eu ter feito uma análise completa do Saint Seiya Soldier’s Soul. Mas como apenas discordo do Ricardo ligeiramente em alguns pontos, não há necessidade de outro artigo. Prefiro falar de jogos e entretenimento, mas baseado em outro ponto, uma espécie de virulência que se espalha nesta indústria que amamos e outras: A exploração da nostalgia.
Nos últimos anos temos tido uma enchente de remakes, sequelas, prequelas, reboots, e tantas outras maneiras de enfiar-nos à frente aquilo que já vimos, lemos, ouvimos e jogamos tantas vezes antes mas nunca conseguem dar aquela sensação perfeita, continuam a tentar e nós continuamos a comprar e a não gostar, portanto onde está a falha?
Quais as razões de mungir a vaca das nossas recordações?
É simples: fazer dinheiro, a razão de tudo no mundo actual.
Mas porquê a nostalgia? Aí é que o enredo adensa.
Nós, nascidos entre 1970 e 1985, crescemos numa altura de mudanças, não só existiu um boom em termos de publicidade e comercialização de brinquedos e desenhos animados (que no fundo eram simplesmente anúncios de 20 minutos para os brinquedos), como em avanços tecnológicos e implementação de vários elementos que hoje são pilares da cultura pop. Transformers, M.A.S.K, Battlestar Galatica, Thundercats, G.I. Joe, Saint Seiya, He-Man, Knight Rider, MacGyver, The A-Team, Star Wars, She-ra, Indiana Jones, Tron, Terminator, Robocop, Voltron e outros. Aqueles que vimos isto enquanto crianças têm grandes recordações desses desenhos e séries, e sempre que ouvimos alguém falar que vão ser refeitos arrepia-nos um pouco, dá um calafrio na espinha que eriça os cabelos na nuca. E quando são realmente feitos e os vemos… Felizmente desistiram de fazer o MacGyver de novo porque o Knight Rider, A-Team, por amor da santa! Eu sei que estou a fugir ao tema dos jogos mas no final, se aguentarem até lá, vai fazer sentido. Espero…
Porque é que alguns funcionam e outros não?
Quando G.I. Joe foi passado para live action não tinha ponta por onde se lhe pegasse, a parte interessante dos G.I. Joe era os fatos estranhamente específicos para cada um deles. Quando o filme tem 4 numas armaduras iguais perdeu a sua alma. A-Team em filme era violento demais, o encanto da serie era ver aqueles 4 ajudarem as pessoas injustiçadas com recurso a engenhocas malucas sem nunca matar ninguém. Lembram-se da quantidade de carros que viravam e explodiam na serie sem ninguém se aleijar a não ser que o enredo assim o pedisse para aumentar o drama?
Ao mesmo tempo outros funcionam, porque respeitam o formato original na integra ou quando alteram entendem e respeitam o encanto original como aconteceu em Battlestar Galatica ou em Star Wars: The Force Awakens. Quem já viu, sabe que gosta dele porque respeita o original. Talvez demais, mas isso não discussão para aqui.
Mesmo assim, quando vemos os remakes, não temos “aquela” sensação. Há algo ali que falha, mas porquê?
Porque já não somos crianças, não é novidade. Sendo totalmente sincero admito que as séries e filmes naquela altura já não eram grande coisa, salvo algumas excepções. Eram básicos, com enredos sem conteúdo, por algum motivo havia sempre crianças e uma mascote irritante para lá metidos, mas nós eramos crianças, era novidade e ficou connosco não porque era bom, mas porque nos lembra uma altura em que nós (e espero que todos os leitores) eramos felizes.
A jogada de marketing perfeita!
Quais de nós é realmente feliz hoje em dia? Que faz o que quer, porque quer? Alguém?
Vamos ver isto de um ponto de vista matemático e físico. Eu acho fantástico como nós conseguimos funcionar brilhantemente com 6 horas de sono por dia. 8 ou mais horas a trabalhar, 6 para os caminhos entre casa e emprego, miúdos na escola (quem os tem), limpezas e lavagens, compras, cozinhar, jantar e sobram 4 horas… 4 miseráveis horas por dia para fazermos o que quisermos. E aí temos poucas hipóteses, já esgotados dos problemas diários que sugam as nossas essências, sorrisos e alma: Ficamos a ver reality shows na TV onde a burrice e mediocridade é recompensada? Fazemos scroll no Facebook a ver outros fingirem que estão felizes? Afogamos tudo num bar? Ou tentamos tudo o possível para ir aquele cantinho da nossa memória em que não existiam preocupações além de se o Optimus Prime ia derrotar o Megatron, o Seiya ia conseguir salvar Atena derrotando mais um Cavaleiro de Ouro ou Garth e Karr iam mesmo conseguir destruir Michael e Kitt?
É esta estratégia que os produtores usam para nos fisgar, é este o isco no anzol deles, porque sabem que nós temos duas coisas essenciais para eles: A necessidade desse escape, e algum dinheiro para o fazer, então carregam-nos de tudo em todas as plataformas possíveis para que gastemos dinheiro com eles.
Então e os videojogos perguntam vocês?
Os videojogos é o pior, porque é o veiculo perfeito para carregar de nostalgia, e agora é que as empresas estão a começar a entender isso. Algumas já estavam, especialmente devs indie que recorrem ao aspecto retro nos seus jogos porque nos é familiar e atrai. Se é mais fácil programar assim ou até necessário para o jogo, duvido, mas que ajuda vendas, ajuda.
Agora as produtoras de videojogos de grande nome já se aperceberam disto também, e tanto para o bem como para o mal, têm nas mãos a plataforma perfeita para explorar. Quando digo explorar é no sentido mais negativo da palavra porque sabem que nós queremos e até um certo ponto precisamos desta fuga os produtores vão secar esta mina até não poderem mais.
Mas também há um lado positivo que não podemos esquecer, olhemos para Saint Seiya Soldier’s Soul. É um jogo de luta, há milhentos por aí, vários são melhores, mas para mim fã absoluto da série, não há mais nada. Eu até tenho jogado pouco mais que isto desde que o tenho. O Ricardo refere o desnível entre os personagens no seu artigo. É verdade, há diferenças, mas para mim isso está perfeito. Quem conhece a série sabe que os Cavaleiros de Bronze são os mais fracos de todos, e mesmo assim conseguem superar as dificuldades, são 5 Cavaleiros de Bronze que derrotam os de Ouro, os Cavaleiros de Asgard, Marinas de Poseidon, Espectros de Hades e até os próprios Deuses. O seu nível de poder é à partida inferior, mas com empenho, estratégia e às vezes um pouco de sorte conseguem vencer. O jogo transpõe isto na perfeição. Até o facto de Phoenix Ikki estar quase ao nível dos Cavaleiros de Ouro em vez de os de Bronze está perfeito. O jogo tem falhas mas eu não lhes ligo. Apesar de ter 70 personagens jogáveis gostava que tivesse mais uns Cavaleiros de Prata e/ou os Cavaleiros do spin off Lost Canvas, a minha série favorita de Saint Seiya mas não se pode ter tudo. Talvez num DLC ou jogo futuro…
Outro bom exemplo é o de Transformers: Devastation. Apesar de ligeiramente mais modernizado o jogo é uma reprodução quase perfeita dos Transformers G1 com os quais cresci. Desde as vozes pelos actores originais, ao enredo completamente ridículo passando pelas transformações perfeitamente iguais aos brinquedos.
O jogo teve críticas negativas em alguns aspectos como o facto de ser curto (apenas 5 horas para acabar), ou a falta de mais personagens. Mas eu não acho. O jogo é perfeito para o que quer fazer. Olhando bem para ele é um episódio de Transformers mas que nós podemos jogar. Quantos de nós não quiseram um jogo assim antes? Quem fez este jogo é um amante dos Transformers, deu-nos o jogo que queríamos há anos, porque toca em todos aqueles botões certos e nos faz sorrir. Quando peguei em Devastation pela primeira vez, o meu sorriso era enorme, foi como se o meu cérebro tivesse recuado no tempo até 1988 e eu tinha os olhos a brilhar em frente ao monitor. Quando o joguei depois, e ainda jogo intercalado com Soldiers Soul continua.
É por isso que os videojogos são a plataforma perfeita para a nossa fome de nostalgia, feito com inteligência conseguem alcançar a nossa criança interior, conseguem que ela saia dos confins do nosso ser cá para fora para dar descanso ao adulto.
Como não tem que se servir a um público geral como a TV e Cinema, os videojogos conseguem ser um meio no qual estes títulos podem ser mais respeitados em vez de alterados para agradar a Gregos e Troianos. E Romanos (que são os accionistas e directores).
Mas vai acabar um dia, o público vai deixar de querer!
Talvez, mas não vai ser para já tendo em conta que agora é que os grandes estúdios estão a pegar nisto.
Uma equipa de pessoal simpático está há uns anos a tentar fazer um jogo do Saber Rider and the Star Sheriffs para PC e 3DS. Tiveram alguns problemas em conseguir fundos no Kickstarter, até porque a série não é das mais conhecidas mas pode ser que ainda consigam atingir o seu objectivo de lançar o jogo em 2016. Eu gostava que conseguissem porque era uma das minhas favoritas.
A PlatinumGames teve bastante sucesso com Transformers:Devastation para ponderar uma sequela deixada no ar (quem jogou até ao fim sabe do que estou a falar). Para o ano já está a ser feito um das Tartarugas Ninja, que espero que tenha o mesmo tratamento respeitoso que este teve, mas com a possibilidade de co-op. Qual é a piada de jogar com Leonardo, Michelangelo, Donatello e Rafael sem ser com os quatro ao mesmo tempo? Depois desse e nos darem a sequela de Devastation (Combiner Wars, ou seja o que for, mas com mais Autobots e desta vez a escolha de Decepticons também, por favor) podem pegar nos outros: Thundercats, He-Man, The Centurions, C.O.P.S. Batman The Animated Series… a despensa de ingredientes está aberta.
E eu estou à porta do restaurante cheio de fome.