A geração da N64 foi justamente a única da Nintendo que eu saltei para a concorrente Sega. Convenhamos que nem era uma questão de escolha, era mesmo pelo facto de que aos 13 anos a falta de possibilidade económica da minha família em comprarem-me uma consola novinha (que à época devia custar quase o equivalente a todo o nosso orçamento mensal familiar) deixou-me à mercê de ter o que viesse. E ainda que babasse com os vídeos de gameplay que o (malvado) Templo dos Jogos mostrava, assim como ver o jogo na montra durante as idas à célebre Orvil do Centro Comercial da Portela, pouco ou nada havia a fazer que não fosse ver e admirar. E a sorte lá chegou e um dia o meu primo ofereceu-me a Sega Saturn dele que ele tinha comprado em 2º mão nas nossas habituais idas à Feira da Ladra.
Dito isto tenho de admitir que nunca tinha jogado Turok: the Dinosaur Hunter, ainda que tivesse contactado com algumas das bandas-desenhadas da Acclaim que deram origem ao jogo, folheadas em alguns dos alfarrabistas que frequentava na altura. Apesar do conceito do jogo parecer estranho, temos de admitir que por muitas ideias estranhas que se espalharam pelo nosso crescimento enquanto jogadores, esta não era de certeza a mais bizarra. Controlar na primeira pessoa um índio viajante no tempo que tem de lutar contra dinossauros, alienígenas e outros humanos parece-me algo tão plausível como, sei lá, um canalizador que tem um híbrido de dragão e tartaruga como arqui-inimigo.
Turok: the Dinosaur Hunter era deslumbrante de se ver em 1997, e lembro-me de achar (como acho que todos fomos subsequentemente achando) que tínhamos chegado ao cúmulo da evolução gráfica. As partículas, a velocidade e a névoa que cobriam a profundidade de campo de Turok faziam dele verdadeiramente especial. É claro que todos sentíamos o nosso adorado Doom ali pelo meio, já que era uma referência impossível de escapar. O próprio director do projecto, David Dinstiber, contou à época da sua vontade de fazer de T:tDH num jogo na terceira pessoa à semelhança de Super Mario 64 e Tomb Raider, mas que decidiu enveredar pelos FPS. E esta talvez tenha sido a decisão mais sensata pelo ritmo de jogo que Turok possui.
Este remake para PC recentemente lançado pela Night Dive Studios no Steam (os responsáveis por trazer o System Shock para a plataforma) não é a primeira iteração de Turok: the Dinosaur Hunter nos computadores. Meses depois do lançamento original na N64, os computadores domésticos viram chegar de forma mais subtil e com menos pompa e circunstância uma versão para PC. Mas para a memória colectiva ficou para sempre o cartucho da N64.
Ao contrário de outros corridor shooters da época, e de muitos outros que nos pegam hoje pela mão e nos levam por corredores bem estreitinhos, sem espaço para livre-arbítrio, Turok: the Dinosaur Hunter tinha uma grande componente de exploração e platforming em torno de si. As armas eram variadas, ao bom velho estilo extreme da década de 1990 dos FPS, e iam desde uma simples faca até a armas alienígenas que disparam explosivos verdes compostos de luz.
Nesta nova versão podemos configurar a distância à qual o jogo começa a apresentar a célebre névoa, contrariando a versão original em que literalmente só víamos um palmo à frente dos olhos. As questões técnicas que explicam esta decisão de design feita em 1997 não se sobrepõem de todo ao seu efeito conceptual. Os sustos de vermos dinossauros a correrem na nossa direcção que só saem da névoa a pouca distância de nós, quais D. Sebastião reptilianos sedentos de sangue, ajudavam a criar o ambiente que deixou os nossos olhos, à época, maravilhados. E esta névoa era também parte da dificuldade de todas as sequências de plataformas que abundavam no level design de Turok: the Dinosaur Hunter e um dos contribuidores para o seu desafio e a nossa frustração.
Como muitos títulos de uma “primeira vaga” de jogos tridimensionais nas consolas, parece-me que os óculos da nostalgia toldam a imagem que temos de Turok. Vejo pelo meu caso que não o joguei à época, e só agora confronto a acção de jogar esta versão remade com a impressão deixada no canto da minha memória. É um jogo frenético, divertido, histórico, desafiante, mas os inimigos e os bosses, na sua gritante monotonia, acabam por relembrar as fragilidades que o jogo tem.
Quase dezanove anos passaram desde o seu lançamento, e este Turok no Steam tem acima de tudo uma tarefa de trazer a possibilidade de jogar um jogo marcante da história dos videojogos a jogadores mais velhos como eu e a jogadores mais jovens que não o jogaram.