O Barão percorre a configuração labiríntica da sua mente, abrindo portas que dão a lugar nenhum, caminhos empedrados de bloqueios emocionais e décadas de dissociação de personalidade. A sua memória desestruturada começa a ruir, sem que as diversas alas da sua lembrança se organizem em algo tangível ou compreensível. E na tentativa de reconstruir o seu pensamento, o Barão ficou para sempre soterrado entre décadas de memórias suas mas que nunca iria conseguir identificar.
Este poderia ser um pequeno conto a acompanhar o lançamento do jogo indie exclusivo da 3DS, criado pelo estúdio espanhol Delirium Studios, autores de uma das minhas menções honrosa do ano passado: Rivers of Alice. The Delusions of Von Sottendorff and his Square Mind, o brilhantemente discreto jogo de puzzles criado para a portátil da Nintendo com o apoio do Fundo de Desenvolvimento da UE chegou-nos para análise na última semana do ano passado, mais propriamente no dia 24 de Dezembro, o dia em que o instalei na consola…
…e depois de o jogar durante dois dias esqueci-me dele: a azáfama das Festas e as consequentes férias desligaram-me por completo do que tinha instalado na 3DS. E depois, Ano Novo, novos lançamentos para jogar e só há 3 dias me cruzei de volta com Von Sottendorff, cujo peculiar conceito estava a deixar-me interessado enquanto o jogava. E façamos justiça ao aristocrata.
A ideia subjacente a este jogo de puzzles é a de que estamos a percorrer várias alas e salas de uma mansão que não é mais do que a própria mente do protagonista. O ecrã demonstra as divisões sempre cúbicas, e cuja organização e disposição nos é permitido alterar. É aliás, essa a grande mecânica do jogo: percorrer os diversos níveis constituídos por uma série de salas/cubos, e encontrar não só as peças do puzzle da memória do protagonista, o Barão Von Sottendorf, como a chave de passagem para a próxima ala(nível).
Aqui temos de rodar as salas para perceber qual a melhor forma de conectar as portas de acesso a cada uma das divisões, para que o Barão, no caos da sua mente, consiga reconstruir o novelo das suas memórias. As mecânicas são curiosas e têm uma abordagem que nos faz lembrar o “nosso” Munin, mas numa aposta nos puzzles tridimensionais. Reorganizar os diversos cubos para que um alçapão dê acesso a uma plataforma inacessível num cubo inferior, ou reorganizar algumas salas para que aquela porta que aparentemente não conecta com divisão alguma consiga dar acesso a espaços até então inantigíveis, são apenas algumas das simples tarefas que temos de fazer para percorrer toda esta estranha mansão.
As componentes de puzzle game são criativas mas acabam por ficar aquém da apresentação e das mecânicas de salto e plataformas. É certo que o jogo é um exclusivo 3DS que não tem, com sabemos, as mesmas potencialidades técnicas da PS Vita (por exemplo), mas o estilo cartoonizado deste The Delusions of Von Sottendorff and his Square Mind parece ficar esteticamente aquém do que poderia. Algo que facilmente seria resolvido se a técnica de cel-shading fosse utilizado para criar ainda maior coesão entre as ilustrações que contam a história e o jogo propriamente dito. E é claro também que a história é apenas um sabor acrescentado ao jogo, cujo foco essencial são os muitos puzzles, e ainda que a narrativa seja interessante, não é de todo profunda. Mas também acredito que não o queria ser.
A imprecisão do salto (e a sua desconexão com a câmara) acaba por ser um erro fatal em alguns níveis, em especial aqueles que têm um countdown e em que um ou dois saltos mal-conseguidos significam que teremos de refazer tudo do início.
The Delusions of Von Sottendorff and his Square Mind parte de um óptimo conceito, é divertido ao longo dos seus 40 níveis, em que cada uma das 200 salas que constituem todo o jogo demonstram um óptimo trabalho de level design desenvolvido pelos espanhóis da Delirium Studios. Mas houve algo na promoção do jogo, ou mesmo do período do seu lançamento que parece tê-lo remetido para um canto onde quase ninguém dos media ou do público olhou para ele. Ou talvez fosse essa a vontade do Barão, sem capacidade de reacção dentro dua sua mente desestruturada e cúbica.