Nota do Editor: Há meses a Alexa sugeriu-nos começar uma rubrica dedicada ao catálogo escondido das velhinhas PlayStation 1 e 2 (e talvez da 3), que nos preencheram enquanto jogadores e que é possível que tenham passado ao lado para alguns de vós. E é por isso que hoje arranca a edição 0 de uma rubrica que será escrita a quatro pares de mãos sobre algumas das pérolas esquecidas (ou não) das consolas antigas da Sony. Este artigo, introdutório, explica a proximidade que todos já conhecemos da Alexa com a PS2, e em jeito de Post Scriptum, seguimos viagem.
Olá PlayStation. Lembras-te de mim? Tenho algum medo que ao escrever esta carta não saibas quem eu sou. Não sei como me apresentar para que tu me reconheças, mas vou tentar.
O meu nome é Alexa, mas quando nos conhecemos, eu apresentei-me com o meu nome de jogadora: Aoussa – a Loba. Não me faças perguntas do porquê deste nome… é muito íntimo e a pouco e pouco, com cada jogo teu que partilhamos em conjunto, tu descobres um pouco mais da minha identidade….aquela que construo quando estou contigo.
Alguns dos meus amigos chamam-me “Fangirl” por gostar tanto de ti e de todas as tuas consolas. Que chamem o que quiserem. Sabes como eu sou critica contigo e honesta em tudo o que te digo. Sabes como me desiludiste com a PS3 – prometeste tanto e deste tão pouco. Estarei a ser injusta? Se calhar não deste pouco, mas quando comparado com o ofereceste ao Mundo com a tua “rainha” – a PS2 – não consigo deixar de sentir que te desleixaste um pouco. Felizmente agora estás a regressar e a ouvir aqueles, que como eu, querem sempre que sejas mais e melhor.
Mas não quero falar do presente. Escrevo-te esta carta porque tenho saudades dos tempos que passei contigo e a que é para mim a rainha de todas as consolas: a PlayStation 2. Não, não era a mais avançada nem sequer, tecnologicamente, a melhor. Mas pode comparar-se a qualidade de jogos que lançou no seu tempo com qualquer uma das duas consolas rivais? Não me parece. Foram tempos gloriosos e que fizeram de mim a gamer que sou hoje.
Acho que sabes que sou aquilo que os gamers chamam: uma “late gamer”. Apesar de ter nascido em 1977, cresci numa família que não tinha dinheiro e por isso perdi toda a fase do Spectrum, Mega Drive, NES e outras, porque simplesmente não tinha como as jogar. Jogava algumas vezes em casa de amigos, mas tu sabes que não é a mesma coisa.
Dentro de mim, sempre existiu uma gamer…uma rapariga que não se ajustava aos padrões…uma parte de um clã de irmãs que procurava as experiências sentidas e vividas em conjunto, com um amor que só irmãs assim sentem e entendem….uma criança que sonhou ser arqueóloga e que se transformou em psicóloga….uma mulher que carrega em si uma Aoussa… Essa parte minha vivia presa, ansiando pela liberdade de se perder em Mundos distantes e sentir outras emoções e facetas de si mesmo. Facetas que os livros e filmes acendiam, mas sem chegarem a incendiar.
Sabes que tudo mudou quando conheci a Lara Croft em 1996. Só eu e tu sabemos como ela mudou o meu rumo. Ali estava: a arqueóloga que explorava mundos desconhecidos sem medo. A Lara deu-me a chave das algemas que prendiam a gamer. A liberdade foi sentida e a gamer nunca mais voltou a aprisionar-se. Fui jogando devagar…não tinha muitas oportunidades a não ser com a PlayStation 1 que consegui comprar usada.
No Natal de 2000, as minhas irmãs fizeram um esforço titânico de poupanças e compraram-me uma PlayStation 2. Eu tinha 23 anos….quase 24. Gritei como uma menina histérica. Uma adolescente a ver o seu ídolo. Chorei de emoção, acreditas? Sabia o esforço financeiro que aquele presente, na altura, acarretava para a minha família. Sabes porque me ofereceram? Pelo simples facto de entenderem que me estavam a dar uma parte de mim que precisava sair. Ofereceram-me o presente que apenas se oferece quando se conhece muito Bem alguém. Aquele conhecimento que só o amor reconhece.
Comemorámos as 5. A prenda era das 5. Sabes qual foi o jogo que me ofereceram nessa noite? Baldur’s Gate – Dark Alliance. Nunca mais me vou esquecer. A madrugada da consoada foi passada em família. O clã de irmãs à volta da televisão e da minha amada consola, a explorar aquele fantástico RPG. Rimos, discutimos, debatíamos a história e estratégia. Tu entraste nas nossas vidas e fizeste parte de nós. Nessa altura estava na faculdade e o melhor momento do meu dia era chegar a casa, ligar a consola, ver a tua luz acender-se, ouvir aquele som mágico que qualquer jogador reconhece, e explorar mundos remotos num qualquer lugar inexplorado. Despir a minha pele e vestir a da loba. Sentir a minha mãe e as minhas irmãs comigo em todas as jornadas.
Quando comecei a trabalhar, comprava um jogo por mês de forma quase religiosa. Era a parte melhor do meu mês. Uma espécie de ritual sagrado. A escolha de qual jogo comprar e joga-lo até ao fim. Sem ver nada na internet. Sem “cheats” ou “walkthroughs”…. não procurava a experiência dos outros. Queria viver e construir a minha. Guardo cada jogo que comprei como se fosse um tesouro.
Lembras-te quando te apresentei ao meu melhor amigo? Os 3 passamos dos melhores serões e noitadas de que me lembro em toda a minha vida. Gelados, café, bolachas, cigarros e um jogo pela noite adentro. Literalmente…até o Sol nascer. Tão simples…tão bom…
Os anos do teu auge foram para mim os anos de Ouro da indústria. Títulos irrepetíveis foram lançados nessa altura. A criatividade estava no seu auge. A originalidade era um dado adquirido. Cada jogo que comprei foi quase uma peça de puzzle que fui construindo da gamer que hoje sou. A ti devo a minha absoluta paixão por videojogos. Tu mostraste o poder que um videojogo tem para expressar o mais infinito espectro das emoções humanas. Tu mostraste que os videojogos merecem ser considerados uma forma de arte, que nada tem de menor que o cinema, música ou qualquer outra. Tu mostraste que os videojogos não são uma “coisinha” de miúdos. Fizeste tanto pela indústria…será que o Mundo se apercebe disso?
Tenho saudades tuas PlayStation 2. Não me leves a mal – a tua sucessora mais recente é fabulosa. Mas havia algo na tua genial simplicidade que ainda me faz sentir vontade de voltar atrás. Às vezes sento-me, ponho um jogo na minha PS2 e estou um pouco contigo. Sinto alguma nostalgia pelos momentos que passámos. Sinto pena que o teu tempo tenha passado. Será que o Mundo se apercebe do legado que deixaste?
Eu apercebo-me! Ficar-te-ei eternamente grata pelo que fizeste pela indústria e por mim, enquanto gamer. O teu legado ainda se sente.
Já te lembras de mim agora, PlayStation 2? Se não te lembrares…não faz mal…quando amo, eu não desisto. Em breve, voltarei a falar contigo. Quero lembrar-te as melhores aventuras que vivemos juntas. Juntas, recontruiremos a tua memória e desvendaremos ao Mundo o teu legado.