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Digam-me um criador que não tenha qualquer influência do trabalho de outro e outros, e dir-vos-ei com toda a certeza que é impossível. Locke e Hume defenderam uma espécie de estado tabula rasa da consciência, inconscientes, diria eu, da dificuldade emotiva e intelectual de separar o contacto que tivemos com o que nos rodeia. E é por isso que ainda que não seja visível em toda os criadores, há algo de influência externa que se interliga com a sua própria idiossincrasia e que culmina na sua própria obra.

Dito isto, idolatrarmos um autor e a sua obra e querer homenageá-la como parte do nosso trabalho nem sempre é um bom ponto de partida. Sou um fã de comédia e cresci a acompanhar o humor do final dos anos 1970 e de toda a décadas de 1980,em que Mel Brooks e os seus filmes (cuja produção qualidade entrou ainda pela década de 1990) são de longe uma das minhas maiores referências. O que não significa que queira desenvolver a minha carreira artística em torno dele. A filmografia de Brooks faz parte da minha construção pessoal e cultural, mas considero que em fazer-lhe uma homenagem em qualquer das áreas em que me movo ficaria sempre aquém do original. Para o estúdio Oointah o realizador e argumentista Mike Judge é a sua maior influência, em especial os seus Beavis and Butthead, Idiocracy e King of the Hill.

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Em Death by Game Show o mundo do Séc. XXVI é completamente controlado por autómatos, que fartos do emburrecimento dos humanos decidem tomar as rédeas do planeta. Mas nesta sociedade de mentecaptos nasce Wutt, o nosso protagonista, que à semelhança de Luke Wilson em Idiocracy, é um tipo com um QI mediano, mas que é, em comparação com todos os restantes humanos, um génio. Com a necessidade de manterem os humanos “na linha”, os autómatos decidem condenar Wutt a execução num programa de sobrevivência televisivo. Uma espécie de programas da noite da TVI, mas em que a única fatalidade acontece ao nível da massa encefálica de quem os vê.

Death by Game Show vai beber visualmente de uma linguagem cartoon-futurista de Futurama. O seu estilo manualmente desenhado que nos embarca num ambiente de tira de jornal funciona, mas o apelo do jogo morre por aqui. Parece-me que mais um de muitos casos de game developers indies a ficarem tão embevecidos com a sua própria esfera de entendimento e cultura pessoais que acabam por alienar o game design para terceiro e quartos planos.

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Num cruzamento estranho entre jogo de arcada e tower defense, Death by Game Show coloca-nos a controlar Wutt num cenário circular, em que temos de invocar pequenos dróides e construir edifícios para nos defenderem. O objectivo é simples: sobreviver a cada uma das vagas de perigos que querem ver a nossa morte em directo. E pouco mais. Isto seria perfeito se as mecânicas de tower defense (um género que tanto me agrada) estivessem devidamente tácticas, definidas, e não apenas caóticas, marteladas e coladas com fita-cola rasca, e a demonstrar pouca solidez. As componentes de arcada de termos de mover o personagem no ambiente side-scrolling para apanhar as moedas que vão caindo dos inimigos destruídos não ajudam a criar a solidez do que falo, tornado esta mistura de dois géneros mais uma amálgama mal-conseguida do que algo reflectido. Isto e o aborrecimento de termos de ver sequências de animação cada vez que morremos, regressamos ao estúdio e temos de rever a animação de início de nível, sem poder ultrapassar e sem ter acesso a esse botão maravilhoso que foi há tantos anos inventado: o singelo “Replay”.

 

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As alusões e tentativas de piadas referenciais ao humor de Mike Judge caem por completo em saco roto e acabam por ser fechadas e circunscritas a citações de filmes que os developers adoraram. Mesmo o setting, que demonstra uma involução humana como muitos autores clássicos de sci-fi tanto falaram, e brilhantemente representada em Idiocracy sabe apenas a película superficial em todo o jogo. Bem sabemos que mais facilmente um humano se dá ao trabalho de tomar atenção ao mais entorpecedor e sem-conteúdos reality shows do que a, por exemplo, ir votar sobre quem acha que deverá ser a figura máxima do seu País. Mas ainda assim o emburrecimento da nossa sociedade é, em Death by Game Show, uma mera palavra ao vento, sem expressão, num jogo excessivamente caótico e demasiado ligado às idiossincrasias dos seus criadores para ser usufruído por nós, que não conseguimos desbravar o caos de game design que por aqui se desenvolveu.