Começo este artigo com uma indecisão constante: não sei estou a escrever para o Chicken Retro sobre um jogo que joguei durante anos na minha Family Game ou se estou a fazer um Caça ao Índio sobre um indie que joguei esta semana. Tenho dificuldade em responder a isto. Muito provavelmente o Prof. Marcelo conseguiria responder-me a esta dúvida sem qualquer dúvida ou hesitação, como lhe é apanágio.
Incluído na minha Family Game (a minha primeira Famiclone), no ido ano de 1990, estava um jogo que de forma singela aparecia no ecrã sob o nome Islander. O que à primeira vista parece uma tradução “da candonga” de um jogo sobre guerreiros imortais que andam a decepar a cabeça uns aos outros, ou de uma adaptação de um walking simulator sobre a vida da Björk, mas não era. Era na realidade a tradução do nome do famoso jogo da Hudson Soft, Adventure Island, um difícil jogo de plataformas que teve imenso sucesso em diversas plataformas (passando o pleonasmo), mas foi na NES que fez furor. E fez também furor na minha casa.
Em comparação com outros jogos de plataformas, tenho de admitir que Islander, ou Adventure Island, era um jogo caricato. Não sei se era de jogar num CRT a preto e branco da Philips dos anos 1970, pequeníssimo, com um maravilhoso celofane verde à frente para dar aquela matiz de cor tão típica de quem cresceu nos 1980s, ou o protagonista deste jogo da Hudson sempre me pareceu um bebé com boné. Mas passados tantos anos, e graças à informação internética, acabei por perceber que não, que se trata afinal de um adulto chamado Master Higgins ou Master Takahashi no original, que foi até Adventure Island para salvar uma princesa.
Há pouco disse que este jogo era difícil, mas convenhamos: nesta geração qual é que não o era? Acredito piamente que grande parte das habilidades e dos reflexos que desenvolvi enquanto jogador se deveram a este jogo e aos seus timings de salto quase impossíveis. Dentro da estranheza que o rodeava, nomeadamente partir ovos dos quais eclodiam, martelos pré-históricos, skates ou fadas, havia um desafio enorme para a época: a quase totalidade do jogo era encarada como um proto-runner platformer e não apenas um jogo de plataformas típico, como SMB.
Quando estávamos em cima do skate não controlávamos a deslocação e éramos obrigados a seguir sempre para a direita. Conseguíamos abrandar o skate e saltar, e era com estes controlos que tínhamos de resolver sequências de plataformas quase impossíveis, em que aterrávamos de skate no último pixel da plataforma apenas para saltar de imediato para a próxima. Era difícil, muito, muito, e acho que após tantos anos que lá regressei e nunca o consegui terminar. E no meio de toda esta dificuldade, o que é que a Hudson nos presenteou? Uma barra de HP/fome, que estava constantemente a decrescer, e que nos obrigava a estar constantemente a alimentar-nos sob pena de perder uma vida.
Avancemos trinta anos, até 2016, quando o estúdio AtomicTorch decidiu fazer Dinocide, uma homenagem a Adventure Island, dando-lhe algumas mecânicas contemporâneas. Com inspiração no clássico de 8 bits mas com uma expressão de 16 bits, a capacidade de montar dinossauros e uma espécie de inventário disponível no início de cada nível. E em tudo o resto Dinocide é Adventure Island suavizado: menos difícil, menos desafiante, e menos interessante.
O que difere da abordagem feita em Dinocide em comparação com a obra original da Hudson Soft é que a tensão decorrente de não controlarmos a deslocação do personagem era o que dava todo o sabor ao jogo, e que lhe conferia uma dificuldade extrema. Aqui não poderia ser mais óbvia a inspiração, ainda que os gráficos actuais nos fazem perceber que o protagonista não é um miúdo de fralda e boné, mas sim um homem pré-histórico. Mas Dinocide é Adventure Island, e não o é o suficiente, e é nesse intervalo entre o ser e o querer ser que cai o seu maior erro. E fica sem espaço suficiente para ganhar mérito por si próprio, ainda que com alicerces no clássico da NES. E por comparação, parece-me ficar verdadeiramente a perder.