Olá PlayStation. Sim…sou eu outra vez. Disse-te que te voltaria a escrever para desta vez partilhar contigo memórias e aventuras que passámos juntas. Nunca falho a uma promessa que faço a quem gosto, por isso aqui estou eu.
A aventura que quero recordar contigo hoje é uma aventura que me marcou profundamente há 13 anos atrás. Meu Deus…como o tempo passa. Vivi essa aventura com o meu melhor amigo em sessões pela noite dentro. Foi dos primeiro jogos que comprei para a PlayStation 2. Lembro-me do dia em que o comprei: passei numa loja de videojogos que ficava num canto escondido do Centro Comercial das Amoreiras. Entrei e na minha procura por algo que apelasse a minha compra, olhei para capa deste jogo. Uma mulher na capa?? Uma mulher que não era a Lara Croft?? Nada normal. Perguntei ao senhor da loja se o jogo era bom. Não sabia – nunca o tinha jogado nem o conhecia muito bem. Sempre fui uma mulher que confia nos seus instintos e por isso peguei no jogo e levei-o.
Como era tradição na minha casa, explorar um jogo novo requeria a presença de todo o clã de irmãs e do meu melhor amigo. Não quebramos as tradições com facilidade e por isso lá estávamos nós à volta da TV.
A imagem aparece no ecrã. Primal – o nome aparece na sua gloriosa simplicidade.
Somos atirados para um beco de Nova York onde ouvimos Heavy Metal. O vocalista de uma banda local é atacado por demónios que o levam para parte incerta e deixam a sua namorada, Jennifer, às portas da morte. Vemos Jennifer em coma num hospital. A sua alma é reavivada por Scree, uma gárgula de pedra encarregue da missão de salvar 2 mundos: o mundo de Jennifer, a realidade que todos conhecemos, e o mundo que ninguém conhece – aquele que se esconde por trás do espelho, dos nossos olhos e da nossa pele. O mundo de demónios e criaturas que tudo controlam. Jennifer segue-o…tudo o que ela quer é encontrar o seu namorado.
Scree fala-lhe de Nexus: uma máquina que controla 2 Mundos opostos: o mundo governado pelo Deus do Caos e um outro governado pela Entidade que procura o equilibrio. O Deus do Caos procura o poder e o ser que controla o Nexus está a perder as suas forças. Até quando conseguirá manter o equilíbrio? Até quando até que o Deus do Caos consiga a invasão de todos os Mundos e destrua a ténue linha que mantém todos os mundos em perfeita harmonia? Scree precisa de Jennifer….Jenn – ela detesta ser tratada por Jennifer. Scree precisa que Jenn o ajude a restabeler a paz nos 4 reinos da Nexus. Só assim consegue parar o Deus do Caos que começa a infectar tudo à sua volta. Jenn não está contente por ser a heroína….mas ela só quer encontrar o namorado outra vez.
Primal é isto. Um jogo de acção extraordinariamente complexo e bem construído. A história é fabulosa e deixa-nos a querer conhecer todos os detalhes de cada um dos 4 reinos que exploramos. Cada reino é vasto, peculiar e único. Em cada reino, Jenn assume a forma característica dos seres que o habitam, de forma a melhor poder combater os seus inimigos e a explorar cada recanto escondido do vasto cenário que nos é apresentado. Num mundo de água – Jenn assume a forma de um ser aquático que não respira em terra.
Cada reino tem a sua própria forma e Jenn adapta-se a cada um como um camaleão. Estas formas podem ser assumidas em qualquer reino, pois precisamos delas para passarmos todos os puzzles e obstáculos que encontramos. É preciso estarmos atentos e sermos inteligentes para sabermos qual a forma que deveremos usar em cada puzzle. Scree ajuda-nos a entender – mas Jenn tem que ser inteligente o suficiente para compreender a maioria das coisas sozinha.
A relação entre Scree e Jenn é deliciosa de se observar e viver. Scree tem muita paciência para a personalidade rebelde, sarcástica e impaciente de Jenn. Jenn ajuda Scree a ver o Mundo com sentido de humor e nunca o deixa desistir de nada. Podemos, a qualquer momento da nossa aventura, alternar com qual jogamos: Scree e Jenn. A distância entre os dois está ao premir de um botão, e embora Jenn seja claramente a protagonista, precisamos de jogar com Scree se queremos escalar paredes e muros que nos parecem intransponíveis, ou usar estátuas para resolver puzzles que nos impedem de avançar.
Primal é subtil nas pistas que nos dá. O mapa ajuda-nos a saber para onde deveremos ir… mas não nos dá a mão. Espera que o nosso instinto de jogador, de explorador, consiga desvendar os mistérios dos puzzles e encontrar o caminho a seguir.
Lembro-me de uma ocasião em que ia enlouquecendo. Numa dada altura subi com Jenn e Scree a um muro demasiado alto para a fragilidade humana de Jenn. Jenn tinha que passar mas não havia maneira de o fazer. Explorei com Scree todas as possibilidades….nada mas nada parecia possível fazer. Dei voltas e voltas. Voltei para trás e para a frente – troquei de personagens…sei lá o que fiz mais. Horas (sim…horas) depois, por acidente, aproximo Scree da berma e carrego no botão X. Sim…por puro acidente, é essa combinação de teclas que faço: na hora certa e no lugar certo. O que acontece? Scree larga uma corda e Jenn pode descer. Quantas vezes eu disse F…se? Não sei! Mais que muitas. A pensar nisso agora, 13 anos depois, a palavra F…se continua a vir à minha cabeça. Jogo – porque não me disseste que Scree tinha uma corda para ser usada? Não estava no inventário. Não apereceu em nenhum “Tutorial”. Adoro explorar e conhecer por mim – mas é suposto eu adivinhar coisas que eu não sei que existem? F…se!!!!
Muitos dirão: “isso é um erro colossal na concepção do jogo”.
A minha resposta é: Até poderá ser. Mas são estas experiências que fazem com que um jogo seja marcante para mim. Para um jogo ser perfeito aos meus olhos, o jogo não tem que ser perfeito em si. A experiência que me dá tem que ser marcante, tão marcante que, 13 anos depois, esteja a falar dela.
Primal é um jogo extraordinariamente bem conseguido. Foi a primeira vez que ouvi um “Voice Acting” a um nível cinematográfico, de uma qualidade que ainda consegue rivalizar com o que hoje se faz.
Primal é um jogo linear, mas com uma história tão intrincada que queremos conhecer todos os detalhes e acompanhar o destino de cada reino. A exploração tem que ser minuciosa – o jogo não trata o jogador como uma criança: ou somos “gamers” e exploramos tudo o que há a explorar, ou não conseguiremos sair sequer do primeiro reino.
Jenn é aventureira, divertida, intrépida e independente. Uma das melhores personagens femininas que já vi em videojogos. Scree é sensato, paciente, sábio – literalmente, a “pedra” que segura Jenn ao seu objectivo.
Primal trouxe de volta os jogos de aventura como eles devem ser. Primal é um diamante pouco explorado pelas pessoas que conheço, é uma aventura que merece ser “Remastered”. Primal trouxe em mim a jogadora “primária” (perdoem o trocadilho) – aquela Alexa que procura nos videojogos as realidades alternativas que a sua alma de Loba necessita.
Pois é PlayStation…esta é a primeira aventura que partilhei contigo através das cartas que aqui te vou escrever. E ao escrever estas últimas linhas…sorrio…olho para a minha PS2 e para Primal. Tenho que terminar esta carta….sei que a Jenn e Scree estão à minha espera e eu não os posso desapontar…