Sou um late bloomer da obra Masashi Kishimoto. Apenas há uns dois anos decidi mergulhar no manga de Naruto para perceber afinal que febre era esta que há muitos anos tomava de assalto o mundo, e onde os videojogos não escaparam. Li com alguma sofreguidão algumas centenas de capítulos, achava o enredo curioso (ainda que longe da verdadeira mestria de storytelling de Oda e do seu One Piece), mas maravilhado com o exímio traço e narrativa visual de Kishimoto. Mas lá parei quando a série teve o seu time-skip e entrou naquilo que é apelidado de Naruto Shippuden. Lá regressei há cinco meses e percebi que a série estava na recta final, e lá devorei tudo até ao ponto em que acompanhava semanalmente o lançamento de novos capítulos até à conclusão da saga. Depois ainda acompanhei a micro-sequela que mostrava Naruto e companhia em adultos. E agora sei que aí vem mais uma série.

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Há um sentimento que possuímos com muitas das séries de TV norte-americanas, que é a falta de noção de quando parar, seja pelos autores estarem toldados pela ganância e o sucesso, seja por falta de consciência do tempo de vida de qualidade útil de uma narrativa ou de um conceito. Foi o que aconteceu com o meu adorado House MD, que vi semana após semana como uma obrigação. E foi o que não aconteceu com Breaking Bad, que soube equilibrar na perfeição o seu tempo devida. Nos manga este síndrome parece ocorrer, especialmente em séries de sucesso como Naruto. Posso facilmente dizer que os últimos meses de acompanhamento semanal da história mais se assemelhavam a cuidados paliativos, e pouco entusiasmo ficava semana-após-semana, que não fosse a vontade de que a história concluísse rapidamente. E enquanto ela não terminava lá víamos a vaca-ninja a ser ordenhada até ficar sequinha, sequinha.

A acompanhar toda a saga do manga foram saindo anime, longas-metragens, spinoffs e muitos, muitos videojogos. Acabei de contar na wiki e são 55 jogos. Isto é 15 anos ou mais. Falava em vaca-ninja não foi?

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Os jogos (ditos) principais acabariam por ser os fighting games que acompanhavam os arcos históricos da série. Meio como desculpa, meio como justificação, lá sabíamos que num sistema quase anual tínhamos um Ultimate Ninja Storm a ser lançado no mercado, que dadas as múltiplas versões mais pareciam Bunshin no Jutsu (blam! piada com conhecimento de causa de alguns dos movimentos típicos da série).

Tendo a história chegado ao fim (a de Naruto Shippuden), faz todo o sentido que também este Ultimate Ninja Storm 4 seja o capítulo final da série de videojogos. Mas ao contrário da morte lenta que o manga constituiu, este último Ninja Storm é o melhor canto do cisne que poderíamos esperar: este é, em todos os pontos de vista, o melhor jogo da série.

Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4 é um óptimo fighting game, mas acho que poderá ter à partida um elemento contrário: todo o setting, a sua lógica interna (expressada em jogo pelas muitas sequências) só farão sentido para conhecedores da série. E é aliás para estes que este jogo da Bandai Namco se destina.

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O combate não possui as mecânicas simples de arcada que permitem uma imersão quase imediata a quase todos os jogadores. É, aliás, como outros jogos do género ao estilo Bandai-Namco como os recém-falados Saint Seiya e J-Star Victory, um jogo com um patamar de entrada algo elevado. O contacto inicial não é o mais amigável, e rapidamente somos subjugados até pelos primeiros adversários no Modo de História. O ponto de vista típico da editora, em que vemos quase sempre a acção pelas costas do nosso personagem, ligeiramente sobre o seu ombro, também não ajuda os novatos a sentirem-se integrados. Mas passada essa barreira percebemos que apesar da simplicidade dos combos e da gigantesca diversidade do combate há aqui um fighting game extremamente apurado. E conhecer a identidade e capacidades únicas de cada um dos mais de 60 personagens disponíveis (um elenco surpreendente) ajuda imenso o desenrolar de cada ronda de luta. O que prova mais uma vez que o destino deste Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4 são os fãs da série Kishimoto. É que nenhum destes se importa com as longas cutscenes que duram largos minutos, mas que poderá ser um grande turn off a alguém que aqui mergulhou apenas por ser um excelente fighting game.

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Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4 traz-nos a durabilidade das armas e das armaduras como mais um factor que temos de gerir, elevando o teor mais táctico de muitos dos nossos combates. Ninja Storm 4 vai beber algumas mecânicas a outros congéneres, o que inclui os habituais tag teams e support actions tão típicas dos jogos da Capcom. Também ao estilo de outros jogos da Bandai, temos aqui o regresso do modo de Aventura após terminarmos a História, e que é a abordagem RPG clássica a algumas das secções do enredo que todos conhecemos (os fãs pelo menos conhecem-nas).

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Já falámos nisto em outro jogos (e acho que o último Saint Seiya foi das últimas vezes que o referimos) que a tecnologia actual permite aproximar imenso estes jogos com o visual base no qual se inspiram, que neste caso é o tratamento anime da série de Kishimoto. A qualidade da animação e do cel-shading fazem-nos crer que dificilmente será possível aproximar ainda mais os jogos 3D aos filmes de animação, mas, o tempo poderá provar que estamos errados. O que é possível comprovar desde o primeiro minuto neste Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4 é que a qualidade visual do jogo é soberba, com todas as animações a demonstrarem uma fluidez expectável da animação, mas tantas vezes menosprezada nos videojogos.

Naruto Shippuden: Ultimate Ninja Storm 4 tem muito conteúdo e incontáveis horas de jogo, e muitos lutadores disponíveis de base na sua base, ou que terão de ser desbloqueados (há tanto aqui que a Capcom poderia aprender para perder a sua reconhecida ganância). É inegável que se trata de um excelente fighting game, mas há diversos factores que demonstram que é quase unicamente destinado a conhecedores da série, e que dentro de toda a sua excelência acaba de alguma forma por ostracizar os restantes. E é, sem dúvida, o melhor ponto final que a série poderia ter na sua vertente videojogo.