Arslan (1)

Quando recebemos este jogo para análise tinha apenas duas certezas: a primeira, era a de que Arslan: the Warriors of Legend era mais um dos quase-infinitos casos de uma franquia que se junta com a chancela Warriors da Koei Tecmo, e a segunda é que nunca tinha ouvido falar de Arslan. E por ter lido todos os livros de C.S. Lewis sabia que não era um crossover entre o mundo de Narnia e um Warriors, até porque se fosse esta seria uma monumental gralha. O que, agora que penso nisso, era capaz de ser algo engraçado.

Bem, segundo o Leonel, o nosso entendido de tudo o que são coisas nipónicas, cujo conhecimento vai desde sashimi até coisas estranhos com tentáculos, Arlsan “é um anime da temporada passada (2015) que retrata um mundo medieval semelhante ao período das cruzadas, em que o personagem titular tenta defender o seu reino, Pars, das invasões Lusitanas”. Depois de eu próprio fazer um pouco mais de pesquisa (leia-se pesquisa de fundo com cabeçalhos da Wikipedia) percebi que o jogo é inspirado no anime, que foi inspirado no manga que foi baseado nos romances fantásticos Arusurān Senki do escritor Yoshiki Tanaka, que por sua vez é levemente baseado no épico Persa Amir Arsalan. Como é que os Lusitanos passam a ser os vilões nesta história japonesa inspirada na Pérsia? Não sabemos.

Arslan (2)

Nota paralela: alguma parte do mundo não sabe o que é Portugal, ou atribui-lhe uma existência estranha. Será que para estas pessoas os Lusitanos são uma raça ficcional, tipo os Ursinhos Carinhosos?

Um dado adquirido ao começar um jogo da série Warriors, do qual este Arslan: the Warriors of Legend não é excepção: sabemos a priori que vamos derrotar milhares de inimigos por combate. Coisa que eu sempre achei que era uma óptima compensação para uma auto-estima baixa.

Como usual na série da Koei Tecmo, não há aqui muito para pensar e há muito para magoar o túnel cárpico. A jogabilidade simples está de volta, em que fustigamos violentamente os botões dos nossos comandos para, e citando a frase habitual de João Barreiros, o nosso maior escritor de sci-fi, alcançar o “máximo de prejuízo”. Os níveis pouco diferem dos habituais Warriors, com terreno a ser conquistado, derrotar batalhões de inimigos como se fossem formigas, e ataques especiais over-the-top que acabam por ser um dos grandes flavours desta série. É verdade que jogar a este Arslan: the Warriors of Legend não requer a maior das concentrações, e acaba por ser uma óptima forma de destruir todo o stress de um dia de trabalho, mas neste mundo que me é totalmente desconhecido (o do setting de Arslan) há algumas agradáveis surpresas.

A primeira é o enredo que se vai deslindando por entre as sessões de real pancadaria (afinal Arslan é o príncipe-herdeiro). É claro que seria algo irónico (e até falacioso) se eu ou qualquer pessoa que seja fã da descontracção e simplicidade dos jogos Musou (Warriors no original) admitíssemos que o jogamos pelo enredo. É o mesmo que dizer que frequentamos aqueles sites com milhares de vídeos gratuitos porque temos um grande apreço pela narrativa que lá encontramos.

Bem, mas voltando a Arslan, é uma tarefa dificílima querer sumarizar décadas de história que decorre pelas palavras de Tanaka num jogo de Warriors, mas há aqui a exibição de um enredo mais complexo, e, que à sua forma, traz à discussão questões de luta de classes e de posições políticas dentro de pensamentos medievais. E para surpresa minha acabando por criar-me uma vontade de mergulhar nesta história do qual nada sabia nem conhecia, e, rebatendo a minha ideia original de que dificilmente conseguiria mergulhar num Warriors que desconheço, servindo como uma belíssima porta de entrada para o mundo de Arslan. Sendo perfeitamente sincero, não sei sequer qual o verdadeiro impacto crítico ou comercial do anime no Japão e no resto do mundo que justifique a arriscada aposta da Koei Tecmo em lançar um jogo baseado nesta série. Mas sei, com toda a certeza que o sucesso nãos e compara com a abrangência de One Piece ou Gundam. Tornando este Arslan: the Warriors of Legend um risco altamente compensatório por trazer um ambiente totalmente novo a muitos jogadores que como eu gostam de desligar o pensamento e mergulhar neste subgénero.

Arslan (1)

Algumas adições à fórmula acabaram por ajudar a dar uma sensação de novidade a este Arslan: the Warriors of Legend. A primeira são os denominados Marsdan Rushes, em que nós, montados a cavalo, e o nosso restante batalhão, atacamos o campo de batalha em uníssono criando combos de largas dezenas de milhar, destruindo desta forma algumas barricadas que impedem a nossa progressão. A possibilidade de irmos alternando de arma permite outra dimensão mais “técnica” (se é que nos é possível falar em tecnicidade num button masher) a um jogo que utiliza muitas mecânicas de escudos como elemento dificultador. Num jogo que não tendo o potencial visual do último jogo de Naruto, mas que consegue transmitir da melhor forma a imersão no ambiente e estética do anime.

A fórmula de Musou é tão rígida que eu percebo a necessidade de diferenciação que a Koei Temco deve estar a deparar-se nos dias de hoje. Ora captam um número estabelecido de compradores afectos às franquias que a série se alia ou terão de conquistar novos jogadores com séries menos conhecidas ou com as abordagens (levemente) históricas de Dynasty e Samurai. Arslan: the Warriors of Legend acaba por servir duplamente a editora: por um lado aumentar ainda mais o seu já vasto leque de crossovers com a série Warriors, e por outro permitir ao Ocidente conhecer uma série de anime que teve a sua primeira temporada no ano passado. Não sendo o button mashing típico o melhor meio para contar uma história tão intrincada como esta parece ser, mas serviu, para além das horas de diversão e pancadaria, para abrir-me o apetite para ler os romances que dão origem a todo este mundo. E quiçá a frase “gostei do mais do livro” possa um dia vir ao de cima.