No meio de tantas notícias focadas em screenshots e trailers não é difícil passar-nos ao lado informações essenciais sobre o estado desse objecto amorfo conhecido como “Gaming”.
É portanto sobre uma notícia de 2011 da conceituada CNN que venho aqui espumar raivosamente dos dedos uma diatribe que poderá comover apenas os poucos que se importam com isso: 90% dos jogadores não acabam os seus jogos. Bela merda.
Não estamos a falar apenas daquelas compras compulsivas do Steam, neste estranho fenómeno que é o coleccionismo desmaterializado. Não, a coisa é bem mais alarmante. Como é aqui noticiado, o GTA Faroeste Edition da Rockstar, Red Dead Redemption, levado à glória em todas as conversas mundanas do seu ano de estreia, teve apenas 10% dos seus jogadores a verterem lágrimas de aço sobre o seu comando ao assistirem a um dos melhores finais daquela geração.
Neste book club ninguém leu o livro
O Artigo da CNN oferece múltiplas explicações para este bando de homicidas em potência – designação habitual da CNN- não acabarem o seu prato. Não contem comigo para passar aqui qualquer atestado que justifique este diletantismo insuportavelmente hipócrita numa altura em que os videojogos são um brasão pessoal mais parecido com lifestyle do que com lazer. Quem quer armar-se em expert que tenha a disponibilidade intelectual para pacientemente desfrutar de um jogo para posteriormente bajular o seu Dao do Hardcore gaming nas redes sociais. Andaram aqui 90% de nouveau-gamer a passar o exame não lendo a obra, ficando-se pela versão colecção resumos da nossa área: O Youtube.
Quem viveu as primeiras décadas do “videoludismo” sabe que o desejo de ter jogos possíveis de acabar era um sonho quase impossível para um miúdo de 8 anos a jogar Super Star Wars. O raciocínio económico Arcade já nos tinha habituado a esta espécie de Groundhog Day da primeira moeda que permitia o acesso ao mesmo primeiro nível e pouco mais. Uma parte significativa dos jogos memoráveis daquela década foram precisamente aqueles que permitiam um desafio justo que pudesse, mediante esforço, completar o jogo por inteiro. The Legend of Zelda, Super Mario, Sonic… Qualquer jogo que tivesse confiança suficiente na riqueza do seu conteúdo tinha por excentricidade permitir um desafio “justo”. Fomos investindo e recompensando essas produções até a Era Playstation interiorizar essa reivindicação como natural, para hoje chegarmos a uma comunidade de abstencionistas do gamepad mais interessados nos updates de “status” do que na essência da experiência.
O ADD da Gaming Fashion ou como tentamos impressionar nerds
O universo geek foi talvez um dos maiores mananciais financeiros deste princípio de século. Isto aplica-se tanto a jogos como a qualquer produção da pop culture que tenha um tipo com um six pack fardado com um disfarce improvável. A necessidade de seguir tendências num contexto de abundância cria uma angústia perpétua de não estar a acompanhar o novo jogo de 70 euros que chegou às prateleiras. Sabemos que aquele filme de super heróis parece mais um pedaço de superficialidade juvenil sem alma, mas também sabemos que temos que o ver. Seja para dizer bem ou para dizer mal temos necessariamente que ter “algo” para uivar com a matilha sobre a adaptação mainstream de um ícone dos quadradinhos. É como ir ver o nosso puto na festa da escola. A peça pode ser uma seca, o puto não deixa de ser nosso.
A grande rentabilidade desse modelo tem o grande problema de destruir a essência do que fez com que o que amamos se tornasse um fenómeno de culto: O genuíno apreço pelo produto. Entramos na rotina e no compromisso. Queremos ser socialmente relevantes.
À luz do fenómeno sinto um certo orgulho no meu perpétuo atraso. Comprar os jogos no OLX por 20 euros, jogar com tempo e sem pressão, tentar conversar sobre um jogo que o pessoal já mal se lembra. Sinto-me o equivalente gaming de um velhote com robe de veludo a ler clássicos junto à lareira com um cachimbo no canto dos lábios (gosto de me auto-lisonjear).
Posso garantir-vos que acabar os jogos vale a pena. Recomendar acabar todos pode parecer tão austero como recomendar uma dieta detox ou uma limpeza do cólon mas é de facto a dica de optimismo saudável que tenho para transmitir sobre a matéria.
A parte pessimista está na natural influência desse fenómeno nas obras. Porque indignar-se pelo desapontante final de Mass Effect? Porque viram aquilo no Youtube? Não existe qualquer incentivo financeiro para efetuar um tratamento minucioso daquilo que apenas 10% dos consumidores irão desfrutar. É o poder arrasador da maioria comercial perante a minoria dos velhos que viram sucessivamente chegar estas barbaridades do desmaterializado a preço do físico e os DLCs criados de raiz…
PS: Este artigo foi escrito sem qualquer ponderação sobre a veracidade dos dados transmitidos por questões de pura conveniência.