Apesar de ter sido lançado há já alguns meses, só agora tivemos a oportunidade de mergulhar em Downwell. Corrigindo, para estar de acordo conceptualmente com o jogo: só agora tivemos a possibilidade de cair desamparadamente pelo poço quase infinito que é Downwell.
É um lugar-comum falar da extrema atenção nostálgica e retro-estética que o mercado independente tem imputado a muitas das suas criações. Especialmente nas dezenas de jogos indie que falamos mensalmente, e em que muitos deles são abordagens muito próximas dos 8 e dos 16 bits. Mas se reflectirmos bem: quantos jogos têm a audácia e a proeza de serem desenvolvidos com uma lógica de produção que os equivaleria em todos os aspectos a um jogo da famosa consola portátil original da Nintendo?
Desde os primeiros segundos em Downwell que percebemos que o apelo essencial do jogo é uma depuração conceptual e mecânica tão acentuada e tão bem-executada, que ultrapassa a franja de “jogo que é influenciado pelo Game Boy” para “jogo que poderia efectivamente ser de Game Boy”.
Há um gigantesco desafio na simplicidade. Especialmente no desafio muitas vezes inultrapassado de fazer essa mesma simplicidade resultar. Os developers que se dedicaram a desenvolver jogos para o Game Boy (e para NES, e para as consolas com características semelhantes) tiveram de criar mecânicas que se ajustassem às limitadas opções de controlo, usualmente circunscritas aos 2 botões.
Em Downwell o conceito é simples: estamos numa queda sem fim munidos das nossas botas especiais que disparam tiros, e sabemos também que tudo o que temos, num espírito muito old school, é uma única vida. Cada erro, cada dano infligido pelos muitos adversários pode ser fatal, e à medida que falhamos nas múltiplas tentativas sentimos que a experiência vai-nos tornando cada vez mais habéis no extremo-dinamismo em que se desenrola o jogo.
Os nossos inimigos podem morrer de duas formas: com tiros ou com o velho salto em cima deles. O problema é que existem alguns inimigos contra os quais não podemos saltar (estão protegidos por picos por exemplo) e como este não é um “típico” shoot ‘em up também não podemos estar indefinidamente a disparar. Aliás, recarregamos os nossos cartuchos apenas por aterrar em terra firme (ou em cima de um adversário), por isso temos de saber gerir bem o improviso e o frenetismo dos inimigos que surgem à nossa volta.
Ao estilo roguelike, vamos encontrando, ao longo da descida, algumas cavernas com powerups vendáveis, e no final de cada nível podemos escolher entre três opções de upgrades para o nosso personagem. E é isso. Poucos pontos de HP, uma única vida, e a certeza que a morte é permanente.
Ao contrário de alguns jogos que exploram a permanência da morte, Downwell não nos invoca uma aura de frustração a cada derrota. Mas antes há uma sensação de experiência, de auto-superação, e à semelhança dos velhos jogos da geração do Game Boy, cada novo jogo significa progredir um pouquinho mais, em direcção ao tão almejado estado de “acabar o jogo”.
Moppin, developer de Downwell que demonstra que a cena indie japonesa não só está bem, como se recomenda. E desenvolveu o jogo de forma tão pura, tão honesta, tão próxima do Game Boy, com o seu bicromatismo e a dificuldade de bradar aos céus, que incluiu um falso lag gráfico (quando o ecrã fica repleto de inimigos) a mimetizar os nosso tempos de infância não é apenas algo com piada: é a prova mais cabal do quão genial e genuinamente está Downwell perfeito.
Ah, e custa 2,99€ no Steam e na App Store. O que significa que não há desculpa para ter um excelente m jogo com um tremendo valor de rejogabilidade como Downwell, por menos do que um lanche (em alguns sítios).