Não, não é o título de mais um livro do José Rodrigues dos Santos
A cartografia está-nos no sangue. Desde que a primeira caravela içou velas no Restelo que a necessidade de conhecer o mundo demarcou e definiu os Portugueses para sempre. A ideia de ter dado “novos mundos ao Mundo” que tão poeticamente adornam a nossa História acaba por ser uma verdade. E é claro que com tanta navegação, tanta Descoberta, e o talento dos Cartógrafos reais teria eventualmente de deixar também a sua Arte para o futuro.
Um desses cartógrafos históricos que Portugal deixou à História da humanidade foi Lopo Homem. Já muito cogitámos aqui no Rubber Chicken se este cartógrafo português não será antepassado do nosso Bernardo Lopo. Que numa trama típica das histórias de BD da Disney nos mostra que não só não emigrou, como está numa espécie de Túnel do Tempo, a visitar o seu antepassado, que (e pasmem-se de surpresa), tem a sua cara exactamente (apesar de terem passado quatro séculos entre a vida de ambos), com mais barba e um barrete de veludo a cair para os olhos, e é um acérrimo defensor da monarquia, do colonialismo e do Reino de Portugal. Estamos a falar do Lopo Homem, e não do Bernardo, como é óbvio.
Como disse no início, acredito que esta ligação à cartografia nos está na memória genética de alguma forma. E talvez seja essa uma das razões que justifiquem o imenso prazer que sempre tivemos em rabiscar mapas enquanto jogávamos alegremente a alguns dos jogos que preencheram a nossa infância, ou a forma como o repetimos a jogar pen and paper RPGs. Não é portanto de estranhar o quanto nos sentimos em casa com Etrian Odyssey Untold 2: The Fafnir Knight.
Etrian Odyssey Untold 2: The Fafnir Knight foi lançado na Europa apenas dia 12 de Fevereiro, mas graças à simpatia do pessoal da NISA já contamos com quase 3 semanas de avanço de exploração intensa dos labirintos de Yggdrasil, neste que é o remake de Etrian Odyssey II: Heroes of Lagaard.
Para quem não conhece a série Etrian Odyssey, esta revolve em torno de dungeon crawling puro-e-duro, com um sistema por turnos (na exploração)dissimulado de tempo real, em que os adversários (visíveis) só se movem quando nos movemos (mas destes falaremos um pouco mais à frente). Idêntico ao que descrevemos recentemente no crossover desta famosa série da ATLUS com Mystery Dungeon, e que podem ler (ou reler) aqui.
Como remake que é, Fafnir Knight permite-nos jogar o Modo Clássico (reminiscente do jogo original para DS) ou uma nova versão produzida para a 3DS, denominada de Modo de História, que inclui novos personagens, novos locais e obviamente novos desenvolvimentos no enredo. Para ser sincero, por entre as dúzias de clichés da cultura nipónica que aqui acontecem, remetendo muito do storytelling para linguagens próximas do anime, Etrian Odyssey vive acima de tudo pelas suas mecânicas de dungeon crawling. O que não significa que o enredo seja menor, muito pelo contrário. Percebemos perfeitamente que esta parte existe apenas como forma de “colar” os momentos inter-quests, mas não só é está bem-escrito como possui um elenco agradavelmente desenvolvido.
Ao contrário de muitos JRPGs ou dungeon crawlers nipónicos, Etrian Odyssey vem beber a influência dos RPGs dos anos 80 e jogos do género na primeira pessoa, como os “velhinhos” e saudosos Asmodeus, Wizardry e Spirit of Adventure. O combate funciona exactamente da mesma forma, por turnos, sem nunca vermos a nossa party, e olhando os adversários (também) pela primeira pessoa.
Os random encounters são algo habitual, mas são as mecânicas dos FOEs (Field on Enemies) que definem a dificuldade e o extremo desafio de Etrian Odyssey. Em oposição a 95% dos combates que fazemos que são os típicos encontros que três décadas de JRPGs nos habituaram, os FOEs são criaturas muito fortes e que estão visíveis nos corredores dos labirintos. Resta-nos observar os seus padrões de deslocação e tentar passar as diversas salas e corredores sem combatê-los (pelo menos em níveis mais baixos), porque fazê-lo poderá significar o nosso infeliz TPK.
A chegar a este Fafnir Knight como uma inovação é a existência de um Restaurante na nossa aldeia com o qual colaboramos. Para o manter em funcionamento temos de contribuir com ingredientes encontrados pelo chão dos labirintos, ou recolhidos aquando da morte dos muitos monstros que vamos derrotando. A descoberta de novas receitas e a confecção de novos pratos (e consumi-los) é algo que providencia bónus de combate aos nossos personagens, o que acaba por ser um incentivo a manter esta espécie de side quest constante.
Etrian Odyssey Untold 2: The Fafnir Knight é desafiante e muito, muito difícil. É imersivo na forma como temos de gerir cada exploração, o nosso inventário, os nossos turnos em combate e a nossa party. Mas para mim, a cereja no topo deste excelente bolo, que demonstra o quão contemporâneo pode ser um jogo nipónico inspirado em jogos ocidentais de há três décadas, é mesmo a necessidade em jogo de desenharmos o mapa das nossas explorações.
Quando éramos mais novos e rabiscávamos mapas em cadernos de folhas quadriculadas, faziamo-lo por necessidade de nos mantermos situados em jogos complexos que pura e simplesmente não nos ofereciam formas de orientação. Em Etrian Odyssey (e em especial neste Fafnir Knight) a cartografia está inserida no próprio enredo e nas próprias mecânicas, e o desenho cuidadoso e extensivo de todas as pequenas ramificações do labirinto e todas as suas passagens secretas e pontos de interesse fazem parte da nossa missão. E é mais do que uma mera distracção paralela: desenhar o mapa da exploração em Etrian Odyssey soube aproveitar um hábito meta-jogo que criámos por necessidade e incorporou-o de forma brilhante em jogo, fazendo deste Etrian Odyssey Untold 2: The Fafnir Knight uma das melhores propostas de verdadeiro e clássico dungeon crawling a chegar ao mercado dos videojogos.