Eis a questão galáctica
Há um carinho, uma entrega, uma dedicação, uma sensação de sacrifício no mercado indie que é em quase todos os aspectos difícil de repetir no mercado AAA. Questões de tempo, lucro, metas, objectivos, cumprimento de prazos e de escalas de produção, que dificilmente permitem que exista um cunho pessoal de objecto próprio a algo criado nesta dimensão. O que não acontece nos jogos indie criados por um punhado de pessoas ou por alguém sozinho. É o caso deste Ceres, um quase one man game de Tryggvi Hákonarson (com eventuais colaborações) que se despediu para produzir este jogo, que é, para ele, “o labor de uma vida”. E isso nota-se na atenção aos detalhes, e a todos pormenores que complexificam este jogo para além do expectável.
Ceres é um space simulator com elementos de RPG produzido pelo estúdio Jötuun Games do islandês Tryggvi, e não é de estranhar que saia pela mão da Iceberg Interactive, que no meu entender teve um óptimo ano de 2015 com o lançamento do surpreendente Into the Stars e com este Ceres.
Quando começamos o jogo temos de escolher o capitão da nossa nave titular, Ceres, de entre três personagens distintos (que vão, obviamente, influenciar o nosso tipo de jogo). Para capitanear a nave podemos escolher entre um pirata sideral, um comandante militar ou um engenheiro especialista em hacking. Segue-se um tutorial complexo, porque Ceres é um dos jogos do género mais complexos que já jogámos, e que tão bem traz a influência de Homeworld para o seu universo.
Há em Ceres um equilíbrio curioso entre uma abertura quase totalmente sandbox e a existência de missões que vão pautando o ritmo do nosso jogo. E esta expressão de mundo (leia-se universo) aberto é perceptível quando estamos no interface indicativo da galáxia onde estamos. Uma espécie de diorama rotativo de planetas onde conseguimos perceber as distâncias entre quadrantes galácticos e fazer Fast Travel para esses quadrantes. E só quando entramos nessas áreas é que temos o real sub-mapa 3D onde toda a acção se desenrola, e onde temos de comandar a nossa nave ou naves.
Ceres não é um RPG mas tem muitos elementos reais de RPG. E não me refiro ao básico que quase todos os géneros adoptaram que é o sistema de leveling e experiência. Falo sim da possibilidade de tomarmos decisões que têm impacto na nossa jogabilidades, e por exemplo, com a nossa capacidade de captar aliados para a nossa frota. Tudo isto é por sistema de verdadeiro RPG em que não existe linearidade nem script, mas sim o nosso desempenho versus o tipo de capitão de frota que somos.
Esta liberdade sente-se na abertura que temos para povoar o vazio espacial. Podemos escolher ser mercadores espaciais (alguém falou em Firefly?), ou podemos querer ser os bounty hunters mais temidos do quadrante, ou vestir a roupa de Vasco da Gama e explorar os confins do universo. Ou se tudo isto for demasiado aventureiro podemos limitar-nos a acções de mineração galáctica. Os caminhos tomados dependem apenas de nós.
Como disse, originalmente possuímos apenas uma nave, mas ao longo do jogo a nossa frota pode ir aumentando. Seja por contratarmos mercenários, criarmos alianças com outros personagens, ou por capturarmos naves inimigas e torná-las nossas. O combate em si não é fácil de se dominar nos primeiros instantes, especialmente pelo nível de micro-gestão a que obriga, mas após ultrapassarmos esse entrave conseguimos alargar ainda mais as nossas escolhas. O que fazer com os despojos de guerra? Capturar as naves inimigas? Destruir as naves como sinal de implacabilidade? Resgatar recursos a partir dos destroços das naves? Tudo isto são escolhas possíveis que têm consequências, e que transformam um ambicioso jogo espacial feito por apenas uma pessoa como um objecto de afinada atenção, detalhe e desenvolvimento.