O título não
deverá precisar de mais
informação. Sprinter é provavelmente o melhor título que joguei
este ano, provavelmente dos melhores jogos que alguma vez joguei em toda a minha vida. Momentos depois
de o começar a jogar havia concluído que este era o tipo de jogo que me faz sair da cama todos os dias, é desta forma que aspiro ser tocado todos os dias.
Sprinter inventa uma linguagem a partir de um contraste de sentimento. Junta à metade oposta, o processo mecânico de atingir o melhor tempo num percurso exigente a nível de coordenação, que nos puxa do pântano de sensibilidade onde vivemos mergulhados, para uma vez, outra vez contemplar. Pé depois de pé, virou, rouba, abre, sem linguagem, sem racionalidade, só reacção, levados pela fluidez do vento que não conseguimos compreender ou percepcionar e pelos sons desenhados para
surgirem com o pressionar sequenciado de cada botão. E tudo isto para nos fazer despetalar cada edifício e construção erguidos no ritual anterior com as brilhantes ilustrações no momento de desenrolar a história: é a desconstrução, o gnireenigne esrever, o je ne sais quoi do troca o pé no troca o passo para nos espetar do interior para o exterior, a metamorfose do agregado de matéria que nos faz sentir. A relação entre a história e a jogabilidade é mais egocentrista que em favor da criação, mas em última instância é esta mesma criação que acaba por beneficiar de forma supernatural, por conseguir fazer passar a mistura mais heterogénea entre uma jogabilidade mecânica, acção-reacção com sentimentos e a nossa parte mais humana, como se tratasse de algo tão homogéneo como água lisa. O jogo é
é curto, foi terminado em cerca de quatro horas, mas até isso se enquadra na temática. A história está dividida em seis capítulos de cinco níveis cada um, estando nós então a falar de um jogo de trinta níveis que podem ser rejogados para alcançar a meta de tempo gold. Mas a genialidade de Sprinter está no requinte e no bico de pés em que surpreendentemente consegue destruir grandes convenções e paradigmas sem pestanejar. Inegavelmente inútil a argumentação no sentido de que Sprinter é um jogo para todos. De contrária importância argumentar que Sprinter consegue comunicar algo banal (mas não isento de força e pujança) de forma nunca antes vista nos jogos de vídeo. É curto, certamente precisa de condições muito específicas para ser apreciado de forma adequada (um comando com analógico e uns bons headphones, por exemplo), mas quando reunidas as condições, certamente vos dirá alguma coisa. Certamente nada do que me disse a mim. Possivelmente nada de especial. Ou não.