Enquanto começava a escrever este artigo decidi lançar um repto ao João Machado: que ele tentasse passar para um artigo a impressão que ainda tem de Twilight Princess, quase dez anos depois de ele o ter jogado na GameCube. Fi-lo porque se idolatrias fossem mensuráveis, decerto que o João me ganhava na categoria “quem é o maior fã de The Legend of Zelda?”. Mais que não seja porque das minhas inexistentes tatuagens, zero são dedicadas a TLoZ.
Podem ler o artigo do João aqui.
Agora que penso no título que dei ao artigo penso que poderei estar a induzir alguém em erro, na esperança de aqui verem o Daniel qualquer-coisa da RTP a por o Miyamoto a chorar por coisas que os seus olhos mais-cerrados-do-que-abertos dizem sobre Zelda. Não é o caso. O regresso a Twilight Princess deve-se à recém-lançada versão HD deste grande jogo que não revisitava há anos, e que foi um dos meus impulsionadores da compra da Wii.
Revisitar a memória que temos de um lugar que não vemos há muitos anos é um exercício emocional gigantesco. Foi em 2007 que este jogo rodou pela primeira vez na minha Wii recém-comprada, com a justificação de perceber o quão imersivas poderiam ser as mecânicas de controlo com Wiimotes para uma série que me marcava em toda a minha vida de jogador. Imaginar que poderíamos controlar os golpes de espada de Link com movimentos nossos era algo que anteriormente existia apenas no campo da imaginação, naqueles momentos em que sozinhos brincávamos a lutas imaginárias no nosso quarto, proferindo os sons do clangor da batalha com a nossa boca. Mas de repente ali estava bem presente, e novamente trazida pela mente infantilmente criativa de Miyamoto e pela exímia realização de Aonuma, este cruzamento entre os nossos gestos (que antes eram imaginários) para o controlo real de Link.
A abertura do mundo e o detalhe que possuía para a altura eram esmagadores. Lembro-me de percorrer a galope os campos quase infindáveis e sentir uma sensação de liberdade, de heroísmo exultado pelas batalhas a cavalo que pareciam reais, onde o vento nos passava virtualmente pela cara enquanto éramos flanqueados por inimigos. O som do metal ecoava nos nossos ouvidos quando a nossa espada encontrava a lâmina do nosso inimigo. E todas estas sensações, conscientemente virtuais, serviram para demarcar a memória que tenho da experiência com Twilight Princess.
Mentiria se dissesse que é o meu jogo favorito da série. Mas numa série em que quase tudo são mais do que pontos altos: são na realidade pontos de excelência, quão envergonhante é ser-se um dos menos excelentes. Se essa “menor excelência” é ainda assim superior à quase totalidade dos genéricos produzidos a quilo e que são lançados sem qualquer gosto para gáudio das massas?
Agradou-me o retorno a um tom menos jovial e positivo de The Legend of Zelda. Foi aliás o negrume geral do jogo, as trevas que não só são parte conceptual da sua construção mas também segmento integrante da aura emotiva do jogo que me conquistou, em linha de continuidade com o fatalismo constante de Majora’s Mask.
Twilight Princess é sem dúvida o jogo de toda a série que sofre maiores problemas de ritmo. As quebras constantes da narrativa que nos é imposta, acabam por alargar a experiência de forma quase artificial, e há uma série de conteúdos acessórios que poderiam facilmente ser estirpados nesta versão melhorada para manter mais fluída a experiência comunicativa do jogo. É muito fácil relembrar o enfado que a múltipla captura das 16 Tears of Light me imputaram e o quanto quebravam a vontade em continuar mergulhado nesta história mais negra e mais adulta. E custava-me acima de tudo porque estes segmentos soavam a fait-divers, a algo para nos manter ocupados entre secções importantes da história e que eu pouco ou nada as engrandeciam.
A forma como revisitámos velhas fórmulas com novas interpretações foi uma mais valias, e em que as Dual Clawshots trouxeram novos puzzles às habituais dungeons de TLoZ, coisa que objectos inventivos como o Spinner vieram alargar as nossas boas memórias da série. O combate atingiu um dos seus momentos mais icónicos, com as mecânicas de controlo de Link a levarem as suas componentes de acção para uma nova era da jogabilidade.
Mas os dois baluartes de todo o jogo são mesmo Wolf Link e a nossa nova companheira, Midna. Wolf Link remeteu-nos para outro lobo-protagonista Amaterasu, que também nesse mesmo ano conduzia Okämi a ser um dos melhores jogos de 2006. Ainda hoje sinto que Wolf Link poderia ter sido melhor aproveitado, especialmente ao nível do combate. Mas acredito que esta revisita na Wii U possa ser indicadora num futuro próximo de voltarmos à forma lupina de Link, com outras manifestações e um melhor aproveitamento da sua transformação.
Mas para mim o ponto alto de Twilight Princess? Midna. Aós 25 anos a jogar inúmeros TLoZ (acho que só me resta terminar o primeiro) tenho de admitir que houve algo na construção da misteriosa Midna (e também da sua raça, os Twiliis, em especial o antagónico Zant) que marcou para sempre a minha memória da série. TLoZ tem dezenas de personagens memoráveis, excelentes, de uma qualidade de concepção genial, mas tenho de admitir que a pequena e ácida Midna é a minha personagem favorita de sempre. A forma inteligente como ela assume o comando do relacionamento com o nosso protagonista silencioso, o desenvolvimento que esta relação e ela enquanto personagem tiveram ao longo de toda a trama, e as reais razões que a levaram a esta estranha pareceria, ainda que expectáveis, tornaram-na um tremendo essencial para uma das mais negras e “adultas” aventuras de Link.
Revisitar Twilight Princess na Wii U, em HD, soube a pouco. Soube a pouco pela ânsia de conhecer o que vem aí ao virar do capítulo e de perceber que esta é uma boa forma de fazer a transição para todos os jogadores que infelizmente não tiveram contacto com esta obra. E que sirva acima de tudo como rampa de lançamento, como aperitivo para o novo jogo que chegará este ano. Porque eu quero sentir todas as novas emoções que um The Legend of Zelda me dá no primeiro contacto, e viver a história página a página, sorvê-la com paixão e relembrar-me o porquê de todos os marcos da série existiram na história dos videojogos. Não sendo perfeito, The Legend of Zelda: Twilight Princess é um deles.