Quando passeamos pelas montras digitais de videojogos, perante o assustador número de títulos que são lançados semanalmente, é difícil tomarmos uma decisão sobre qual é que devemos investir o nosso tempo e o nosso dinheiro. No meio destes há alguns jogos que são uma espécie de rufia da Rua de S. Paulo do antigamente, antes de ser o local mais hip da noite lisboeta, e que nos puxa pelos colarinhos para dentro de uma loja e nos imobiliza até vermos os produtos que tem para venda. É claro que se isto fosse mesmo uma loja da Rua de S. Paulo o mais provável é este rufia ser na realidade uma “senhora da vida” e o souvenir que de lá traríamos era uma valente sífilis.
Overfall é um desses casos e é indiscutível que é o seu visual muito próprio que o faz distanciar-se de todos os restantes concorrentes. O jogo inteiramente desenhado, com personagens que misturam de forma feliz uma estética cartoon com a fantasia, encimada, literalmente, por personagens “cabeçudos” ao estilo dos brinquedos bobble head.
Há uma tendência, do qual eu sou parte integrante, que aceitou esta lógica old school roguelike de permadeath, e em que qualquer erro é sinónimo de começar tudo de novo. Já o era assim nos jogos que jogámos quando éramos miúdos e voltou a sê-lo neste revivalismo da morte permanente. Overfall é construído com essa lógica e com uma estrutura que nos obriga verdadeiramente a morrer.
Cada morte, cada “Game Over” não só é sinónimo de termos aprendido algo com o nosso playthrough, é também sinal, muitas vezes, de desbloquearmos algum conteúdo, mediante as quests que conseguimos fazer. Overfall foi concebido para que morramos muitas vezes e que com isso vamos conhecendo cada vez mais conteúdo e que o utilizemos no início de cada Novo Jogo.
Todo o jogo é processualmente gerado a cada Novo Jogo, o que se traduz em storylines, cartografia dos mapas que temos de explorar e das distintas ilhas com o qual nos cruzamos, passando até pelas quests disponíveis ou as ramificações das nossas escolhas. E é claro que a esta sensação de nova história constante é incrementada pela narração que acompanha todo o jogo.
O combate bebe bastante das regras clássicas de pen and paper RPGs, onde os turnos se desenrolam compassadamente num tabuleiro constituído por hexágonos. É claro que a diplomacia é uma via possível (nem sempre com sucesso), e mediante a influência que temos com dada raça é-nos permitido resolver os assuntos sem ser com violência.
Overfall ainda está em Early Access, mas tudo o que apresenta neste momento antevê-o como um dos grandes indies do ano. Para além de todo a geração processual do jogo, a incorporação de um Story Editor para o Steam Workshop confere-lhe aquele espírito build your own adventure que permitirão agradáveis surpresas com um jogo que em tanto é idêntico aos seus concorrentes, como simultaneamente se distancia de todas as semelhanças.
E que é difícil, muito difícil, e no qual morrer e começar de novo faz parte da própria estrutura da coisa. Se alguém vos disser que o passou à primeira ou está a mentir, ou teve uma tremenda sorte no jogo gerado, ou poderão ser delírios causados pelo avançado estado da neuro-sífilis. Nunca confiando…
https://www.youtube.com/watch?v=biheVk5J4Ew