Regra geral considero que a ferramenta de alguns argumentistas de apagarem uma série de conteúdo e/ou justificá-lo como apenas um sonho, uma ilusão ou uma trip alucinógena é um péssimo precedente. Um caso paradigmático pelas piores é razões foi a explicação/conclusão de LOST. A forma como encerraram a série demonstrou o quão “ao sabor do vento” estava a ser criada, e acabou por funcionar, em retrospectiva, como um alterador de opinião em relação a tudo o que tinha visto. Em geral “isto era tudo um sonho/ilusão/delírio post mortem” soa-me sempre a solução preguiçosa. Com excepções é claro. Vide David Fincher e o seu Fight Club como um bom exemplo.

Deponia Doomsday (3)

Todos os fãs de aventuras-gráficas assumiram que a trilogia de Deponia tinha terminado no Goodbye Deponia, onde Rufus se sacrifica, contrariando o tremendo idiota egoísta que foi durante os três jogos inteiros. Mas o anúncio e o lançamento deste Deponia Doomsday augurava algo de estranho, e a dúvida permanecia sobre que razão teriam para “ressuscitar” Rufus da morte certa. Descobrimos então que a trilogia anterior não passou de um sonho premonitório de Rufus, que por alguma razão sobreviveu à queda e viveu até a uma idade avançada, amargurado, e que tem a difícil tarefa de salvar o mundo…destruindo-o.

Passado este período de tutorial em que controlamos Rufus mais velho, acordamos no passado, num período anterior ao primeiro Deponia, com a consciência de todos os eventos da trilogia presentes na memória como um sonho. Rufus tem então a certeza de algo: todas as memórias que possui e que vão despontar no seu sacrifício e consequente queda-livre, e a salvação de Deponia através da sua destruição são eminentes.

Deponia Doomsday (4)

Admito que este gancho é estranho e até algo desrespeitoso à primeira vista para quem jogou a trilogia original. É quase um indicador dos developers da Daedalic a dizerem algo como: “os três jogos que jogaram e a história que conheceram podem não significar nada”. E na realidade é exactamente isto que se passa. E não é ao mesmo tempo. E mais não avançaremos sob risco de incorrer em spoilers maiores.

Deponia Doomsday, pela temática que possui, tem um tom menos humorístico que os anteriores. Isto não significa que as suas piadas situacionais quase infantis não estejam presentes, porque estão. A diferença é que há uma pseudo-aura de seriedade que difere dos jogos anteriores.

Para mudar o fado definido em Goodbye Deponia os argumentistas tiveram também de instalar outra ferramenta de fail safe de qualquer história que se comece a auto-embrenhar: uma máquina do tempo. E é aqui que surge parte do apelo deste Deponia Doomsday mas também uma parte da sua complicação: a quase totalidade das mais de 12 horas que o jogo compreende desenrolam-se em andar para trás e para a frente no tempo para resolver uma série de puzzles. Mecânica esta que surge logo no início ao termos de repetir três vezes a sequência inicial para obtermos diferentes resultados. O grande problema é que parte das soluções sequenciais obrigavam-nos a repetir passo-por-passo o que tínhamos feito na viagem temporal anterior.

Deponia Doomsday (2)

Os puzzles são outro dos problemas de Deponia Doomsday. Sempre me agradaram puzzles desafiantes, mas que fossem possíveis de alcançar com lógica, por muito complexos que fossem. E as largas dezenas de aventuras-gráficas que joguei nos últimos vinte e cinco anos deram-me essa tolerância e esse arcaboiço. O que até hoje não tolero são puzzles excessivamente encriptados, e que só fazem sentido dentro da lógica idiossincrática dos seus game designers. Infelizmente, uma parte considerável dos puzzles tem esta abordagem.

Ainda que não costume concordar com a lógica do qual falei no primeiro parágrafo, a verdade é que no caso de Deponia Doomsday o argumento é bem-estruturado. Os personagens continuam propositadamente unlikable como sempre, e é isso que os torna tão apelativos para nós.

Deponia Doomsday (1)

À semelhança do recém-falado Heaven’s Hope, mas obviamente num patamar superior, é na sua excelente direcção artística que Deponia Doomsday (assim como toda a série) brilham. Estes são sem dúvida o benchmark para o que uma aventura-gráfica deverá ser na contemporaneidade do mercado dos videojogos. Animações exímias, cenários completos e vivos, que aproximam visualmente o jogo de um pequeno filme de animação interactivo, facto esse que é exponenciado pelas novas sequências com QTEs cujo cinematografia é diferente dos habituais planos das aventuras-gráficas.

Deponia é uma série de sucesso, e seria difícil que a Daedalic perdesse a oportunidade de fazer mais jogos para além deste quarto jogo. Esta é uma meia-certeza que decerto agradará a todos os fãs de aventuras-gráficas.