Vem ser meu amigo na Lua

Nota do autor: Esta crítica tem fortes alicerces em Bravely Default, o primeiro jogo desta série. Se ainda não jogaram, deviam. É um dos melhores JRPGs disponíveis na 3DS e inovou o género em alguns aspectos. Esta crítica “tenta” manter os spoilers de ambos os jogos ao mínimo possível, caso não tenham saído ainda a correr para comprar o Bravely Default ou tenham ligado a vossa 3DS para o comprar na eShop. Este é um jogo que prima fortemente pela sua história e narrativa e… já mencionei que deviam jogar o primeiro?

Bravely Second (3)

Honestamente, estava indeciso de havia de dar a este artigo o subtítulo que aqui está por cima, ou se havia de colocar “Imigrantes precisam-se na Lua”. Não, não tem nada a ver com a actualidade Europeia e uma piada de mau gosto acerca de uma oportunidade para refugiados vindos da Síria – mais depressa meteria lá o Donald Trump. Há um bom tempo que havia decidido que iria dar este nome ao artigo e passo a explicar porquê: quem recebe um jogo por antecedência para o jogar e analisar tem sem dúvida uma benesse, que é a de poder desfrutar da sua experiência interactiva antes da maioria dos restantes humanos – contudo esta benção também se pode tomar uma espécie de maldição, particularmente quando um jogo tem uma componente de multiplayer online ou algo do género. Bravely Second tem um “algo do género”.

Bastante cedo na aventura encontramos Magnolia, uma personagem que diz vir da Lua, e quando esta se junta à nossa party ganhamos acesso a uma espécie de colónia lunar que temos de desenvolver trazendo para lá habitantes que podemos apanhar entrando em contacto com outros jogadores através do StreetPass da nossa 3DS ou recrutando-os através da internet. Isto consiste num pseudo mini-jogo que não é mais que um gigantesco timer. Neste mini-jogo alocamos um habitante para trabalhar num local e esperamos que ele se desenvolva. Desenvolver estes locais faz com que eles comecem a produzir coisas – alguns dão acesso a itens perecíveis, outros a equipamento, outros a movimentos especiais – o problema é que desenvolver cada produção leva tempo e enquanto não há outros jogadores a jogar e não temos recrutamento online, só temos acesso ao nosso habitante inicial. Quem jogou Bravely Default reconhecerá isto porque é igual ao mini-jogo que consistia na reconstrução de Norende e já estará a começar a perceber a razão da minha frustração. Para desenvolvermos uma produção temos de esperar, e para cada habitante que colocamos num local para além do primeiro temos a nossa espera cortada para metade, sendo progressivamente menos eficaz quanto maior o número de trabalhadores que vamos alocando. Mas com um habitante… UM HABITANTE, MEUS AMIGOS!!! Imaginem as (im)possibilidades! Com um habitante só conseguimos desenvolver uma coisa de cada vez ao tempo máximo possível e temos 10 diferentes para desenvolver, muitas delas com pontes para construir pelo caminho que também demoram dezenas de horas. Digamos que até o jogo sair em Fevereiro realmente pouco consegui avançar na colónia lunar.

Bravely Second (4)

Podem-me dizer “Ó Leonel, estás a queixar-te de problemas de primeiro mundo.”, mas a sério que isto é algo crítico para pessoas como eu, que têm uma quase obsessão-compulsão de fazer tudo o que é possível fazer ao jogar um JRPG. O vício do complecionismo ou do completismo assola-me a cada esquina, espreitando e assobiando, de punho virado e fechado, com o dedo indicador estendendo e recolhendo num movimento intermitente, como quem chama por mim para ver o que está depois dessa esquina (normalmente sei a resposta de antemão: apenas outra esquina). E só quando acabam as esquinas é que consigo realmente considerar que a minha viagem chegou ao fim.

Depois de ter jogado Bravely Default e ter visto todos os finais – inclusivé os maus, propositadamente devo acrescentar – ter o Bravely Second nas mãos deu-me um agradável arrepio ominoso e uma sensação de “here I go again”. Para além deste mini-jogo de desenvolver a colónia lunar que temos, existe outro que é uma espécie de jogo “semi-idle”, que consiste no fabrico de bonecos de trapos chamados Chompers. Chamo-lhe “semi-idle” porque ao contrário do anterior, em que a colónia se vai desenvolvendo mesmo quando estamos a jogar o jogo normalmente ou temos a consola em modo de standby, neste temos de estar activamente no jogo só que não há muito para fazer. Quatro personagens da party juntam-se neste segundo mini-jogo para fazerem bonecos e cada um está encarregado de parte do processo, completando um boneco a cada 20 segundos e este vai para uma caixa. Cada caixa pode ter 24 bonecos e podemos vendê-los a qualquer altura, podendo acrescentar-lhes valor e alguns bónus, como vendê-los apenas quando a caixa está cheia, por exemplo. É possível comprar upgrades e usá-los activamente para acelerar este processo – no fundo, fazemos bonecos, metemos numa caixa e vendemos. Soa aborrecido? Para mim também soou. Por isso é que só saí desse mini-jogo quando já tinha tudo maximizado após umas 4 horas e cerca de 10 milhões de cp (a currency deste mini-jogo) na carteira. Na altura nem tinha percebido que iria ser possível trocar esses cp por pg (a currency do jogo principal), mas tal torna-se de facto possível a partir do capítulo 3.

Fazem 3 anos que saiu Bravely Default por cá. O Final Fantasy da Square que não era um Final Fantasy. Melhor que qualquer último Final Fantasy, segundo a aparente opinião generalizada. Nós aqui no Rubber Chicken concordamos e partilhamos dessa opinião. O jogo foi uma obra prima que veio reinventar algumas fórmulas dentro do género e nos deixou a pensar porque raio é que ainda não tinham sido implementadas antes. Nem estou a falar das mecânicas Brave e Default, mas sim da opção, simples mas genial, de ter um “random encounter slider”, que nos permite aumentar a sua frequência ou removê-los por completo. Os “random encounters” são aquele bicho-papão que afasta tanta gente dos JRPGs porque que não querem estar a andar descansadamente num local e serem interrompidos por um confronto aleatório qualquer e sem nexo.

Bravely Second (5)

Esta opção de gerir a frequência os nossos “random encounters”, felizmente, está de volta em Bravely Second. O excelente combate também está igual, mas com visíveis melhoramentos. Agora é possível customizar e salvar conjuntos de comandos para utilizar em Auto-Battle, algo que é particularmente útil quando queremos grindar os nossos personagens – o que é canja de galinha quando usado em conjunto com a opção de fazermos Fast Forward ao combate e de aumentarmos a frequência de random encounters para o máximo. Para além disso e para os puristas que gostam de gerir cada um dos seus combates, é dada a opção de Fight On que nos permite continuar a combater caso derrotemos os nossos adversários no primeiro turno, numa espécie de dobro ou nada (e é muito literalmente isso, porque se perdermos um combate conseguinte não ganhamos nada pelos anteriores). Em combate as personagens continuam a agir usando BPs (Battle Points) por cada acção e podem agir até um máximo de 4 vezes consecutivas. É possível usar a opção de Default para defender e ganhar um BP para usar a mais no turno seguinte, bem como usar a opção de Brave para gastar BP extra e executar mais acções num só turno. Para além disso, continuamos na mesma a poder “fazer batota” usando SP para enviar ao jogador um turno extra imediato, interrompendo um combate mesmo que seja a meio do turno de um adversário. Também como no anterior, neste jogo temos a capacidade de usar ou desempenhar profissões diferentes, desde espadachim a pasteleiro (Patissier é a profissão que vem substituir o Salve-Maker como o buffer da party) e estas dão-nos acesso a habilidades específicas que podem ser usadas para nos adaptarmos a diversas situações de combate – adicionalmente foi também criada a opção de salvar até 10 configurações de profissões e equipamento, algo que também não estava disponível no jogo anterior e que é muito bem vindo – o late game exigia uma constante micro-gestão entre as diferentes profissões, habilidades e equipamento para mantermos a party eficiente para os diferentes adversários que íamos defrontando.

Muitos assets do jogo anterior foram reaproveitados para este, mas nota-se que este foi um reaproveitamento inteligente e não o resultado de simples preguiça – os gráficos e character design esses continuam dentro do mesmo estilo devido a esse trabalho continuar entregue a Akihiko Yoshida. A história continua a desenrolar-se no mundo de Luxendarc, cerca de dois anos depois dos eventos de Bravely Default, onde agora assumimos o papel de Yew Geneolgia, um mosqueteiro pertencente à religião da Crystal Orthodoxy e assignado para proteger a Papa Agnès, que é raptada no inicio do jogo pelo Kaiser Oblivion e do qual a temos de salvar. Vemos alguns personagens retornar e outros, igualmente interessantes, tomar o palco como Janne e Nikolai, companheiros de Yew. Como já aconteceu no anterior, este jogo tem um forte twist perto do final, à la M. Night Shyamalan, que é o que o tornam igualmente memorável, senão mais memorável ainda, que o jogo anterior. Mais uma vez foi deixada a opção de ouvirmos as vozes dos personagens no seu original Japonês ou na versão dobrada em Inglês. Normalmente dou sempre primazia às vezes originais, mas depois de mudar várias vezes entre as duas cheguei à conclusão que gosto bastante mais da versão inglesa – as vozes são mais vibrantes e é notório um bom trabalho de tradução e adaptação da narrativa ao público ocidental, se bem que nunca cheguei a suportar as piadas constantes de Yew com a palavra “gravy” (sim, o personagem principal adoptou “molho de carne” como o seu chavão e usa-a para quase tudo). A música, essa, é irrepreensível. Revo, o compositor do jogo original e fundador do projecto Linked Horizon (que compôs o tema do anime Attack on Titan), dá o lugar a Ryo, compositor e “one man band” do grupo doujin de J-Pop Supercell. Ryo cumpriu o seu papel exemplarmente e deu-nos uma das melhores bandas sonoras num jogo 3DS.

Bravely Second (1)

Bravely Second é, em quase todos os aspectos, um melhoramento do jogo original. Ao mesmo tempo que se pode dizer que repete muitas fórmulas utilizadas no jogo anterior, também se pode dizer que refina a maioria das mesmas às quais ele retorna. É uma experiência singular, que devia ser apreciada por amantes do género e experienciada por cépticos, particularmente pelo seu desempenho exemplar do seu combate polido e de simples complexidade, que não quebra convenções mas prova que ainda é possível melhorá-las. É uma sequela digna.