Prison Architect cumpriu pena de pré-lançamento durante uns tempos. Não foram tempos mortos, longe disso. O tempo que poderia ter sido passado a apodrecer na cela foi utilizado para trabalhar. Para ouvir os que aderiram ao jogo na fase preliminar de lançamento, para escolher as melhores ideias a dedo, implementá-las e testá-las abertamente. De certa forma, o processo de desenvolvimento do jogo foi entretenimento puro mesmo para quem não adquirira o jogo.

Lançado em Outubro do ano passado como título acabado, Prison Architect coloca-nos como encarregado de construir e gerir uma prisão. Se, por esta altura estão a revirar os olhos e a pensar “ya, ‘bora construir umas celas e uns refeitórios e ‘tá feito”, desenganem-se! Ou tratem desse estrabismo e, nesse caso, desculpem lá ter trazido isso à baila.

Oh não, mais um jogo de prisões!

Prison Architect é muito, muito mais do que apenas construir celas e refeitórios! A vida com o sol aos quadradinhos tem muito que se lhe diga e o jogo salta directamente para uma cela de segurança máxima, sem passar pela casa de partida e sem receber dois contos.

Vá para a cadeia! Vá directamente sem pas… oh, desculpe, sr. Ministro!

Construir é o mais simples. Há que definir bem as áreas. Células de 2 por 3 são o mínimo para equipar com uma cama e uma retrete, mas é possível equipá-las com outras coisas, como estantes, janelas ou televisões. A qualidade e o conforto das celas têm impacto na vida dos nossos utentes, influenciando a sua disposição, agressividade e necessidades. A alimentação é, claro, uma das peças fundamentais, pelo que um refeitório e uma cozinha são essenciais, como terão previsto. Mas equipar a cozinha requer bancas, frigoríficos, fogões e pelo menos um balde do lixo. E há que contratar cozinheiros e colocar os refeitórios numa área facilmente acessível. E o refeitório também exige a colocação de mesas, bancos e zonas para servir a comida. Mas se esperam que os reclusos, à hora da refeição comam todos tranquilamente nos seus lugares e depois lavem a louça, podem tirar o cavalinho da chuva.

Tirem! Por favor TIREM!

À hora das refeições, entre a fome, os encontrões e a confusão, é fácil haver confrontos, pelo que guardas e, eventualmente, câmaras de vigilância poderão ser necessários. E já que estamos a ligar o complicómetro é boa altura para falar nos equipamentos para os guardas, como coletes protectores ou tasers, ou detectores de metal para evitar a entrada ou saída de armas de metal na cantina, não vá o arroz servido resultar em cabidela.

Porrada velha!

E já que falamos em cabidelas, há que tratar dos cortes, arranhões e decapitações casuais, pelo que uma enfermaria e uma morgue serão também necessárias, devidamente equipadas com o equipamento necessário e com médicos a postos. E há que punir os responsáveis também! Vamos prendê… oh wait… Solitária! Encafuá-los numa cela sem luz, cama ou sanitário durante uns dias, a pão e água? Sim! Perfeitamente possível. Claro que essa é uma das penalizações mais graves. É possível entrar no campo da micro gestão e estipular um conjunto de medidas punitivas para alguns comportamentos tipificados, indo desde uma passagem do prisioneiro para uma área com um maior nível de segurança, a revistas à sua pessoa, cela ou completo bloco de celas e o já mencionado descanso na solitária. Aos guardas cabe a tarefa de cumprir as nossas ordens. Para tal, convém tê-los em número suficiente, descansados (e há que construir uma staff room e equipá-la para que possam relaxar) e livres de outras tarefas, uma vez que os podemos alocar para rotas de patrulha ou vigilância em diversos sectores, 24h por dia ou apenas em determinadas alturas – para que haja um reforço do policiamento nos refeitórios na altura em que as refeições são servidas, por exemplo. Guardas descansados que não estejam a cumprir uma tarefa atribuída estarão então livres para escoltar prisioneiros, revistar celas ou acudir em situações de emergência. E além dos guardas comuns é também possível ter guardas armados ou guardas com cães a patrulhar ou a acudir em zonas específicas. Para prevenir, por exemplo, que os nossos convidados decidam escavar um túnel e escapar. É que não demora uma fracção do que demora o Túnel do Marquês a ser escavado, e uma fuga pesa no nosso currículo.

Devo ter deixado os óculos algures…

Há uma enorme quantidade de salas disponíveis para construir e equipar, desde os chuveiros à sala de execução, passando por lavandarias, correios, arrumos, oficina, sala de aulas, sala de convívio, etc… Umas terão funções pré-definidas, outras poderão assumir, mediante marcação e alocação de recursos, tarefas específicas como grupos de apoio, aulas ou curas de desintoxicação. Ou como locais de culto religioso, bibliotecas, ginásio… É fantástico podermos explorar e construir como nos aprouver, acatando ou não as necessidades dos nossos reclusos. É que, neste ecossistema prisional, cada ser vivo tem o seu histórico, necessidades e motivações individuais. A história por detrás da sentença de cada um dos nossos reclusos está detalhada – e foi, em parte, escrita pela comunidade de jogadores, so kudos for that! – e todas as ocorrências desde a entrada no sistema prisional são devidamente anotadas no registo biográfico do recluso. Podemos ser inclinados a ter mão mais pesada para um presidiário que tenha assassinado 10 pessoas do que para um que roubou três pacotes de leite e uma caixa de Sugus. E isso também pode  pouco ou nada significar quando o ladrão de Sugus resolver fazer uma pintura impressionista nas paredes dos chuveiros com o sangue de quatro reclusos e dois guardas. É arte, pelos vistos.

Mas é delicioso ir mergulhando neste jogo. Quanto mais se descobre, mais há para ir descobrindo. As dinâmicas de gangs, uma das últimas adições ao jogo, forçam-nos a redobrar cuidados e vigilância e, volta e meia, uma revista integral a todo o estabelecimento prisional é obrigatória, para apanhar contrabando de drogas, telemóveis ou armas. É-nos permitido ter alguma informação sobre algumas localizações ou negociatas paralelas quando se designam privilégios especiais a alguns reclusos. Passam a ser os nossos Informadores. Bufos, portanto. Devidamente recrutados, cabe-nos trazê-los pontualmente a uma das salas de segurança para interrogatório, onde ele vai dando com a língua nos dentes e revelando o que sabe, desde aquela faca deixada numa caixa de ovos na cozinha até ao plano para limpar o sebo ao gajo que pirateou um jogo da Ubisoft. Mas há que ter cuidado! Muito tempo no interrogatório e a gigantesca massa anónima de reclusos desconfia. E se houver buscas que interfiram com determinados planos, eles juntam 1 + 1 e verificam que isso, por vezes, dá 1. E aqui não me refiro à matemática, mas ao corpo do nosso informador, numa laje da morgue. E por falar em matemática, não julgam que lhe escapam! Uma das tarefas do sistema prisional é preparar os reclusos para a reinserção na vida activa. E isso implica escolaridade mínima. Aulas na prisão, portanto. Há que ministrar os vários níveis de ensino e esperar – oh, esperar, porque nem todos os alunos são aprovados! – que os alunos concluam os estudos com sucesso e que avancem no sistema de ensino, eventualmente escolhendo uma área vocacional, como carpintaria, higienização do estabelecimento prisional, cozinha e pastelaria ou a nobre arte de cravar e pintar matrículas. Agora eu sei que estão a pensar que isto acaba por ser mais estruturado que o nosso Ministério da Educação e Ciência, por limitar as aprovações a quem consiga efectivamente adquirir os requisitos mínimos, por formar de forma adequada para o mercado de trabalho perspectivado, por gerir eficientemente os recursos como salas e equipamento e por tratar de colocar os alunos a produzir valor acrescentado em vez de patinar na lama. E estão certos. E certo é também o facto de que um aluno que vá encontrando a motivação para a escola acaba por ser menos conflituoso, agitando menos as instáveis águas da população prisional.


As dinâmicas entre reclusos são muitas. Envolvem dimensão física, agressividade natural, histórico passado e histórico dentro da choldra. E a reputação vai aumentando a sua influência. No fundo, Prison Architect consegue ser uma espécie de um RPG em que não jogamos nenhum personagem, mas podemos ver a evolução de todos eles, como uma criança com um formigueiro e uma lupa. Podemos compartimentar as áreas, separando o possível. Reclusos apenas em regime de protecção, reclusos em segurança mínima, passo a passo até aos que se encontram em Segurança Super Máxima ou na Green Mile, à espera da sua data de execução. Tudo isso pode ser gerido por quem não se contentar em arranhar a superfície. E é bom ver que há várias de complexidade, para vários gostos.

Mesmo com planeamento cuidadoso, o jogo não será fácil. A caótica natureza humana vem muitas vezes ao de cima e, por uma troca de palavras, o nosso pacato senhor Santos, 45, casado e com duas filhas, uma delas na faculdade, que se encontra no nosso estabelecimento a cumprir pena por ter fotocopiado o último livro da saga Eclipse, um senhor que se encontrava na ala de segurança mínima, entretido a ler os seus livros e a colorir livros pode, de um momento para o outro, criar um pequeno Texas Chainsaw Massacre, mesmo sem a motosserra. E, por vezes, um pequeno conflito escala para algo de dimensões catastróficas, com motins a deitar por terra tudo o que cuidadosamente construímos. Nessas alturas é imperioso chamar a polícia de intervenção, os bombeiros, os paramédicos e despoletar sistemas de segurança, como o recolhimento de todos os reclusos – os que o fizerem voluntariamente serão sempre alvo da nossa eterna gratidão – o corte de electricidade, o isolamento de determinados sectores da nossa prisão ou uma revista forçada a todos os envolvidos. Nesse caos é inevitável que alguém se magoe ou morra e isso tem repercussões na imprensa e, claro, na nossa carreira de gestor prisional. Uma prisão com demasiadas mortes pode indiciar um gestor negligente. E, não raras vezes, é possível encontrar a nossa personagem em replays de Prison Architect, presa e a cumprir pena por uma gestão deficiente da nossa anterior prisão. Eu disse que não era fácil.

Rancho folclórico de Custóias numa magnífica demonstração da sua arte.

Prison Architect é um jogo brilhante. Com um grafismo simples mas adequado, permite diversos graus de envolvimento e complexidade e brinda-nos com várias camadas disso tudo, cobertas com doce de ovos, chocolate e manteiga de amendoim. Com um conceito aparentemente simples, desdobra-se e reinventa-se, criando um imenso replay-value e representando um verdadeiro desafio para quem pretenda construir o seu império prisional com centenas de reclusos a seu cargo. A falta de interesse ou a não aquisição deste jogo, mormente durante um período de Steam Sales, consistirá numa contra-ordenação grave que incorrerá em pena de prisão por um período nunca inferior a dois Cócóricóoooos matinais.

O senhor está preso por quantos Cócóricós?!