Conheço uma criança de 8 anos que, não com grande surpresa, gosta de jogar Minecraft. Não só joga como anda regularmente com o manual do Minecraft debaixo do seu braço, faz desenhos ao estilo Minecraft e sabe tudo sobre o jogo desde os nomes das personagens a todos os utensílios. Sabe melhor falar inglês que qualquer outro da sua turma, maioritariamente absorvendo palavras e seu significado através do Minecraft, gosta de ver Youtubers e tem os seus preferidos que jogam o mesmo jogo. Quase tudo gira à volta de Minecraft. Ou girava, até lhe mostrar a capa do DVD de Plants vs. Zombies: Garden Warfare 2 e desde aquele dia não ouvi uma única palavra sobre o jogo da Mojang.
Todos os dias de segunda à sexta-feira, o rapaz que também é meu aluno perguntava se eu já tinha começado a jogar. Queria jogar comigo “pela internet”, mas sobretudo ter alguém com quem falar sobre o jogo. Era clara a decepção quando lhe dizia que ainda não tinha começado a jogar, e o brilho nos olhos a aparecer quando lhe disse que já tinha. E no correr do corredor do recreio para as aulas surgiu a primeira pergunta: “já tem a peashooter que é aquela planta que lança ervilhas?”, uma das classes das plantas ao lado de Chomper, Sunflower e Cactus, como do Foot Soldier, do Enginner, do Scientist e do All-Star do lado dos Zombies. Todas estas classes de personagens reaparecem com quase todas as variantes em Garden Warfare 2 e somam às novas classes de personagens igualmente caricatas como é o caso do Citron, o Kernel Corn, a Rose, o Super Brainz, Captain Deadbeard e o Imp, com o seu Z-Mech.
Respondi ao rapaz que já tinha a Peashooter, mas que preferia a Sunflower porque ajudava a curar os outros jogadores, na minha tentativa de ensinar os bons valores da humanidade. Torceu o nariz e virou costas porque acho que feri os seus sentimentos com a Peashooter. Um dia depois voltou sorridente a dizer que também gostava da Sunflower e perguntou se já tinha tempo para fazer uma partida online e safei-me de boa pelo facto do rapaz ainda jogar a prequela e não ser compatível, como é natural, com o PvP ou o modo cooperativo de Garden Warfare 2. Safei-me de boa porque é quase como a questão das redes sociais: devem os Professores ser “amigos” dos alunos nas redes sociais? Deve um Professor, e falando em termos pedagógicos, jogar ou brincar com um aluno? E se pudesse, qual a desculpa para dizer “não” sem parecer ou dar a entender um tu-cá-tu-lá a uma criança de 8 anos? Deve um Professor falar de jogos ou incentivar a jogar? Contudo, pouco mais fiz que mostrar a capa do jogo que, compreende-se, foi entendida como sugestão. Mas a minha resposta viria depois.
Uma das características que diferencia Garden Warfare 2 do seu antecessor é a adição de um modo a solo com uma história entre as plantas e os zombies que conquistaram Suburbia e lhe mudaram o nome para Zomburbia. Ler de novo com voz grave e tresloucada: Zomburbia. Cabe agora às plantas atacar para reflorescer este campo de guerra onde de um lado está a base das plantas e do outro está a base dos Zombies, separados por uma constante batalha que pode elevar-se a um clima caótico com ondas infinitas de inimigos. Cada facção tem as suas próprias missões com algumas variáveis, que recupera claramente a componente multijogador e o modo cooperativo, repetindo objectivos com pequenos twists mas ao mesmo tempo repleto de conteúdo que se desbloqueia em parte com um sistema de cartas parecido com o de Halo 5 por exemplo. Consiste em comprar pacotes de cartas (ou sticker packs) com as moedas adquiridas ao longo das missões e do PvP, ou que podem ser compradas separadamente através de Add-Ons para quem preferir ir pelo atalho mais rápido.
Através das cartas, o jogo gratifica gradualmente e sem demasiada dificuldade para conseguir manter um constante interesse e sentido de recompensa adequado para todas as idades. Porém, com mais de cem variações de personagens, o que fará inveja a muitos shooters da actualidade pela grande diversidade de mecânicas, poderá precisar de várias centenas de horas de jogo para conseguir nivelar uma a uma porque carece de uma progressão mais rápida.
Plants vs. Zombies: Garden Warfare 2 tem um setting pormenorizado, tem mais verticalidade, e as animações das personagens bastariam para garantir uma decente e equilibrada dose de humor. Não há como não gostar da extrema fofura das plantas e dos zombies desmiolados e desajeitados, alguns com testosterona a mais e sempre com as suas vestes absurdas e estranha forma de falar. É um dos poucos jogos de tiros com a qualidade e a imaginação necessária que sai da zona de conforto dos melhores jogos considerados violentos do mesmo género. Não que apresente algo de inovador e acaba por ser mais um melhoramento do jogo original com mais conteúdo, mais personagens, mapas, modos, e com um hub alargado para alguma exploração, mas suficiente para longas horas divertidas em frente ao ecrã a solo ou acompanhado.
Não é por acaso que o “puto” deixou de lado o Minecraft e não foi por ver a capa que lhe mostrei. Era apenas um jogo bom para ele. Talvez ele próprio precisasse de uma nova justificação para falar de jogos sem que ninguém lhe dissesse “oh não, outra vez o Minecraft!” ou então fartou-se dos Youtubers que via habitualmente. É o que acontece quando se cresce e se consegue olhar para além do habitual, mesmo que só um pouco, tal como fez este rapaz. Não houve qualquer insistência no jogo online, não houve além das proferidas mais perguntas da personagem x ou personagem y ou de quantas moedas já ganhou. Apenas a partilha da emoção com alguém que compreende o seu gosto pelos jogos.