O todo que compõe um RPG trata-se de um acordo entre design e ficção. Aquando da decisão sobre os elementos narrativos desejados, relativos aos eventos naturalmente ocorrentes ao longo do jogo, o escritor e o designer devem manter-se em contacto próximo. Dissonância entre ambos pode resultar num desastre.

Regularmente, RPGs de design ocidental focam-se muito mais em elementos que permitem auto-inserção do jogador: um sistema de criação de personagens, árvores de diálogo, múltiplas progressões narrativas, múltiplos finais e opções de romance (ironicamente creditados ao design japonês com maior frequência). Por opinião popular, o maior e melhor exemplo moderno da escola ocidental de design é The Witcher, da produtora polaca CDProjekt Red. Em qualquer dos três jogos pertencentes à série, o jogador representa Geralt de Rivia, o protagonista. A narrativa tem como base vários elementos da série de livros pelo mesmo nome, optando por ignorar um pouco a personalidade estabelecida de Geralt nos mesmos e permitir que o jogador consiga decidir o que este diz e faz a qualquer momento.

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“Eu vou e não me podes impedir. Depois de escolheres o que tens a dizer.”

Isto varia em eficácia. Afinal de contas, as escolhas apresentadas ao jogador não passam de modificadores temporários a caminho de um objectivo maior. Indubitavelmente tornam-se limitadas ao assumir que as escolhas apresentadas são representativas da opinião de qualquer jogador. Corre o risco de alienar certos tipos de jogador, portanto, as escolhas têm de ser vagas o suficiente para que todos os jogadores consigam encontrar uma que mais-ou-menos se enquadre na sua perspectiva. Claro está que terão de oferecer diferença que baste para que se justifique a existência de uma escolha de todo.

A eficácia desta forma de design é subjectiva mas, em grande parte, falha em expressar qualquer tipo de consequência. Matthew Matosis, crítico de game design, constata na sua critica a Bioshock Infinite: “(…) Escolhas apresentadas ao jogador, num videojogo, encontram-se desprovidas de consequência pois não ocorrem no mundo real”. Tendo em concordar: o melhor que um designer pode fazer é mascarar essas inconsequências num véu emocional ou semi-ético, que transcende as limitações do jogo e impõe questões sobre o jogador em si. Algo que terá a ilusão de consequência, já que parece representar a sua psique e sentir-se-á pessoal, mesmo que a vasta maioria de jogadores se esqueçam destas até ao fim da mesma semana.

Pensar sobre o assunto durante mais que cinco minutos desmistifica este resultado. Consequências num videojogo nunca poderão ter tanto impacto quanto as produtoras de videojogos pretendem publicitar. Mais importante, nunca poderão verdadeiramente mudar algo do mundo à volta do jogador de uma forma directa ou, pelo menos, parece ser esse o acordo geral – se jogar um videojogo não faz de alguém um assassino, igualmente não fará de alguém um herói, limitando o impacto do videojogo no jogador e no mundo ao que é comparável a mascar pastilha elástica. Isto pode parecer uma platitude mas é importante mencionar.

Como videojogos de interpretação de papel, o principal factor da resistência costumava ser a capacidade do jogador possuir previdência e dedicação para ver o desfecho da história. No que isto resultou, após décadas de desenvolvimento, foi no acto de escolher tornar-se severamente mais proeminente em design, do que a implementação de feedback significativo mediante essas escolhas.

Transmitir culpa ao jogador por assassinar pixéis quando isso lhe é pedido é premeditadamente análogo a constatar que estão a praticar crimes reais. O facto da questão é que, quando se joga um videojogo, o jogador pode agir, sabendo que não se encontra preso a comportamentos sociais normativos. Qualquer pessoa pode matar o que quiser, se quiser e, de facto, os animais fazem-no diariamente. Privar o jogador de normas sociais igualmente o priva de limitadores comportamentais significativos. O jogador não está a fazer uma escolha baseada na sua personalidade. Ao invés, está a fazer uma escolha somente porque esta lhe foi apresentada como um obstáculo entre ele e um objectivo.

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“Booker, faz-me um favor e escolhe entre um destes símbolos de significado dolorosamente óbvio. Nada disto será relevante, portanto, sem pressão.”

Assim, videojogos raramente questionam o que quer que seja acerca da natureza do jogador. Este não pode ser análogo a um herói, um Deus, um criminoso ou um psicopata por derrotar inimigos num jogo desenhado acerca de derrotar inimigos. Faz o que é mais lógico de acordo com a forma como maior parte dos RPGs modernos são projectados relativamente a resistência e a sua recompensa, é ser-lhe dito o que sentir.

É neste sentido em que os videojogos falham em estar em paralelo com a arte. Nesta, na maioria dos movimentos, muitas vezes contando com um ímpeto ideológico inicial, requerem um certo grau de interpretação que, frequentemente, é deixada ao cargo do observador. Alguns videojogos, como o Journey da Thatgamecompany, fazem isto bem. Outros, sentem uma necessidade opressiva de forçar o feedback emocional desejado e designar em que proporções será entregue. É relevante parafrasear: “Estou menos interessado nas escolhas que os jogadores fazem num videojogo do que no seu processo cognitivo quando as tomam.”, colocou, elequentemente, Ken Levine, designer e director de Bioshock (2007) e Bioshock 2 (2010) e Bioshock Infinite (2013). Pena que se tenha esquecido do seu próprio lema no seu trabalho mais recente.

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O que a atitude subversiva de designers modernos verdadeiramente transmite é a sua própria confusão entre ambiguidade moral e manipulação moral. Nunca deve existir nada de ambíguo no contexto sociopolítico da narrativa do jogo. Quando existe, a realidade desse mundo e o feedback do jogador relativamente a ela são não-elementos até ao clímax história – problema que credito ao design ocidental de RPGs, mas que sublinho no popular e recente Undertale. Subtileza é a chave, não omissão. De outra forma, um videojogo torna-se um recreio de experimentação e masturbação moral – egocêntrismo em forma de interpretação de arquétipos. Os mais populares e modernos exemplos dentro do género de RPG pecam neste departamento, fingindo representar ambiguidade moral, apenas para trocar o passo ao jogador, demarcando coisas como certo ou errado. Sendo que aquele mundo não existe, então temos de aceitar que as definições de certo ou errado puxadas pela narrativa do videojogo não passam de interpretação subjectiva, não de um povo ou de vários indivíduos (personagens), mas do escritor.

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É evidente: Criar reacções unidimensionais em resposta a acções binárias é pouco mais do que paródico, por definição. Fazê-lo, constata, implicitamente, que um humano pode apenas ser um parágono, um herói de justiça e força pelo bem e bem-estar, versus um lunático demoníaco que pontapeia bebés, determinado a cancelar o Natal. Definir moralidade em tal dualidade não expressa apenas uma severa e preocupante falta de compreensão sobre a básica natureza humana, como também efectivamente afirma que não existe áreas morais cinzentas, o que é claramente falso. “Vilões”, na realidade, não acordam e decidem que, hoje, serão maléficos. Pessoas opostas ao nosso código moral geralmente acreditam que estão correctos; na sua perspectiva, eles são o herói. Isso é verdadeira ambiguidade moral e os RPGs modernos falham em representá-la bem. Nessa mesma veia, pode afirmar-se que, na sua presunção grandiosa, falha igualmente em expressar o pathos humano tão eficazmente quanto videojogos que os antecedem por pelo menos duas décadas, sob limitações de hardware e software mais debilitantes.

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Tudo isto para dizer que, proporcionalmente falando, os jogadores continuarão a encontrar videojogos que se focam muito mais na quantidade de escolhas ao invés de qualidade das mesmas. A intenção do jogador ao fazer uma escolha tornou-se, de alguma forma, menos priorizado do que o mero facto de que está a fazê-la. Quase como que se o facto em si fosse novidade para um ser-humano, que vive no mundo real onde tem de efectuar escolhas diariamente. Em todo o seu esplendor, cozidos com a luz da popularidade e frequentes orçamentos acima dos quarenta milhões de dólares, estes meio-jogos, meio-séries televisivas sobrepromovidas da FOX, colocam premissas presunçosas sobre o jogador, sobre moral, sobre o mundo, sobre vida e morte, sobre ética, sobre amor, sobre traição e sobre a natureza humana. Infelizmente, esquecem-se de incluir estes elementos no seu design.

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No final de contas, é irónico e, também, um pouco triste, que outros videojogos, ofuscados e subestimado pela sua idade, orçamento significativamente inferior ou marketing menos intrusivo, mesmo sem aliciar o jogador com promessas de escolha como função do design, muitas vezes conseguem apresentar escolhas mais significativas. Isto é, porque se focam no jogador como pessoa e não no jogador como jogador. E o que poderia ser mais significativo que o jogador escolher dar a mão à sua parceira AI enquanto atravessam um nível? Não porque a narrativa mandou, não porque o jogo solicitou que o jogador o fizesse através de uma escolha de diálogo. Porque a parceira deixou-nos a impressão de ser humana o suficiente que assim, talvez, a queiramos manter por perto, caso aconteça algo de mal. Design, não por omissão, mas por subtileza. Por sugestão e não por ordem.

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