265361-2_1280Se omitirmos o Mordor comercial dos países emergentes, a Europa é sem dúvida o parente pobre do mercado dos videojogos. Nesta trindade dividida entre as duas deidades do Este e Oeste a Europa faz figura de Espírito Santo: um objeto amorfo, pouco claro e de ocasional importância.

Radiata Stories faz parte dos muitos RPGs nipónicos a beneficiar de uma adaptação US que não chega a deixar migalhas aos simplórios adoradores de Fifa do velho continente. O habitual.

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Hesitei em escrever sobre este jogo porque tenho sempre por objetivo deixar um sentimento de culpabilidade ao leitor desta crónica. No caso de um jogo apenas disponível em import, a falta de popularidade não se deve à futilidade dos jogadores levados ao sabor do marketing, mas antes a uma questão de constrangimentos comerciais. A excentricidade do consumidor de import está demasiado associada a um constrangimento social problemático para questões reprodutivas para eu desejar tal coisa a um leitor anónimo… Se eu importei? Nada disso. Optei por vias obscuras pelas quais ainda hoje percorro o caminho da redenção… Uma edição do colecionador de cada vez.

Triste constatação: O Rococó Kawaii não vende.

Triste constatação: O Rococó Kawaii não vende.

Radiata Stories faz parte daqueles jogos cuja relativa mediania transmite um charme inexplicável. Sendo um JRPG humorístico a sua relativa falta de ambição transmite uma descontração rara, fora dos clichés das odisseias de putos de 13 anos contra ameaças de apocalipses transdimensionais. Radiata é nesse sentido uma sátira comedida, capaz de manter o nível de seriedade suficiente para que o riso não impeça o nosso envolvimento emocional com os acontecimentos da história. Jack, o protagonista principal, é o típico puto ambicioso à procura de seguir as pegadas do seu pai, um cavaleiro lendário caído em desgraça. O que o distingue do estereótipo é o seu sentido de humor e a sua consciência das incongruências das convenções do género. Jack vocaliza o distanciamento do jogador com a narrativa e à medida que interpela vai conquistando a nossa cumplicidade. Uma parte significativa do jogo aposta, portanto, num registo ligeiro, apenas interrompido por um desenvolvimento inesperado na segunda metade do jogo e que precipita o reino multi-espécie de Radiata a cair numa guerra civil. O conflito tem o mérito de elevar a sátira para uma reflexão sobre a xenofobia e as simetrias do racismo num contexto de conflito interno. Nessa ocasião o jogador poderá juntar-se a uma das duas facções, cada uma com consequências diferentes no decorrer da história…. Tudo isto pode parecer demasiado pesado mas a mensagem é na verdade relativamente discreta e não prejudica em nada a experiência no seu todo (Ao contrário do pesadelo ideológico de um Fable III).

A ingratidão: A recompensa habitual do JRPG

A ingratidão: A recompensa habitual do JRPG

O sistema de combate não difere do que é habitual nos Action RPGs: Confrontos não aleatórios, controlo de apenas uma personagem do grupo, interacção direta e não por turnos… A Tri-Ace limitou-se a recuperar o essencial das mecânicas do seu Star Ocean (III) e acrescentar mais dinamismo em troca de menos estratégia. Até nas suas particularidades tais como a personalização da sequência de golpes ou ataques conjuntos que se ativam pelo posicionamento na área de jogo, tudo parece demasiado familiar para ser inovador.

O ponto que une a componente narrativa ao gameplay é a possibilidade de poder recrutar praticamente todos os NPC do jogo. São cerca de 176 personagens recrutáveis ao pontapé… Literalmente. É que em Radiata Stories, para além da habitual interação pelo diálogo, tudo pode ser pontapeado desde cenários até pessoas. Se os objetos dão habitualmente items, os NPCs costumam responder com o grau apropriado de agressividade que acaba muitas vezes em combate. Felizmente, no mundo dos videojogos, espancar um desconhecido depois de uma provocação gratuita compromete muitas vezes a vitima a juntar-se ao seu bully. Uma lição para todos nós e a nossa tendência para o rancor contraproducente.

Em conclusão, podemos resumir Radiata Stories ao prazer simples de pontapear todos os recantos de um universo virtual de forma a conhecê-lo melhor. Utilizar o grotesco e a irreverência para despertar de um genuíno interesse no trivial… Parece fácil mas não é. Sem ter alcançado grande fama no país de Trump, Radiata Stories é daqueles clássicos que nunca chegaram a sê-lo.  Pena.

RIP Phife Dawg…