Quando Need for Speed: Rivals foi lançado na mesma fase das consolas de nova geração, estive durante alguns dias a jogar imerso numa velocidade que parecia levantar o meu cabelo. Nessa mesma época estava no norte de Portugal, e num desses dias circulava naquelas auto-estradas de alcatrão que romperam os montes como os machados rompem as árvores. Era um dia chuvoso numa simples tarde da semana quando o meu carro perdeu tração e começou a deslizar a uma velocidade acima de 80km/hora. Estava numa curva. Sozinho. Vi-me a fazer uma dança com o carro melhor que o John Travolta faz (ou fazia) com o seu jogo de anca, e consegui controlar o carro naquela curva fechada.
Ainda hoje não consigo dar um valor numérico à sorte que tive naquele dia. Mas não se deveu muito à sorte, deveu-se à prática que tive nos dias anteriores a conduzir virtualmente carros de alta e não tão alta cilindrada, do manuseamento de uma máquina que atestam as leis da física. Consegui naquele momento controlar o carro, seguro de mim ao volante das horas “frescas” investidas em Need for Speed.
Mas estou aqui para vos falar de DiRT Rally, o novo jogo de desportos motorizados da Codemasters que foi lançado para PC em Dezembro de 2015 e apresenta-se de novo com o mesmo rigor nas consolas de nova geração. Um bom port, portanto, – inserir piada do Quantum Break e do Batman aqui – para que um maior leque de jogadores possa usufruir deste que é provavelmente o melhor jogo de condução da Codemasters até hoje.
Muito mais aproximado da simulação que de um jogo arcade, percebi desde o início que DiRT Rally não me iria facilitar a vida. Somos atirados inicialmente para caminhos de terra batida nos montes da Grécia, a conduzir um dos poucos carros que podemos comprar com dinheiro inicial e que vamos ganhando durante os eventos. Escolhi um Mini Cooper dos anos 1960 e fui por aqueles caminhos sem protecção para as ravinas, um pouco semelhantes às estradas do Minho e que ainda podemos encontrar em algumas zonas mais afastadas até à mais pequena aldeia.
O Mini Cooper foi a primeira aquisição para testar a minha capacidade de condução, logo eu que com os meus 18 anos, mal me vi com a carta de condução na mão, tive um acidente. Confesso que não tive a culpa, nem fui eu quem tinha bebido para não conseguir medir os metros entre o meu carro e o outro, mas as regras de cedência de passagem não estavam a meu favor. Com a mesma idade consegui “dar um toque artístico” numa parede de pedra com a frente do meu carro, e com cerca de 21 anos, num dia chuvoso, dancei a minha primeira dança. Até ser parado por um separador de estrada. John Travolta? Não da primeira vez, nessa foi mais ao estilo Jeff Bridges em The Big Lebowski.
A minha condução melhorou com os anos, e não foram apenas pelos muitos quilómetros percorridos de norte a sul ou com investidas no país dos nossos hermanos, foi também com a ajuda dos jogos da série DiRT, dos Need for Speed, dos Forza, e de como estes jogos se aproximaram da realidade na simulação precisa dos motorizados.
Neste momento devem pensar que gosto de carregar a fundo no acelerador, mas confesso que para aumentar o batimento cardíaco prefiro as montanhas russas. E com o tempo fui descobrindo que os jogos de condução não ficam atrás, talvez pela sensação de controlo e por saber que é perfeitamente seguro. Nem o sexo. Com Dirt Rally voltei a sentir a adrenalina na corrente sanguínea, nas estradas das montanhas com a neve e com a chuva, entre florestas com os raios de sol a furar entre a folhagem, numa velocidade que não permite pensar mas apenas agir com automatismo para controlar o carro numa curva quando despega do chão ou para evitar por um milímetro a pedra da valeta e o poste que podem facilmente dar um novo design mais abstracto à porta do nosso co-piloto. O mesmo fornece informações sobre o percurso, e como qualquer humano pode enganar-se na instrução de uma curva. Ou é só falta de jeito.
As físicas de DiRT Rally estão bem afinadas, mas nem sempre perfeitas quando é para capotar. Porque ver um carro a rodopiar no seu próprio eixo não é algo que se veja na vida real. Caso contrário mais valia termos um helicóptero ou um João Soares a rodopiar de mãos abertas na redacção do jornal Público. Mas para contrastar com estas pequenas e raras imperfeições, DiRT Rally oferece um bom leque de opções de tweeks para os variados ambientes e é muito bom e realista na relação entre as especificações do veículo com o tipo de estrada onde se conduz. É notória a diferença na condução com cascalho mais grosso ou mais fino e a influência na condução com o peso do carro, a tração dianteira ou traseira, os pneus ou o volante só para enumerar alguns exemplos, ou ainda o uso do travão que resulta com precisão de acordo com o piso.
Ao longo de cada evento, o carro vai ficando desgastado e danificado por cada acidente, por cair na ribanceira ou chocar contra uma árvore, com os saltos, mesmo no simples riscar da carroçaria. Ao longo de cada evento é também necessário gerir o bom funcionamento do automóvel e as partes que o constituem, evitando sair da estrada e bater contra tudo o que mexe e não mexe. Mas é muito mais fácil dizer do que fazer. DiRT Rally não é um jogo fácil, no entanto permite alterar algumas opções para não ser tão penalizante mas que por consequência é bastante gratificante. Consertar o carro tem um custo, que a meio de um evento representa a penalização de tempo, e no final significa um gasto extra para a reparação do veículo e para estar em boas condições para o próximo evento. Um carro danificado pode perder velocidade, pode piorar a direcção, pode aquecer o motor. Pode terminar com o evento. É como sair pela primeira vez com o carro à noite, combinar com amigos, e telefonar meia-hora depois a dizer que já não é possível porque tiveram um acidente e ficaram sem uma roda. Ainda se recordam de eu falar sobre não respeitar a cedência de passagem?
Estamos perante um jogo de condução para fãs de condução. Não apenas para fãs de simuladores. Não apenas para fãs de Rally. A Codemasters fez-me lembrar os anos do Colin McRae, a primeira série de jogos de condução que me fez apreciar o género (para não falar também dos OutRun), e voltou com um jogo de inegável qualidade. Com modos online e offline, diversas provas e cenários muito bem escolhidos de Monte Carlo à Finlândia e com algumas adições de pistas do Rallycross, esperemos que no futuro próximo também possam incluir a de Montalegre. Seria proveitoso uma paisagem de Portugal, na terra que abre o Mundial de Rallycross nos dias 16 e 17 de Abril.