A definição de zona de conforto faz parte do senso geral da nossa conversação, tendo-se tornado num lugar comum como expressão motivacional. Mas ela tem alguma razão de ser nas áreas artísticas. Vejamos o caso de um cantor, que usualmente encontra a sua zona de conforto dentro da área média da sua tessitura, onde o risco é quase inexistente e em notas que quase impossivelmente irá falhar. O risco associado a sair da zona de conforto tem quase sempre a recompensa de atingirmos algo inesperado e de maior expressão e experimentação artística.

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Nos videojogos esta zona de conforto existe, e é perceptível por exemplo no risco que à época o Mortal Kombat assumiu ao passar para um ambiente tridimensional. Rapidamente percebemos que a série sair da sua zona de conforto, o combate bidimensional acabou por ser um tremendo revés à própria franquia. E já que falamos de jogos de combate, e visto que no ano passado exaltei a série Guilty Gear como uma das forças motrizes do género, esta reflexão sobe zona de conforto assenta que nem uma luva num jogo já com alguns anos e que só há dias chegou ao PC. Falamos, como indicado no título, de Guilty Gear 2: Overture.

Dizer que a Arc System Works é exímia no género dos fighting games 2D é quase um eufemismo. Já diversas vezes referi que o estandarte da qualidade do género intimamente ligada ao ambiente de arcadas com animações e mecânicas fluídas recaem quase exclusivamente sobre os ombros do estúdio sediado em Yokohama. O porquê de terem decidido saltar do que faziam de forma muito próxima da perfeição nos 2D fighting games para um spinoff de hack ‘n slash ao estilo de Dynasty Warriors é ainda uma surpresa. Especialmente porque até ao lançamento deste Guity Gear 2 no PC eu nunca tinha ouvido falar do jogo, já que era exclusivo de uma consola que nunca possuí, a Xbox 360.

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O meu problema com esta tentativa de aproximar Guilty Gear de Dynsasty Warrior é que dever-se-ia te feito o que todas as outras franquias fazem: permitir que a Koei Tecmo faça o que sabe realmente fazer, criando uma abordagem DW à famosa série de luta. A Arc System ter tentado recriar a fórmula dentro do seu setting e com os seus próprios personagens veio acabar por torná-los coxos e desconfortáveis.

Tanto Dynasty Warriors como Guilty Gear são dos jogos mais dinâmicos, frenéticos e animadamente estonteantes dos seus géneros. É claro que para isto muito contribui toda a carga over-the top de ambos, e é também nesses excesso que se apoia a sua qualidade e a sua demarcação. Guilty Gear 2: Overture não podia ser mais o contrário disto, trazendo uma certa rigidez e lentidão que não reconheço a esta franquia.

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Guilty Gear, a série principal de fighting games tem dos movimentos e complexidade de ataques mais interessantes do género, ao passo que este Overture é limitado, repetitivo e monótono. Felizmente que esta experiência da década passada foi uma one-time-only e o estúdio decidiu manter a série dentro da zona de conforto.

O risco da experimentação por vezes compensa, e por outros, desafinam a composição que parecia tão harmónica, melódica e estruturada. Guilty Gear 2: Overture foi esse desafinanço, esse pé fora da zona de conforto, o teste que possivelmente permitiu à Arc System perceber que o seu caminho passava por levar a série para um outro patamar de qualidade, criando Guilty Gear-Xrd- Sign, um dos marcos contemporâneos dos fighting games.