Análise a Stories: the Path of Destinies

Stories the Path of Destinies (1)

Não cresci com o hábito de me lerem histórias. E não, esta não é uma confissão de tristeza por uma hipotética infância marcada por traumas, muito pelo contrário. Tive uma infância repleta de bons momentos e de sinais que me estruturaram enquanto pessoa. Não tive o hábito de lerem para mim, mas uma vontade imensa de ler (que era algo habitual nos adultos lá de casa) impeliu-me a, com a preciosa ajuda dos livros e da série da Rua Sésamo, aprender a ler aos 4 anos. E foi aí um dos momentos em que o mundo se abriu para mim, que de repente pude compreender o apelo das centenas de livros que recheavam a casa onde cresci. E essa paixão mantém-se até hoje, no tremendo amor que tenho por ler e o ainda (quase) maior amor que tenho por escrever.

Não ter crescido com o hábito de ter uma história lida para adormecer não definiu que agora eu, no papel de pai, não o quisesse fazer. É com todo o prazer que leio para o meu filho, que vai ganhando entusiasmo por estes objectos mágicos que na tenra idade dele ainda estão mais recheados de imagens do que de caracteres. Mas esta companhia dos livros é uma passagem de testemunho, e partilhar a paixão pela leitura é uma herança emocional, como um beijo afectuoso na testa depositado noite após noite, na esperança de aconchegar os sonhos da infância.

Stories the Path of Destinies (1)

Histórias com múltiplos caminhos são opções narrativas que todos conhecemos, e dos quais estamos mais do que habituados a falar aqui no Rubber. Para além d’As Aventuras Fantásticas, também outras BDs (algumas da Disney dos estúdios italianos traziam esta tónica e eram uma delícia para a nossa definição de enredos possíveis a partir de momentos-chave) apresentaram-nos formas de leitura não-lineares em que o nosso papel de leitores ia para lá da mera postura passiva. É claro que não tardou muito para que esta lógica fosse aplicada a uma manifestação artística tão interactiva como os videojogos, em que o jogador não é apenas um agente passivo, mas um interveniente na própria história. E é sob esta ideia que surgiu Stories: the Path of Destinies.

A estética aplicada a todo este jogo do estúdio Spearhead Games é a de folhear um livro de histórias para crianças, onde um herói solitário, a raposa antropomórfica Reynardo persegue a sua missão de destruir um império maligno que assola a sua terra e a sua gente. Um conceito simples, genérico, cliché até, mas que é um dos melhores pontos de partida para o que se vai desenrolar a seguir. Que são 24 histórias diferentes, com 24 percursos diferentes que culminam em 24 finais distintos, e que dependem todos das progressivas decisões que vamos tomando ao virar de cada página.

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Se o sentido estético é muito seu, Stories: the Path of Destinies decidiu enveredar pela proposta de Bastion de ter a história a ser-nos contada por um narrador. Com alguns laivos de humor à medida que o enredo progride, notoriamente percebemos que as múltiplas opções e múltiplos caminhos não são apenas uma desculpa para justificar o Action RPG por trás de Stories, mas antes o inverso. Cada combate (notoriamente inspirado no ritmo dos jogos de Batman Arkham) é apenas uma forma de preencher o que está a ser contado, e dando também algum foco a Reynardo, o brilhante guerreiro rebelde que muitas vezes verá opções divergentes no seu caminho de libertação.

Ainda não consegui completar os 24 finais diferentes (e diria que devidamente explorado, cada sequência pode ser terminada entre trinta a quarenta minutos) o que vou percebendo é que existe um certo fatalismo recorrente que paira sobre Reynardo (e sobre nós, paralelamente). Sejam as escolhas que invariavelmente tomam desvios inesperados, ou a sempre presente possibilidade de destruirmos o universo na nossa tentativa heróica de depormos o regime, a tónica constante é a da necessidade de refazer ou de recontar a história visto que os sucessivos finais são de insucesso para a sua/nossa missão.

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Poderíamos esperar que a aparente repetição conduzisse à monotonia, mas não é de todo o caso. A única persistência em cada playthrough, ou, dentro do setting, cada novo sub-enredo, são os upgrades às armas e as habilidades que vamos aprendendo para Reynardo. Tudo o resto é refeito, abrindo-nos caminhos desconhecidos que nos impedem de estarmos a repetir a mesma coisa que fizemos em todas as tentativas anteriores.

Parece-me transversal, mas sinto que um dos poucos problemas deste Stories é mesmo alguma falta de optimização que conduziu muitas vezes a algum lag gráfico durante as sequências de combate, e a impediam de ter a fluidez da sua inspiração-maior, os jogos de Batman Arkham.

O melhor: a estética, o ambiente, os múltiplos caminhos, as sequências de acção,

O pior: os problemas técnicos que ainda existem

Stories: the Path of Destinies é sem sombra de dúvidas um dos melhores jogos que joguei este ano, e um dos mais criativos Action RPGs que vi sair do mercado independente. Com uma sublime abordagem estético-artística, este surpreendente indie está a ajudar a abrilhantar um mês de Abril que tem sido para mim, uma revelação. E que infelizmente será mais um caso de um brilhante jogo que ficará ofuscado por tantos AAA sensaborões que lhe roubam, de forma inglória, o merecido espaço na ribalta.

Stories: the Path of Destinies está disponível para PS4 e PC. Analisada a versão de PC sob cópia de análise enviada pela empresa de PR.