Como muitos de nós já sabemos, projectos no Kickstarter há-os aos pontapés e são habitualmente facas de dois gumes. Mesmo que um projecto seja financiado e mesmo que ultrapasse vários stretch goals na ordem dos milhões de euros/dólares, nem sempre chega a ver a luz do dia. É como jogar na roleta e esperar que lhe saia a sorte grande. Tal como um jogador no casino, durante uma altura entre 2014 e 2015 andei quase viciado em tornar-me financiador ou backer de diferentes projectos, a maioria dos quais relacionados com videojogos ou jogos de tabuleiro.

logoEm Fevereiro de 2015 tornei-me backer do que era supostamente o primeiro jogo de uma equipa indie bielorrussa, de seu nome: Weappy Studio. O projecto apresentado era para a criação de um jogo com o nome This Is the Police e foi amor à primeira vista. O vídeo promocional de imagética simples e low-poly era brilhante, narrado pelo icónico Jon St. John (a voz de Duke Nukem) e acompanhado por um jazz muito suave que encaixaria em qualquer filme “Marlowesco”. Jon St. John dá voz a Jack Boyd, o Chefe de Polícia sisudo e taciturno de 60 anos da cidade de Freeburg, que recorda a sua longa carreira, particularmente orgulhoso por nunca ter aceite um único suborno e de ter um cadastro puro como a neve. Freeburg é uma cidade em constante assalto pela corrupção e Jack vê alguns dos seus colegas chegar ao trabalho com carros caros e a adquirirem casas luxuosas enquanto se pergunta porque é que a sua mulher o acabou de deixar por um homem mais novo, porque é que o novo Mayor da cidade o ordenou que se reformasse em 6 meses, e porque é que, sendo Chefe de Polícia, está ainda assim a ter dificuldades para pagar a renda do próximo mês. Jack não aguenta mais e decide que este é um ponto de viragem em que já não está para aturar mais m***as. Usando todo o conhecimento que foi adquirindo ao longo da sua vida sobre procedimento e métodos policiais, contactos com figuras do submundo do crime e o poder que tem uma pessoa na sua posição, ele decide deixar de ser polícia bom e honrado para ser polícia mau e corrupto. Ele tem apenas 6 meses para conseguir reunir para si próprio meio milhão de dólares e terminar a sua carreira como figura da autoridade direito para a reforma, sem ser apanhado e ir parar à prisão no processo.

12

05

07

É esta premissa que This Is the Police nos introduz no seu jogo de estratégia e aventura, de forte cariz narrativo, onde temos de fazer uma batelada de dinheiro em 180 dias para viver uma reforma confortável, ou algo mais ainda. Jack é um protagonista extremamente fácil de se empatizar – uma boa pessoa que se deixou corromper pela sociedade, um polícia modelo que se fartou que a vida só lhe desse amarguras e disse “basta” – alguém com quem muitos de nós se consegue identificar, mesmo que não tenhamos 60 anos de idade ou estejamos dispostos a cometer actos ilícitos.

Backers do projecto receberam uma versão alpha do jogo a Fevereiro de 2016 e participaram numa fase de teste para descobrir bugs e outros problemas com as diferentes builds do jogo, que iam sendo periodicamente actualizadas. Tive a oportunidade de jogar muitas horas da alpha e posso dizer com prazer que ele é uma pequena jóia: um jogo de estratégia e gestão policial em que é preciso gerir a Esquadra, as relações com a Câmara Municipal de Freeburg e até relações com outros “grupos”. Para além da componente de estratégia tem uma grande narrativa com uma série de escolhas morais, muitas delas nada fáceis, dado que o jogo se esforça por manter tudo numa “gray area“, onde não há decisões certas nem erradas – muitas decisões têm um pouco de certo e um pouco de errado e há sempre algo a ganhar e algo a perder.

01

06

A premissa interessante, a excelente narrativa e o sentimento de pressão constante arrisca a manter muitos jogadores agarrados a este jogo. Durante vários dias não joguei a outra coisa e adorei cada minuto. Assumir o papel de Jack e ter de descobrir que polícias que estão nos quadros estão dispostos a participar contigo em actividades corruptas (dar-lhes uma parte dos lucros é uma boa forma de os manter felizes e fieis), pagar a alguém nos quadros para servir de bufo e ir reportando o que outros polícias dizem no seu dia a dia e no balneário, até descobrir que há polícias que são incorruptíveis e poderão estar a trabalhar nas sombras para te denunciar ou estar dispostos a testemunhar contra Jack, tudo isto é possível. Aliás, se o teu bufo te conseguir avisar com antecedência de um par de colegas que estão prestes a denunciar-te, com as ligações às redes criminosas certas até é possível pagar a um chefe da máfia para assaltar uma florista às 10h da manhã do dia seguinte e assignares esses dois polícias a responderem a essa situação – apenas para serem ambos abatidos pelos assaltantes, numa armadilha cruel mas eficaz para eliminar de forma subreptícia aqueles que conspiram contra ti. Muitas acções do género e a complexidade da personalidade de alguns polícias dos teus quadros dão grande profundidade a This Is the Police. Quando contratas um polícia, ele pode ser um alcoólico, mas obviamente que isso não irá constar no seu CV – é necessário ir reparando no seu tipo de comportamento no dia a dia para ir reunindo esse tipo de informação mais subtil.

10

09

Depois da enorme corrupção que foi e continua sendo denunciada pelos milhões de documentos expostos da Mossack-Fonseca, onde constam figuras públicas de vários casos legais proeminentes como a Operação Marquês e o Saco Azul do Banco Espírito Santo, um jogo deste género não podia vir em melhor pior altura. É caso para dizer “Papéis do Panamá, para que vos quero” ou, como diria Lauro Dérmio, “Panama Papers, Please”.

https://www.youtube.com/watch?v=G_xJwOLcW18

This Is the Police deverá estar disponível este Verão em versão digital para PC, Mac e Linux. Esperam-se versões para Playstation 4 e Xbox One posteriormente, se os developers entretanto não fugirem com o dinheiro.