Por opção e por fazer sentido no jogo em questão, este artigo é composto por texto apenas. Eu queria fazer este artigo duma maneira que fizesse justiça ao jogo, mas infelizmente não tenho acesso à tecnologia necessária para o fazer como deve ser, isto foi o que consegui.

Nós, seres humanos, e os outros 83% da população mundial que se comportam cada vez mais de um modo pior que animais, temos tendência a medir o mundo e criar tudo em volta dos denominadores mais comuns. É uma lei da natureza humana, andamos ao passo do nosso membro mais lento, fazemos as nossas leis tendo em conta os nossos membros menos dotados de inteligência. Além disso, damos várias coisas como garantidas, coisas básicas que muitos dariam praticamente tudo para ter. Uma dessas coisas é a visão, no geral, e neste caso específico nos videojogos. Ora, muitos de vocês podem começar já a argumentar que visão vem de video, e logo um videojogo sem visão não é um video jogo, contudo meus caros, simplesmente fazem parte daquele grupo de seres que só pensa em si. Que infelizmente compõe praticamente toda a humanidade, mas há um pequeno grupo que pensou muito além disso.

O estúdio francês Dowino, lançou recentemente A Blind Legend, um videojogo para PC, Android e IOS, onde a parte de vídeo é totalmente eliminada. Um jogo focado na audição. Aqui controlamos Edward Blake, um cavaleiro cego numa aventura que não vou contar. A história é simples e linear mas já vi pior em títulos AAA, e além disso prefiro que quem se sentir curioso como eu quando descobri A Blind Legend, descubra por si mesmo. É o primeiro jogo de grande porte saído deste estúdio, e tanto quanto sei não existem outros semelhantes no mercado, mas espero que venham a existir. Não só porque a experiência é fantástica, como permite abrir os jogos a quem habitualmente não pode desfrutar deles, pessoas invisuais. E só por isso, eu desejo que a Dowino e este jogo tenham o melhor dos sucessos. Devo confessar a minha ignorância neste caso, que raramente considero o grupo de pessoas que por falta de visão ou capacidades motoras não podem desfrutar deste mundo maravilhoso que são os jogos, mas trabalhos como este mostram-me que alguém vai no bom caminho.

O estúdio utiliza o que se chama som binaural 3D, e a melhor maneira que tenho para descrever isto é que o som é mesmo a 3 dimensões. É obrigatório jogar com headphones. Eu testei com uns básicos de um leitor MP3, uns 3.1 e uns 5.1, obviamente quanto melhor a qualidade melhor o som, mas não pensem que precisam de uns 7.1 para jogar, simplesmente teriam uma experiência melhor, mas isso pode-se dizer também de placas gráficas, podemos não ter o jogo mais bonito com uma inferior, mas não quer dizer que não teríamos gostado do jogo. O importante é que o jogo cria um ambiente sonoro que nos coloca dentro da acção, e isso tornou este jogo a experiência mais realista que já tive.

Por melhor ou mais realistas que sejam os gráficos, até podem ser daqueles que se vê os poros na pele do personagem, o jogo está sempre ali numa janela iluminada, há sempre aquela quebra com a fantasia porque estou a olhar para um mundo onde “estou” mas à volta vejo a parede do meu escritório. E mesmo em realidade virtual, ainda não encontrei nenhum jogo que seja realista o suficiente para eu entrar nele. Contudo em A Blind Legend por mais que uma vez (talvez porque eu jogo sempre com os olhos fechados) dou por mim a mover a cabeça para tentar ouvir melhor o som. Alguém “me chama” e eu viro a cabeça para um lado e para o outro, inclino-a ligeiramente para tentar ouvir melhor. Eu inclinar a cabeça é totalmente supérfluo mas é um indicador que os sons são tão bem reproduzidos que eu tenho uma reacção natural a eles. Sons de várias direcções, perto e longe, gritantes ou sussurrantes, dão uma ideia que estamos colocados literalmente no meio da acção.

A Blind Legend é quase todo em QTE, andamos guiados por som, e todas as acções são feitas em reacção a ele e até os combates são feitos assim, temos que detectar de onde vem o som e no timing certo mover nessa direcção, contudo são sempre iguais, não há muita variedade nos combates. Esta falha e a linearidade do jogo (devido às limitações e não existir muito semelhante neste campo) são os únicos pontos negativos que lhe posso levantar. Os pontos positivos por outro lado conseguem que eu ignore totalmente os negativos. A Blind Legend consegue fazer algo que não é feito há mais de 10 ou 15 anos, que é uma evolução na sonoplastia dos videojogos, como sempre focaram mais no visual e nos avanços gráficos. Contudo a tecnologia de som que ajuda a criar o ambiente chegou a um ponto em que foi deixado de lado, era boa o suficiente e ficou por ali. Foi um pouco como na indústria automóvel na qual usamos o mesmo tipo de motor de combustão há mais de 100 anos, só mudamos os carros para serem mais rápidos e “bonitos” mas pouca gente se preocupa com combustíveis e outros aspectos. Este título é como um Tesla, um carro eléctrico, ainda precisa de algum trabalho, muitos vão estranhar de inicio, mas o seu potencial para a marca/estúdio e principalmente para a indústria toda são quase infinitos.

Este não é um jogo brilhante, ainda não o acabei porque é tão diferente que eu o ando a degustar aos poucos, é um pouco como um limpador de palato para mim quando quero desenjoar dos outros que ando a testar, já estive algum tempo só parado a ouvir, sem me mexer porque gosto dos efeitos. Tanto quanto sei por comentar com outros jogadores acaba-se em cerca de três horas. E como é bastante linear não tem grande opção de replay. Contudo, e para inaugurar a minha nova escala de classificação que é feita em valor a pagar pelo jogo, este jogo vale o preço total dele de €6.99. Ou seja, não vale a pena que esperem por saldos ou bundles. Já paguei mais, por muito menos. Se estiverem apertados e quiserem testar, é grátis para mobile, mas com microtransações, portanto a opção é vossa.