Uma celebridade, ou um notável cujo trabalho, carreira e talento são a força motriz de muita gente, tem uma responsabilidade adicional perante o meio onde se movimenta. E quando falo de celebridades não me refiro ao conceito e à vacuidade contemporâneas, em que se promove alguém a esse estatuto cujo único talento visível é ser conhecido e famoso. Esta é apenas uma das razões pelas quais todo o mundo olhava, mês após mês, para Shigeru Miyamoto, o histórico game designer, para que ele abrisse as comportas criativas que justificassem um súbito interesse na Wii U. Mas essa data nunca chegou.

Star Fox Wii U (2)

Já o disse várias vezes e volto a repetir: a Wii U é incomparavelmente a consola doméstica actual com o melhor catálogo de exclusivos. O que não faz, nem fez dela um brilho nos olhos para muita gente pelo mundo fora, que continuaram a preferir a PS4 e, vá-se lá perceber porquê, a Xbox One como companheiras de sala. As vendas iniciais teimaram em aparecer, as vendas de meio de vida (de uma vida demasiado curta) idem, e agora que estamos a meses de conhecermos a NX, seja lá o que essa plataforma virá a ser, e com a Nintendo a atirar a toalha da Wii U ao tapete, demonstrando que já não vale a pena lutar por uma consola que será parte da história já ao virar do ano.

Reservando-me o post mortem dos erros da Nintendo sobre a Wii U para daqui a uns meses, penso que neste momento o que podemos sentir que falhou foi a compreensão das potencialidades de uma consola tão única como esta tanto para o público, mas especialmente para os developers. E esta falta de interesse deve-se, acima de tudo, a Miyamoto. Para mim, aquele que é o maior game designer da história dos videojogos e que está corporativa e criativamente tão ligado à Nintendo seria sempre a arma secreta para “vender” a consola não ao consumidor, mas para todos os developers que poderiam ter aqui um campo de batalha conceptual incomparável.

Star Fox Wii U (1)

Mas para isso o ónus de apresentar caminhos da Wii U aos developers nunca poderia ficar apenas por mãos-alheias, e o ZombieU da Ubisoft acabou apenas por servir de tech demo inicial, de aperitivo que demonstra afinal o que é possível de conseguir com a consola. Mas faltou, nos primeiros 12 meses de vida da consola o lançamento deste Star Fox Zero (e de Star Fox Guard) que abriria, decerto, o caminho inspirador para muitos outros developers. À semelhança do que começou a fazer em 2014 o indie developer Nifflas com o seu Affordable Space Adventures, pensando em mecânicas e abordagens que só são possíveis numa plataforma como a Wii U. Faltou Miyamoto. Não agora na despedida, mas a definir o caminho.

Um developer histórico e talentoso como Miyamoto tem uma candeia na mão, alumia o caminho, ladrilha os passos que muitos outros developers trilharão atrás de si. Aquando da morte de Iwata o Miguel falava sobre a necessidade da Nintendo de libertá-lo para aquilo que sabe fazer melhor: criar, e parece-me que essa prisão corporativo poderá ter decretado o falhanço da Wii U. Quando na E3 de 2014 Miyamoto apresentou 3 mecânicas distintas que ele estava a desenvolver para uma plataforma com capacidades assimétricas como a Wii U, “finalmente” foi a expressão que rapidamente me encheu a mente. “Finalmente” teríamos uma abertura para as potencialidades criativas da Wii U, e era o mestre dos mestres quem o estava a pensar, quem se debruçava sobre a consola e mostrava ao mundo que tinha em mãos algo com potencialidades únicas. Ter estas experiências (apenas 2 delas seriam aproveitadas e materializadas neste Star Fox Zero e Guard) noutro período da vida da Wii U teria sido incentivador e inspirador para muitos indie developers que olhariam para as criações de Miyamoto como precursoras de algo diferente. Fadar estas experiências a quase cantos-do-cisne dois anos depois, a serem lançados nos últimos 10 meses de vida da Wii U antes do lançamento da NX acabou por embaçar todo o esforço, e fadar ao esquecimento algo que poderia ser um turning point para o ciclo de vida da consola. E que não foi.

Star Fox Wii U (1)

Star Fox Zero foi lançado com um sabor agridoce. Por um lado era finalmente essa experiência criada por Miyamoto, como um regresso esperado a Corneria e a Star Fox 64, respondendo à ansiedade de tantos fãs da série que desejavam um novo jogo ano após ano. Por outro lado Star Fox Zero, como sentimos na antevisão que fizemos depois da E3, era uma experiência e um “matar de saudades” e havia muito desconforto nos controlos que poderiam, e deveriam ser resolvidos antes do lançamento. Lembro-me de esperar que o João jogasse para confirmar com ele a sensação que tinha tido: o jogo era visualmente excelente, as mecânicas duplas entre TV e Game Pad eram interessantes, mas parecia haver algo que se perdia da nossa atenção ao dividir-nos entre dois ecrãs. Algo parecia teoricamente bem-pensado mas cuja aplicação prática era notoriamente inferior.

Se o conceito original entre vermos o exterior da Arwing na TV e vermos o interior do cockpit através dos olhos de Fox McCloud parece uma boa ideia, a aplicação desta ideia acabou por não ser totalmente perfeita. Grande parte dos insucessos que fui tendo deveram-se às pequenas inclinações que fui dando no Pad (inclinação essa que controla o ângulo de visão de Fox) e muitas vezes dei por mim com os dois ecrãs “descalibrados” e a chocar contra o cenário por causa disso. Coisa que fustigar o botão para recalibrar o Pad não ajudava totalmente.

Star Fox Wii U (3)

Há imenso potencial na ideia de podermos controlar em simultâneo os dois pontos de vista, mas para prejuízo de Star Fox Zero senti que todas as ideais foram utilizadas para além do bom-senso. Há uma dispersão da atenção exagerada entre termos de fazer malabarismos entre os dois ecrãs, e não foram poucas as vezes que descurei o comando da nave para poder olhar através do Pad para obter maior precisão nos tiros.

Todas estas ideias fazem sentido, e fazem ainda mais quando somos mesmo obrigados a utilizar o ecrã para comandar a transformação terrestre e bípede do nosso Arwing em Walker. Há um tremendo sentido em tudo isto, mas com a necessidade de usarmos o giroscópio do nosso Pad é frequente (especialmente se jogarem de pé como eu joguei) que acabem por deambular pela vossa sala.

Star Fox Wii U (4)

Com tantas boas ideias, e boas mecânicas e utilizações das potencialidades assimétricas únicas da Wii U, Star Fox Zero acabou por ficar relegado para uma quase tech demo tardia. Excessivamente tardia diria. Há uma óbvia atenção às mecânicas e à experimentação em detrimento do jogo propriamente dito, e isso resulta num produto que está muitos furos abaixo da sua real potencialidade. Mas este não é, de todo, o pior pecado de Star Fox Zero.

Como explicava antes, o maior problema de Star Fox Zero é o período de lançamento em que existiu, tornando-se extemporâneo para o seu verdadeiro objectivo no ciclo de vida da Wii U. Circunstâncias da vida diria eu. Passou de ser uma possível influente obra de início de vida da Wii U, demonstrando e abrindo a mente e a vontade de muitos developers em quererem criar para uma plataforma única, para ser apenas uma parceria “boazinha” entre o histórico Miyamoto e a Platinum Games.

Timing, o timing é tudo. Miyamoto, ao estar quase a fechar as portas de casa da Wii U, relembra-nos de algo simples. Aquele que ilumina o caminho tem pouco para fazer se chegar apenas no fim.