A velha máxima que diz que “uma imagem vale mais do que mil palavras” é apenas um eufemismo quando pensamos nas reais implicações da afirmação. A imagem tem uma força única, de captar um momento irrepetível no tempo (no caso da fotografia) ou a de transmitir um número infindável de significados e porvires irrealizados.

Artisticamente, possuir uma linguagem e uma estética reconhecíveis é uma tarefa que dura muitas vezes uma vida. Para os checos da Amanita Design esta realidade existe desde o seu primeiro jogo Samorost, de 2004. E é essa magnífica peculiaridade que o estúdio atingiu tão cedo na sua carreira que explica o corolário conceptual que atingiram com o seu último lançamento, Samorost 3.

Samorost 3 (2)

As aventuras-gráficas já correram um longo percurso desde os seus primórdios herdados das aventuras textuais. Na era dourada do género era o equilíbrio entre puzzles inventivos e a qualidade de argumento que ia definindo os jogos (e os autores/estúdios) que inscreviam o seu nome nas pedras basilares do género. O que a Amanita Design traz ao género, após tantos anos e tanta experimentação que centenas de outros jogos já tiveram, é a verdadeira universalidade de comunicação de um género que sempre teve o texto como uma componente sine qua non da sua existência.

Não é preciso ter jogado quase tudo o que o estúdio checo já produziu para mergulhar e compreender a sua idiossincrasia. Fazê-lo é necessário pela pré-disposição que temos em reconhecer a construção de mundos que lhes é única, entre o orgânico e o mecânico, desenvolvendo ecossistemas que só poderiam provir da linguagem dos autores que constituem o estúdio.

Samorost 3 (1)

A sua estética, a sua estranha visão de world building desconexo mas estranhamente coerente e artisticamente brilhantes é aquilo que separa a Amanita Design de tantos outros estúdios que se tentam diferenciar a criar artificialmente uma linguagem sua. Com a diferença de que esta linha identitária da Amanita é-lhe natural, coerente e está intimamente vincada com todo o catálogo do estúdio.

Mas como fãs de aventuras-gráficas o factor que mais me deixou fascinado em Samorost 3 (a par dos jogos que lhe antecederam no portefólio do estúdio) é a capacidade de comunicação da universalidade da sua estética e dos seus puzzles. Tudo isto conseguido com um não-realismo dos mundos onde o jogo decorre, mas intimamente ligada à coerência conceptual que compõe o tecido elementar destes mundos.

Samorost 3 (1)

A Amanita não necessita de texto para transmitir o seu jogo nem para torná-lo um dos jogos mais interessantes do género. A linguagem iconográfica orgânica faz-nos sentido, e existe algum racionalismo na forma como entendemos que nesta simbiose de fauna e flora e mecanismos que compõe Samorost 3, soprar um trompete para uma árvore fará eclodir uma série de cogumelos, ou que as vibrações das antenas de um insecto conseguem acordar a consciência de um asteróide. Tudo isto alcançado sem o recurso a uma única palavra, e apenas com uma grande unicidade entre linguagem universalmente compreensível, um mundo estranho mas exequível, e uma estética brilhante em que tudo parece microscopicamente possível.

Dentro dos muitos estúdios (maioritariamente europeus) que tentam elevar o género das aventuras—gráficas point-click em novas direcções, é inegável que a Amanita se distingue, e tem feito o meio caminhar em novas direcções, sempre pautados por uma qualidade invejável. E tudo isto assente na inexistência de barreiras linguísticas que tornam os seus universais. E pela qualidade que possuem deve-lo-iam mesmo ser.