Há algumas semanas escrevi um artigo sobre Aurion: Legacy of Kori-Odan e recentemente tive também a oportunidade entrevistar a equipa da Kiro’o Games que o produziu.
João Machado (JM) – Antes de mais, agradeço a vossa disponibilidade para esta entrevista.
Kiro’o Games (KG) – E nós agradecemos o vosso interesse no nosso trabalho.
JM – A primeira coisa que reparei no vosso jogo foram as cores ricas e vibrantes. Apesar de isso estar presente noutros jogos, sendo baseado em África parece mais natural. Quanta influência teve a cultura dos Camarões no vosso jogo?
KG – Primeiro temos que dizer que não é só a cultura Camaronesa que influencia Aurion, mas outras culturas africanas como do Quénia, Nigéria, Gana, etc. Agora, sobre a influência da cultura Camaronesa, podem ser encontradas várias referências no jogo. Por exemplo, existe um teste que Enzo e Erine têm que passar antes da sua aventura. Chama-se Ngondo. Nos Camarões, Ngondo é um festival dos Sawa, o povo da costa. Um dos seus aspectos culturais é a água. O festival acontece todos os anos em Douala, perto do rio Wouri. Algumas cabanas e roupas dos NPC também são inspiradas no estilo de vida Camaronês.
JM – Quais as raízes da história e personagens? Foram totalmente criados por vocês ou são inspirados em história e mitos africanos?
KG – Aurion é um jogo de fantasia africana, é uma história imaginada. Por isso não se consegue encontrar personagens que existam ou tenham existido na vida real. Contudo, porque o nosso passado cultural foi inspiração e o jogo dá enfase a várias temáticas existenciais (golpes de estado, traições, imigração, escravatura, etc.) podem encontrar personagens que são referências caricaturadas de alguns activistas políticos africanos.
De resto, Aurion é a história de um jovem casal, Enzo e Erine Kori-Odan que são vítimas de um golpe por Ngarba Evou, o cunhado de Enzo. Depois de ser exilado da sua cidade natal de Zama, eles têm que viajar por Auriona, o mundo do jogo totalmente criado por nós. Eles terão que enfrentar inimigos em batalhas épicas enquanto respondem a questões universais, para conquistar o seu legado e voltar ao trono.
JM – Digo isto como um elogio ao talento dos vossos designers, mas o aspecto do jogo faz-me lembrar as séries de animação Avatar – The Last Airbender e The Legend of Kora que são muito etnicamente diversas, ao contrário do padrão Europeu e da América do Norte. Isso foi uma das vossas fontes de inspiração?
KG – Nós também adoramos essas séries, e fomos buscar inspiração também nos gameplays de alguns jogos como a série Tales (especialmente para os combates serem mais dinâmicos), ou Dust: An Elysian Tail pela sua riqueza visual. Não quisemos fugir demais às referências de videojogos para não desencaminhar os jogadores no nosso universo original. Durante a nossa campanha de Kickstarter editamos um update sobre as inspirações de Aurion.
JM – O cenário africano que é base de Aurion não é comum nos videojogos. Acham que isso vai colocar os Camarões não só no mapa dos videojogos mas também vai incitar a curiosidade dos jogadores sobre Africa e particularmente o vosso país?
KG – Sim, claro. Esse era um dos nossos objectivos quando começou o projecto: contribuir para o crescimento da indústria de videojogos africana. Achamos que o sucesso de Aurion vai ser apenas o primeiro da indústria africana.
JM – O estilo de luta, o Caaro Aargudan, parece ser totalmente original em jogabilidade e nos movimentos do personagem. É um estilo de luta real ou foi criado por vocês?
KG – Obrigado! O Caaro Aargudan é um estilo de luta que criamos e foi inspirado em aranhas. É uma arte marcial feral usada pelo personagem principal Enzo Kori-Odan. Ele foi treinado para ser um mestre pela sua Ju’u (mentora) Nama Yodé. Ernie Kori-Odan send um apoio em algumas batalhas de Enzo, também usa movimentos dessa arte marcial.
Podem ver o guia publicado no Steam sobre o Caaro Aargudan
JM – De onde veio a ideia de criar um jogo? Onde começou a paixão que te levou a criar o teu?
KG – Eu interesso-me por videojogos desde pequeno. Os meus pais compraram a minha primeira consola quando eu tinha 3 anos. Sempre gostei de jogar, pode-se aprender muito enquanto nos divertimos. Quando eu tinha 14 anos, foi quando comecei a pensar em criar jogos. A ideia apareceu-me quando acabei o Final Fantasy VII pela sexta vez. Comecei a pensar sobre uma sequela onde estariam integrados elementos novos vindos de outros países. Trabalhei nessa ideia durante o secundário e quando cheguei à universidade em 2002 comecei a trabalhar em Aurion, desenvolvendo algumas versões amadoras.
Porque adoro jogos, posso apenas dizer que quero criar jogos relacionados com Africa ou não. Mesmo assim, todos nós na Kiro’o achamos que Africa não tem uma representação notável nos videojogos e é uma matéria-prima fascinante para a indústria. Estamos muito orgulhosos de poder mostrar esta nossa cultura.
JM – Considerando que é o vosso primeiro jogo, num país onde a indústria é quase desconhecida, alguma vez pensaram que deviam ter começado com algo mais pequeno e gradualmente subir de intensidade?
KG – Sem dúvida, foi um desafio começar por um jogo para PC e consolas. Sabes, antes da Kiro’o Games, nenhum estúdio africano correu o risco de desenvolver um jogo para um grande mercado. Especializaram-se apenas em jogos mobile. Por isso dissemos de início que se Aurion fosse um sucesso, também seria um sucesso da indústria de videojogos africana que agora será competitiva com o resto do mundo. O nosso país, os Camarões, é conhecido em África como um país de gente que faz frente aos desafios.
JM – Vindo de um país pequeno, com uma indústria de videojogos pequena tenho consciência das dificuldades de criar e distribuir um jogo aqui, quão difícil foi para vocês? Quais foram os problemas? Em alguma altura quiseram desistir?
KG – Nunca desistir! Nunca, porque nada é fácil nesta vida. Mesmo que não fossemos dos Camarões, teríamos problemas à mesma. Foi muito difícil lançar o projecto porque a cultura de videojogos é muito básica aqui. Não é tão importante como em alguns países europeus ou na América. Mesmo assim fomos ganhando visibilidade nos media e foi-se tornando mais fácil com o tempo.
JM – Aurion é o primeiro jogo totalmente produzido em Africa central. Vocês estão a desbravar o caminho para uma nova industria nos Camarões. Acham que com tempo, vão abrir mais companhias como a Kiro’o Games?
KG – Somos fãs do progresso, e acreditamos que será muito positivo existir mais companhias como a nossa nos Camarões e em Africa. Será benéfico para o desenvolvimento económico e social. Para saberem, a Kiro’o Games já não está sozinha nos Camarões. No ano passado abriu um estúdio chamado SDK Games Africa.
JM – Estão a trabalhar em algo novo que possam revelar, ou vão afinar Aurion para já até estar tão próximo de perfeito como possível até pensarem em novos projectos?
KG – Estamos a estudar com a nossa editora como portar Aurion para algumas consolas e outras plataformas de modo a dar algo novo aos jogadores de consolas e que não utiliza Windows. Será especialmente para a PS4 e XBOX ONE nas consolas, Mac e Linux nos PC. Além disso estamos a trabalhar em expansão sem ter que depender do sucesso financeiro de Aurion.
JM – Mais uma vez obrigado.
KG – Obrigado.