A crítica de cinema tem arrasado Warcraft. Pelo menos por agora, quem sabe isso mudará.
Tendo acabado de ver o filme, não sendo fã de MMOs mas tendo jogado já bastantes, conhecendo a série Warcraft de perto, tendo jogado os três primeiros títulos, e conhecendo World of Warcraft enquanto espectador – tendo jogado menos do que visto jogar, (embora tenha experimentado um par de vezes), uma vez que uma grande parte minha família é fã do jogo- sabendo pouco mas o suficiente, sendo um amante de jogos e de cinema, não me identificando muito com a cultura geek, mas tendo imensa gente no meu círculo social que se identifica, sinto-me numa posição privilegiada.
Acho que consigo ver o filme com um leque bastante variado de olhos, e entender o que significa para cada público.
Em resumo: o filme é bom? É. Vale a pena ver? Em princípio sim. É um filme que toda a gente vai gostar de ver? Longe disso.
A questão que toda a gente tem colocado: vale a pena ver, não se conhecendo nada do universo Warcraft? É um filme confuso? É apenas para os fãs? São muitos nomes e referências? Alguém que não sabe o que é Warcraft ficará perdido?
A resposta é surpreendente. Trata-se de uma adaptação fiel e bastante canónica de um trecho da História de um multiverso que demorou vários anos a ser estabelecido e desenvolvido através pelo menos três propriedades intelectuais. E no entanto, sendo uma adaptação impecável, é absolutamente compreensível para alguém de fora. O mesmo não se pode dizer da trilogia do Senhor dos Anéis.
Só me lembro do nome de três personagens. De vez em quando estabelecem-se relações de confiança entre personagens com um piscar de olhos. Outras vezes morrem pessoas que nem vi durante um minuto. É suposto estar investido em personagens que não me conquistaram, e torcer pelo futuro de um mundo que não me foi apresentado devidamente. São defeitos, mas que aqui não têm importância. No entanto para algumas pessoas este tipo de defeitos variam de importância de filme para filme.
Não faz sentido bater palmas a Peter Jackson pela sua genialidade e não bater a Ducan Jones, a menos que haja um preconceito contra videojogos. Aí é que está o problema, na verdade.
O estigma é forte. A expressão “parece um videojogo” é e tem sido usada de forma depreciativa vezes sem conta. Enquanto que filmes como Hitman: Agent 47 reforçam a ideia que não podem existir boas adaptações cinematográficas de jogos, filmes como Hardcore Henry sugerem que essa falta de qualidade se deve ao próprio medium dos videojogos.
A crítica de cinema, que é em grande parte intelectualista (e elitista), aprendeu com algum custo a conviver com o lado mais bacoco da cultura geek. Não que esteja a condenar o intelectualismo cinéfilo ou a elogiar modo de vida Peter Pan. Estou só a dizer as coisas como elas são. Os críticos aprenderam por exemplo a co-existir com filmes como The Winter Soldier, que tem lá um momento em que uma espia russa chamada “a Viúva Negra” e um homem, com força sobre-humana e um escudo feito de um metal mágico, chamado “o Capitão América”, descobrem uma passagem secreta num edifício que é o centro de uma conspiração, mas que está abandonado, e descem para uma cave, em que descobrem uma inteligência artificial pseudo-nazi, feita de cassetes, que de seguida lhes explica o seu plano maquiavélico todo, com suporte audio-visual; é um filme sério, que se leva a sério, e segundo alguns é um dos melhores filmes da sua década; aprenderam a co-existir com esse tipo de filmes e até a bater palmas aos melhores dentro do género. A crítica não destruiu The Lord of the Rings pelas suas raízes literárias e porque era Tolkien, muito embora só uma pequena minoria tenha lido os livros originais.
O universo de Tolkien é legítimo para a crítica. Se The Avengers tivesse saído no início da década 2000, tinha sido destruído, mas não saiu; a crítica foi-se habituando, e com o tempo, o universo da Marvel tornou-se também legítimo. Suspeito que seja também por causa disso que ninguém esteja a apreciar o que a Warner Bros. está a fazer com o universo DC – porque sejamos honestos, Batman vs Superman não é um filme tão mau como por exemplo Thor 2. Warcraft não pede desculpa por existir. Não tenta ser o que não é. Não tenta conquistar quem o está a ver: pelo contrário, é um filme exigente para com o espectador.
É uma postura audaz, mas que naturalmente não tem caído bem com certas pessoas. O filme não esconde as suas origens; na verdade orgulha-se delas. Baseia-se num videojogo porque se quer basear num videojogo. É Warcraft porque “ser Warcaft” é suficiente. E é natural que ofenda quem exige uma justificação.
Há material para fazer pelo menos mais dez filmes, e se lucrar o suficiente é exactamente isso que vai acontecer. Falando com público gamer e não-gamer à saída, prevejo que o filme lucre bastante.
E ainda bem. É merecido, porque Warcraft é a primeira adaptação de um videojogo para o cinema que também é um bom filme.